100 mil mortos na pandemia é crime de responsabilidade sujeito a impeachment do presidente, diz constitucionalista
Foto: Alan Santos/PR
Com o pedido de impeachment de Jair Bolsonaro protocolado nesta quarta-feira, 12, pela Coalizão Negra por Direitos, já somam 53 protocolos sob a guarda de Rodrigo Maia (DEM-RJ). A Coalizão alega que o trato do governo federal com a pandemia do novo coronavírus é um “ato contra a saúde pública”. Segundo o movimento, faltaram medidas emergenciais voltadas à população negra e grupos dentro dela, como trabalhadores informais, comunidades quilombolas, trabalhadores rurais e populações carcerária e de periferia.
O constitucionalista Pedro Serrano, que sempre denunciou a banalização do procedimento, vê sob o aspecto do descaso com a pandemia que a medida se tornou necessária.
Pedro Serrano não viu motivos jurídicos para o impeachment de Fernando Collor. Pela mesma falta de motivos, foi contra as ideias que pregavam o impedimento de Fernando Henrique Cardoso e a derrubada de Dilma Rousseff. No caso do presidente Jair Bolsonaro, no entanto, o professor de Direito Constitucional da PUC-SP é categórico: a atitude do mandatário durante a pandemia caracteriza um flagrante crime de responsabilidade.
“Ele apertou o botão da bomba atômica contra nós”, diz Serrano
Mestre e Doutor em Direito do Estado, com pós-doutorados em Ciências Sociais Aplicadas no Instituto Católico de Paris, na Universidade de Paris 10 e na Universidade de Lisboa, Serrano segue a linhagem de pensamento do filósofo e professor de direito constitucional inglês Ronald Myles Dworkin, falecido em 2013.
Veio daí a analogia a respeito do “botão da bomba atômica” apertada pelo presidente do Brasil. Na realidade, uma ironia do constitucionalista brasileiro, que lembra um antológico artigo de Dworkin para a revista New Yorker.
O então professor de Direito e Filosofia na Universidade de Nova Iorque e de jurisprudência na University College London escreveu que a ideia de um impeachment contra Bill Clinton no caso Monica Lewinsky seria “a kind of coup” (um tipo de golpe), equivalente ao uso de uma arma nuclear em uma guerra.
Nessa linha de pensamento, diz Serrano, “um impeachment é destruidor. Sempre é destruidor e quando mal utilizado, quando banalizado pra ser mais específico, acaba de ser um mecanismo que, ao contrário de aplicar a Constituição, a destrói”, afirma. Ele reflete ainda que no Brasil essa ação que considera muito radical “tem tido a tendência de se banalizar”.
Sociedade em risco
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Ele não tem dúvidas de que no caso atual do Brasil, o afastamento de Bolsonaro cumpriria os requisitos para correta aplicação dessa medida constitucional que, destaca, “deve ser extremamente rara, de emergência ocasional, em situações extremamente radicais”.
“O impeachment nesse sentido seria um mecanismo de defesa da sociedade porque as condutas dele (Bolsonaro), tanto por atos quanto por omissão na pandemia, eu não tenho dúvidas, ampliaram os números de mortos”, declara o constitucionalista.
Serrano lembra que no direito brasileiro é antiga a expressão de que em uma situação de emergência, em uma quarentena por exemplo, a autoridade pública é obrigada a seguir o que a ciência recomenda. “Ele não fez isso e ao não fazer isso atentou contra o direito a vida, contra o direito à integridade física e a saúde das pessoas. Isso é gravíssimo!”, ressalta.
Indignado, o constitucionalista diz que a razão maior de ser do Estado é garantir a vida, a segurança e a integridade física das pessoas. “Não há direito fundamental mais importante do que o direito a vida. É a condição para o exercício dos outros direitos. Pra você ser livre, ter propriedade; pra tudo você precisa estar vivo”, desabafa.
“Bolsonaro não cumpriu com o dever que ele tinha de garantir da melhor forma a vida das pessoas no Brasil. Esse sujeito levou uma parte da população à morte. As condutas dele, não foram só omissões por esquecimento, erro, equívoco. Não! Foram omissões por vontade. Ele se declarou contra a ciência. Aí ele cometeu crime de responsabilidade e eu não tenho dúvidas”, assevera Serrano.
Bolsonaro está blindado por apoios
Foto: Acervo pessoaç/Divulgação
O jurista, no entanto, lembra que um processo de impeachment “é uma junção de questões jurídicas com questões políticas”.
Se na dimensão jurídica já há bases apara se instaurar um processo de impeachment, por outro lado, Serrano informa que o parlamento não está obrigado a declarar a abertura da ação.
“Ele pode simplesmente dizer não vou declarar. É uma decisão política. É uma decisão de conveniência, de oportunidade, de vontade, mesmo o presidente tendo cometido crime de responsabilidade”, explica.
Para Serrano, no caso Bolsonaro há dois entraves. Um é o acordo que o presidente fez com o Centrão para poder permanecer no cargo. O outro é o apoio que ele tem de cerca de 1/3 da população, “muito maior que o apoio que Collor e Dilma tinham”, lembra. Os dois fatores, na opinião do jurista, tornam mais difícil o afastamento do presidente.
Mesmo assim, Serrano ressalta: “O elemento jurídico está presente. Ele cometeu crime de responsabilidade na questão da pandemia. Politicamente – aí eu falo na dimensão moral que a política tem, que não é só disputa de poder – acho que não há nenhum sentido em deixar Bolsonaro no poder. Com esse homem permanecendo na presidência deve morrer mais gente ainda”, conclui.