POLÍTICA

Minas Gerais quer trocar reservas de Nióbio por R$ 5 bilhões

Auditoria Cidadã da Dívida tenta barrar esquema de securitização de créditos que entrega ao mercado financeiro tudo que for extraído até 2032
Por Gilson Camargo / Publicado em 23 de dezembro de 2019
Securitização de créditos públicos que quebrou a Grécia é adotada pelo governo de Minas Gerais na forma de créditos ilegais que transferem recursos por fora do orçamento público. “Essa operação só interessa ao mercado”, denuncia a auditora fiscal Maria Lucia Fattorelli

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Securitização de créditos públicos que quebrou a Grécia é adotada pelo governo de Minas Gerais na forma de créditos ilegais que transferem recursos por fora do orçamento público. “Essa operação só interessa ao mercado”, denuncia a auditora fiscal Maria Lucia Fattorelli

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) ingressou com uma representação junto ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para contestar um projeto que está tramitando na Assembleia Legislativa e que prevê a entrega de tudo que for extraído da mina de Nióbio explorada pela Codemig em Araxá até o ano de 2032 em troca de adiantamento de cerca R$ 5 bilhões ao estado.

O esquema financeiro de “Securitização de Créditos Públicos” que, de acordo com a entidade, está se tornando um modelo de negócios no país, oculta diversas irregularidades. A operação consiste na emissão de debêntures do estado para especulação no mercado financeiro, que deve render ao governo em torno de R$ 5 bilhões. O projeto de autoria do governador Romeu Zema (Novo) foi aprovado pelos deputados no dia 4 de dezembro.

Caso venha a ser sancionada, a lei resguarda o direito do estado a reparações decorrentes de disputas judiciais ou administrativas sobre a divisão dos lucros da exploração do nióbio em Araxá (Alto Paranaíba), que responde por quase a totalidade das receitas da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig). Essa disputa hoje envolve o estado e a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), que é sócia na exploração da mina de Araxá. A Codemig argumenta que teria sido prejudicada na divisão dos lucros, uma vez que o teor de nióbio e o volume de exploração seriam maiores na lavra do estado do que naquela que cabe ao sócio privado.

Jazida de Nióbio explorada pela Codemig, uma estatal que está na mira das privatizações, é a mais produtiva e que fornece mineral com o maior teor de extrato de Nióbio da região, localizada em Araxá

Foto: CBMM/ Divulgação

Jazida de Nióbio explorada pela Codemig, uma estatal que está na mira das privatizações, é a mais produtiva e que fornece mineral com o maior teor de extrato de Nióbio da região, localizada em Araxá

Foto: CBMM/ Divulgação

A cava de Nióbio explorada pela Codemig, uma estatal que está na mira das privatizações, é a mais produtiva e que fornece mineral com o maior teor de extrato de Nióbio da região, localizada em Araxá, município de 160 mil habitantes localizado no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, a 367 quilômetros de Belo Horizonte. Atualmente, 75% dos lucros sobre a exploração do nióbio em Araxá cabem à CBMM e 25% ao estado. Da parcela destinada ao estado, 51% do valor cabem à Codemge e 49% à Codemig.

Os papeis que serão emitidos pelo estado para a arrecadação de recursos em troca de todo o Nióbio que for extraído da mina nos próximos 13 anos, já estão sendo disputados pelo mercado financeiro e devem ir parar nas mãos do grupo Itaú/ Unibanco

Quem arrematar os papéis não terá apenas a garantia de muito, mas muito lucro, considerando que Estados Unidos, China e Japão pagam até 26 mil dólares a tonelada do minério – que tem diversas aplicações e aumenta a resistência e a leveza do aço –, mas não terá limites para faturar, já que o projeto não estabelece quanto de Nióbio o estado vai fornecer em troca do adiantamento de R$ 5 bi. “O estado não sabe quanto está cedendo em Nióbio, se R$ 50 bilhões ou R$ 1 trilhão, pois o projeto não prevê e ninguém fala disso”, espanta-se a coordenadora nacional da ACD, Maria Lucia Fattorelli.

A auditora fiscal explica que há uma grave ameaças contida no Projeto de Lei 1205/2019, que regula o esquema. “A chamada securitização de créditos públicos, objeto da proposta, viabiliza operações de crédito ilegais, permitindo o desvio de recursos da comercialização do Nióbio, devidos ao estado, que serão pagos por fora do orçamento público, e, mais que tudo, gera inevitavelmente prejuízos enormes e crescentes aos cofres públicos e às gerações presentes e futuras”, alerta.

