Projeto que legaliza grilagem de terras será votado na Câmara
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O debate sobre o projeto de Lei (PL) 2633/20, que trata da regularização fundiária de imóveis da União, incluindo assentamentos dividiu opiniões durante uma reunião virtual temática para tratar da matéria na Câmara dos Deputados, na segunda-feira, 18. Com a eventual rejeição à Medida Provisória 910/10 que perde a validade nesta terça-feira, 19, a matéria foi reapresentada para votação como Projeto de Lei 2633/20 e poderá ir a plenário na próxima quarta-feira, caso seja apresentado um pedido de urgência.
A proposta determina que as regras para a regularização a serem aplicadas a áreas com até seis módulos fiscais e ocupadas até julho de 2008. O módulo fiscal é uma unidade fixada para cada município pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que varia de 5 a 110 hectares. O texto do projeto beneficia os proprietários que estavam no imóvel até 2008 e não 2014, como previa a MP. Na prática, a proposição segue sendo apontada como artifício para a legalização da grilagem de terras por fazendeiros e criadores de gado, inclusive áreas localizadas no interior de reservas indígenas na Amazônia.
Na última semana, a MP chegou a ser incluída na pauta de votação, mas não houve acordo e a proposta foi retirada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que anunciou a apresentação de um novo texto do projeto para análise dos deputados. Em uma reunião técnica na Câmara, na segunda-feira, 18, para discussão do projeto de regularização fundiária (PL 2633/20), a bancada ruralista e parlamentares ligados ao agronegócio defenderam a ampliação dos limites de terras previstos no texto por considerar que os médios e grandes proprietários rurais estariam sendo discriminados. Os deputados que participaram do debate se dividiram entre os que apoiam a MP do governo e os que acreditam que o projeto é um avanço.
Parlamentares dos partidos de oposição, com o apoio de ambientalistas e representantes dos povos indígenas conseguiram obstruir a votação da MP. Além de permitir a legalização de terras apropriadas de forma ilegal, a oposição é contra a votação da matéria durante a pandemia de Covid-19.
Após pressionar pela reapresentação da proposta na forma de Projeto de Lei, deputados do Centrão, lobistas da bancada ruralista e representantes do próprio governo voltaram à carga na tentativa de colocar a proposta novamente em votação.
O secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura e Pecuária, Nabhan Garcia, disse que o apelido dado à medida provisória, de MP da Grilagem, faz parte de um discurso “bolivariano”. “Nós não estamos aqui para regularizar grileiro de terra, não. Grileiro está na mente dos bolivarianos, daqueles que perderam a eleição e não souberam perder. Daqueles que seguem o bolivarianismo da Venezuela. Falta de respeito, de consideração com famílias que perderam até entes queridos quando foram enfrentar o Norte do Brasil”, atacou. Para o secretário, as regras devem ser iguais para todos. Ele diz que a Constituição permite a regularização de terras públicas de até 2,5 mil hectares.
O PL foi redigido pelo deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), o mesmo parlamentar que foi relator da Medida Provisória 910/19. A relatoria é do deputado amazonense do PL, Marcelo Ramos.
O Amazonas é um dos estados mais atingidos pela pandemia da Covid-19, mas o parlamentar está focado no PL da grilagem de terras. Ele lembrou que a ideia é permitir que esses terrenos possam ser regularizados por autodeclaração e sensoriamento remoto. Áreas maiores poderão ser regularizados, mas passarão por vistoria presencial, que é a regra antiga. “Estes 92% significam 47% da área em processo de regularização; enquanto os 8% que sobram, acima de seis módulos fiscais, representam 53% da área. Sob a lógica do tamanho de área regularizada, talvez seja tímido, mas sob a ótica do ser humano, do trabalhador rural, daquele que precisa da titulação da terra para ter acesso ao crédito, para ter acesso à assistência técnica, para ter a quem cobrar pela recuperação das suas vicinais para retirar a produção, nós estaremos, com a aprovação do PL 2633, atendendo 92% dessas pessoas”, justificou.
“Estamos na véspera do período criminoso de queimadas na Amazônia e o deputado Marcelo Ramos está correndo para votar o PL da Grilagem, que estimula desmatadores. Não bastasse o sofrimento da população com os problemas respiratórios do vírus, a situação pode se agravar ainda mais pela fumaça das florestas em chamas”, alerta Mariana Mota, da campanha de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil. “Ao invés de se preocupar em ter o apoio de grileiros para alavancar sua candidatura à presidente da Câmara, o deputado Marcelo Ramos deveria estar tomando atitudes concretas para ajudar seu estado de origem a enfrentar a pandemia”, diz Mariana.
AVANÇOS – O professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Raoni Rajão, elogiou as mudanças do projeto e disse que a MP incentivava várias irregularidades como terras sendo vendidas na internet. “É possível ver que existe uma tendência grande de definir grandes conjuntos de áreas, que têm características de serem do mesmo imóvel, parceladas em blocos de 15 módulos fiscais. Já talvez esperando uma facilitação. É comum também observar Cadastros Ambientais Rurais que indicam a existência de um imóvel com dois registros do Incra dentro deste mesmo imóvel, o que não seria possível.”
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), afirmou que é importante reconhecer os avanços no texto, como a redução dos módulos rurais e o novo marco temporal. Ele criticou, no entanto, a votação do tema em meio à pandemia de Covid-19, sem que haja uma discussão ampla com a sociedade civil.
Entre as críticas feitas ao projeto, Agostinho citou a possibilidade de as novas regras gerarem conflito com indígenas e com quilombolas. Ele também lamentou haver uma “renúncia fiscal”, com a previsão de pagamento de valores simbólicos pela regularização de grandes propriedades, em um período de crise nas contas públicas. Para o deputado, é preciso diferenciar o produtor rural sério daqueles que querem se apropriar e vender terras públicas.
Ele relatou ainda a situação precária de órgãos relacionados à regularização fundiária e fiscalização ambiental, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Segundo Agostinho, esses órgãos estão “sucateados, falidos e sem as equipes técnicas” necessárias ao seu trabalho.
DESMATAMENTO – De acordo com o Greenpeace, a área com alertas de desmatamento na Amazônia Legal chegou a 327km² em março, segundo dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter). De agosto de 2019 a março de 2020, foram identificados 5.260km² com alertas de desmatamento, quase o dobro do que foi registrado no mesmo período entre 2018 e 2019 (98% de crescimento). Já o número de alertas para degradação florestal são ainda mais alarmantes, no mesmo período foram detectados 10.010 km², frente aos 4.509 km² de alertas registrados no período anterior (aumento de 122%).
A degradação florestal faz parte do processo de desmatamento total de uma área e se dá quando diversas árvores, importantes para a manutenção do microambiente, são retiradas de maneira predatória e desequilibrada “enfraquecendo” a floresta. “Processos de degradação florestal crescem na Amazônia como resultado, sobretudo, da exploração ilegal de madeira. Florestas degradadas são menos resilientes ao fogo, sendo assim, as áreas degradadas são severamente mais impactadas pelo fogo durante a época da seca, quando o número de queimadas criminosas aumenta significativamente”, alerta a ONG.