Minas Gerais quer trocar reservas de Nióbio por R$ 5 bilhões
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
A Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) ingressou com uma representação junto ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para contestar um projeto que está tramitando na Assembleia Legislativa e que prevê a entrega de tudo que for extraído da mina de Nióbio explorada pela Codemig em Araxá até o ano de 2032 em troca de adiantamento de cerca R$ 5 bilhões ao estado.
O esquema financeiro de “Securitização de Créditos Públicos” que, de acordo com a entidade, está se tornando um modelo de negócios no país, oculta diversas irregularidades. A operação consiste na emissão de debêntures do estado para especulação no mercado financeiro, que deve render ao governo em torno de R$ 5 bilhões. O projeto de autoria do governador Romeu Zema (Novo) foi aprovado pelos deputados no dia 4 de dezembro.
Caso venha a ser sancionada, a lei resguarda o direito do estado a reparações decorrentes de disputas judiciais ou administrativas sobre a divisão dos lucros da exploração do nióbio em Araxá (Alto Paranaíba), que responde por quase a totalidade das receitas da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig). Essa disputa hoje envolve o estado e a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), que é sócia na exploração da mina de Araxá. A Codemig argumenta que teria sido prejudicada na divisão dos lucros, uma vez que o teor de nióbio e o volume de exploração seriam maiores na lavra do estado do que naquela que cabe ao sócio privado.
Foto: CBMM/ Divulgação
A cava de Nióbio explorada pela Codemig, uma estatal que está na mira das privatizações, é a mais produtiva e que fornece mineral com o maior teor de extrato de Nióbio da região, localizada em Araxá, município de 160 mil habitantes localizado no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, a 367 quilômetros de Belo Horizonte. Atualmente, 75% dos lucros sobre a exploração do nióbio em Araxá cabem à CBMM e 25% ao estado. Da parcela destinada ao estado, 51% do valor cabem à Codemge e 49% à Codemig.
Os papeis que serão emitidos pelo estado para a arrecadação de recursos em troca de todo o Nióbio que for extraído da mina nos próximos 13 anos, já estão sendo disputados pelo mercado financeiro e devem ir parar nas mãos do grupo Itaú/ Unibanco
Quem arrematar os papéis não terá apenas a garantia de muito, mas muito lucro, considerando que Estados Unidos, China e Japão pagam até 26 mil dólares a tonelada do minério – que tem diversas aplicações e aumenta a resistência e a leveza do aço –, mas não terá limites para faturar, já que o projeto não estabelece quanto de Nióbio o estado vai fornecer em troca do adiantamento de R$ 5 bi. “O estado não sabe quanto está cedendo em Nióbio, se R$ 50 bilhões ou R$ 1 trilhão, pois o projeto não prevê e ninguém fala disso”, espanta-se a coordenadora nacional da ACD, Maria Lucia Fattorelli.
A auditora fiscal explica que há uma grave ameaças contida no Projeto de Lei 1205/2019, que regula o esquema. “A chamada securitização de créditos públicos, objeto da proposta, viabiliza operações de crédito ilegais, permitindo o desvio de recursos da comercialização do Nióbio, devidos ao estado, que serão pagos por fora do orçamento público, e, mais que tudo, gera inevitavelmente prejuízos enormes e crescentes aos cofres públicos e às gerações presentes e futuras”, alerta.
Foto: Codemig/ Divulgação
ESPECULAÇÃO – Criada por uma lei estadual de 2003 como sociedade de economia mista da administração indireta do estado, a Codemig, que detém a exploração do mineral, tem uma função estatal, mas, na prática, está na mão da iniciativa privada e do capital internacional.
Tem como acionista majoritária a Codemge e divide a mineração com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa privada de metalurgia e tecnologia que domina a extração de Nióbio no país. Fundada em 1955, a CBMM é controlada pela família Moreira Salles, ex-proprietária do extinto conglomerado Unibanco e principal acionista individual do Itaú-Unibanco. A empresa tem 70% de capital nacional e participação de investidores chineses, japonesas e sul-coreanos.
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Securitização de créditos públicos, a receita que quebrou a Grécia
Antes da representação ao MP, a Auditoria da Dívida Pública vinha advertindo que o cenário é devastador, semelhante ao esquema que gerou a crise humanitária na Grécia na última década.
No final de novembro, a ACD encaminhou uma Interpelação Extrajudicial ao presidente da Assembleia Legislativa (ALMG), aos líderes e demais envolvidos na operação. “Nós estamos diante de um processo fraudulento”, afirmou Maria Lucia Fattorelli durante uma audiência pública conjunta das Comissões de Administração Pública e Minas e Energia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, sobre o PL 1205/2019.
“Essa operação só interessa ao mercado. O recurso não chegará ao orçamento”, alerta. Segundo a economista, trata-se de uma operação de crédito ilegal, caracterizado pelo adiantamento R$ 5 bilhões, tendo como contrapartida a cessão indeterminada dos recursos que passarão a transitar por fora do orçamento, diretamente para o pagamento do empréstimo caracterizado pelo adiantamento. “O mais grave é que o valor do pagamento não está divulgado. O estado está fazendo uma dívida de R$ 5 bi para pagar quanto?”, questiona.
Foto: ALMG/ Divulgação
CAIXA PRETA – O Projeto de Lei 1205/2019 que permite que o governo faça cessão de direitos créditos da exploração do Nióbio do estado foi recebido pelo plenário da ALMG em novembro. Segundo o governo, esse valor serviria para pagar o 13º salário dos servidores em 2019 e auxiliar na regularidade dos pagamentos parcelados. O texto é uma das propostas para o estado aderir ao regime de recuperação fiscal do governo federal, que inclui ainda a proposta de privatização da Codemig.
O governador Romeu Zema (Novo), o secretário de Planejamento e Gestão (Seplag), Otto Levy, e o presidente da Codemig, Dante de Mattos, foram intimados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) a fornecer os documentos da pretendida securitização e responder a questionamentos formulados pelos auditores. Entre os pontos questionados pelo TCE está a exigência da apresentação de estudos de impactos financeiros da operação do Nióbio para os cofres estaduais e na prestação de serviços da Codemge. O projeto que foi para a ALMG ignora essa exigência.
Os auditores também pediram a descrição dos procedimentos contábeis e orçamentários que serão adotados pelo governo para o recebimento pelo tesouro estadual dos recursos oriundos da Codemig derivados da operação. Outro item apontado pelo TCE sobre o qual o PL é omisso é um relatório com os planos de extração de Nióbio feitos pela companhia, com a variação do preço futuro do produto.
RESISTÊNCIA – O Nióbio é um elemento químico – e não uma fonte primária de energia – usado como liga na produção de aços especiais e um dos metais mais resistentes à corrosão, a temperaturas extremas e impactos – utilizado na proporção gramas/ tonelada para aumentar a tenacidade e leveza ao aço. É utilizado na fabricação de turbinas para aviação, de gasodutos, em tomógrafos de ressonância magnética, nas indústrias automobilística e aeroespacial, bélica e nuclear, lentes óticas, lâmpadas de alta intensidade, bens eletrônicos e outras aplicações. Em novembro, a CBMM anunciou investimentos na produção de uma geração de baterias para veículos movidos a energia elétrica.