A Codemig argumenta que teria sido prejudicada na divisão dos lucros, uma vez que o teor de nióbio e o volume de exploração seriam maiores na lavra do estado do que naquela que cabe ao sócio privado

Foto: Codemig/ Divulgação

A Codemig argumenta que teria sido prejudicada na divisão dos lucros, uma vez que o teor de nióbio e o volume de exploração seriam maiores na lavra do estado do que naquela que cabe ao sócio privado

Foto: Codemig/ Divulgação

ESPECULAÇÃO – Criada por uma lei estadual de 2003 como sociedade de economia mista da administração indireta do estado, a Codemig, que detém a exploração do mineral, tem uma função estatal, mas, na prática, está na mão da iniciativa privada e do capital internacional.

Tem como acionista majoritária a Codemge e divide a mineração com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa privada de metalurgia e tecnologia que domina a extração de Nióbio no país. Fundada em 1955, a CBMM é controlada pela família Moreira Salles, ex-proprietária do extinto conglomerado Unibanco e principal acionista individual do Itaú-Unibanco. A empresa tem 70% de capital nacional e participação de investidores chineses, japonesas e sul-coreanos.

Manifestação de servidores públicos cobra pagamento de 13º e regularização de salários atrasados pelo governo Romeu Zema

Foto: Sindpublicos Minas/ Divulgação

Manifestação de servidores públicos cobra pagamento de 13º e regularização de salários atrasados pelo governo Romeu Zema

Foto: Sindpublicos Minas/ Divulgação

Securitização de créditos públicos, a receita que quebrou a Grécia

Antes da representação ao MP, a Auditoria da Dívida Pública vinha advertindo que o cenário é devastador, semelhante ao esquema que gerou a crise humanitária na Grécia na última década.

No final de novembro, a ACD encaminhou uma Interpelação Extrajudicial ao presidente da Assembleia Legislativa (ALMG), aos líderes e demais envolvidos na operação. “Nós estamos diante de um processo fraudulento”, afirmou Maria Lucia Fattorelli durante uma audiência pública conjunta das Comissões de Administração Pública e Minas e Energia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, sobre o PL 1205/2019.

“Essa operação só interessa ao mercado. O recurso não chegará ao orçamento”, alerta. Segundo a economista, trata-se de uma operação de crédito ilegal, caracterizado pelo adiantamento R$ 5 bilhões, tendo como contrapartida a cessão indeterminada dos recursos que passarão a transitar por fora do orçamento, diretamente para o pagamento do empréstimo caracterizado pelo adiantamento. “O mais grave é que o valor do pagamento não está divulgado. O estado está fazendo uma dívida de R$ 5 bi para pagar quanto?”, questiona.

Em junho, Comissão da ALMG autorizou uso do dinheiro do nióbio para pagar 13º de servidores

Foto: ALMG/ Divulgação

Em junho, Comissão da ALMG autorizou uso do dinheiro do nióbio para pagar 13º de servidores

Foto: ALMG/ Divulgação

CAIXA PRETA – O Projeto de Lei 1205/2019 que permite que o governo faça cessão de direitos créditos da exploração do Nióbio do estado foi recebido pelo plenário da ALMG em novembro. Segundo o governo, esse valor serviria para pagar o 13º salário dos servidores em 2019 e auxiliar na regularidade dos pagamentos parcelados. O texto é uma das propostas para o estado aderir ao regime de recuperação fiscal do governo federal, que inclui ainda a proposta de privatização da Codemig.

O governador Romeu Zema (Novo), o secretário de Planejamento e Gestão (Seplag), Otto Levy, e o presidente da Codemig, Dante de Mattos, foram intimados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) a fornecer os documentos da pretendida securitização e responder a questionamentos formulados pelos auditores. Entre os pontos questionados pelo TCE está a exigência da apresentação de estudos de impactos financeiros da operação do Nióbio para os cofres estaduais e na prestação de serviços da Codemge. O projeto que foi para a ALMG ignora essa exigência.

Os auditores também pediram a descrição dos procedimentos contábeis e orçamentários que serão adotados pelo governo para o recebimento pelo tesouro estadual dos recursos oriundos da Codemig derivados da operação. Outro item apontado pelo TCE sobre o qual o PL é omisso é um relatório com os planos de extração de Nióbio feitos pela companhia, com a variação do preço futuro do produto.

RESISTÊNCIA – O Nióbio é um elemento químico – e não uma fonte primária de energia – usado como liga na produção de aços especiais e um dos metais mais resistentes à corrosão, a temperaturas extremas e impactos – utilizado na proporção gramas/ tonelada para aumentar a tenacidade e leveza ao aço. É utilizado na fabricação de turbinas para aviação, de gasodutos, em tomógrafos de ressonância magnética, nas indústrias automobilística e aeroespacial, bélica e nuclear, lentes óticas, lâmpadas de alta intensidade, bens eletrônicos e outras aplicações. Em novembro, a CBMM anunciou investimentos na produção de uma geração de baterias para veículos movidos a energia elétrica.

 

ACD REPRESENTAÇÃO MP

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