Caso dos dossiês contra antifascistas expõe governo e filho do presidente
Foto: Reprodução/Twitter
Os dossiês que mapeiam pessoas posicionadas como antifascistas feita pelo Ministério da Justiça e por aliados da família Bolsonaro em São Paulo seguem gerando constrangimentos ao presidente da República e ao Brasil.
Na quarta-feira, 12, o jornalista Jamil Chade, do Uol, informou que a Organização das Nações Unidas (ONU) tomou conhecimento da ação da pasta comandada por André Mendonça.
No último dia 10 de agosto, o deputado estadual paulista Douglas Garcia (PTB) afirmou em testemunho à Justiça que o filho Zero Três do mandatário, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, encaminhou para a Embaixada dos Estados Unidos uma listagem de cerca de mil brasileiros identificados como antifascistas.
Listagem paulista
A listagem paulista remonta um material produzido ainda antes das eleições de 2018 e contêm majoritariamente ativistas do movimento cultural de São Paulo, bandas punks, anarquistas e pessoas que interagiram com elas em suas redes sociais. Garcia, um dos principais aliados da família Bolsonaro no Estado, foi condenado no último dia 6 a pagar uma multa de R$ 20 mil a uma das pessoas que tiveram seus dados expostos.
Já o documento produzido pelo Ministério da Justiça, segundo o Escrivão da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Leonel Radde, teve por base o manifesto Policiais Antifascismo em Defesa da Democracia Popular, divulgado no início de junho passado.
Concretamente 579 agentes das mais variadas forças policiais do país que assinaram o manifesto e quatro professores apoiadores acabaram na lista elaborada pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça.
O próprio Radde está listado no dossiê que agora se insere em uma ação que questiona o governo e será levada ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) pela ministra Cármem Lúcia no próximo dia 19.
Ações psicóticas
Foto: Acervo Pessoal/Divulgação
O policial gaúcho diz que as ações persecutórias se intensificaram quando camadas da população começaram a sair às ruas contra os atos que pediam o fim do isolamento social, o fechamento do Congresso e do STF por apoiadores do presidente da República.
Na ocasião, lembra Radde, ele mesmo chegou a ser taxado de “terrorista, um policial que usava armas para apoiar um movimento financiado por George Soros”, porque repassou em sua rede social um video que recebeu mostrando uma carreata pró-Bolsonaro que teve que dar marcha a ré em Porto Alegre devido a um bloqueio realizado por manifestantes pró-democracia.
“Fui alçado sem querer em uma ação meio psicótica a líder de um movimento enquanto eu, por causa da pandemia, ia de casa para o trabalho e do trabalho para casa”, fala.
Movimento estranho
Não que Radde desconsiderava na ocasião as pautas dos chamados antifascistas. Pelo contrário, diz ele, que registra que apontou desde 2013 que algo estranho estava sendo gestado no país nos movimentos de junho que acabaram culminando anos depois com o impeachment de Dilma Rousseff.
“Quando chegavam pessoas detidas e eu tinha que fazer um Boletim de Ocorrência, vi muito ex-militar, estagiários da Defensoria Pública, até um filho de diplomata. Enfim, uma gama de pessoas que não tinham nada a ver com as demandas”, recorda.
Para o policial, que é formado em história e direito, com mestrado em Direitos Humanos, tudo aquilo que estava presenciando eram coisas típicas do fascismo. “Começou a aparecer gente de farda, de roupa preta. Ninguém sabia pra onde ia. Na realidade, a gente estava indo pra outro lugar não através de um movimento democrático”, reflete.
Passados os anos, a ironia de tudo é que, agora, quem é contra movimentos que atentam contra a democracia estão sendo monitorados pelo Estado.
Truculência empoderada
Sobre a perseguição realizada aos policiais progressistas e o possível processo de “milicialização” das polícias no Brasil, Radde entende que a tríade Bolsonaro, Dória (SP) e Witzel (RJ) levou a um aumento da violência e da letalidade policial. “Hoje em dia a forma de abordagem mostra que os truculentos se sentem empoderados”, diz.
Ele discorda, no entanto do discurso de “que sempre foi assim, só não era filmado”. Para exemplificar, aponta pesquisa que registra o aumento de mortes por conta da Polícia Militar paulista. “Cresceu 70% e isso é muito simbólico, já que nós já éramos considerados o país com a maior taxa de letalidade por conta das polícias”.
Radde destaca ainda que a política de confronto estimulada também tem levado a um maior número de policiais mortos em serviço. “Isto descambar para uma quebra democrática é fácil. É muito tênue a linha”, considera.
41% das PMs tem identificação com bolsonarismo
Diante dessa situação, o policial acredita que o campo progressista ao encampar também o discurso de que “toda a polícia é truculenta”, acaba deixando de lado um debate necessário e, praticamente, jogando para a direita toda uma corporação que, entre ativos e aposentados, ultrapassa um milhão de profissionais.
Mais uma vez ele recorre a uma pesquisa. Um estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública identifica que 41% dos PMs de baixa patente (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) interagem com o grupo político de Jair Bolsonaro.
“Isso entre os policiais militares! Eles não são maioria. É óbvio que entre os restantes não deve ter revolucionários de esquerda, mas são policiais que não são a favor de uma ruptura democrática”, considera.
Repercussão na ONU
Preocupados com os acontecimentos, relatores da ONU devem enviar uma carta oficial ao governo brasileiro buscando informações sobre dossiê elaborado pelo Ministério da Justiça. Especialistas em direito internacional dizem que existe a possibilidade do Brasil ser incluído em uma lista das Nações Unidas que registra governos que promovem perseguições e intimidações internas.
O documento é considerado uma espécie de “lista suja” que integra um relatório que é produzido anualmente pela Secretaria-Geral da ONU onde são apontados Estados que perseguem ativistas, professores, funcionários ou qualquer opositor ao regime instalado.
Eduardo Bolsonaro, sobre seu apoiador Douglas Garcia ter informado a entrega do dossiê à Embaixada americana, disse em redes sociais que que é “mais uma mentira da imprensa desmascarada”. Para embasar o argumento, o filho do presidente apresentou um desmentido da própria representação diplomática dos Estados Unidos.
Gol contra
Já a jornalista Vera Magalhães, apresentadora do Roda Viva na TV Cultura e colunista do Estadão, foi irônica: “Gol contra que chama?”.
Na Câmara, o líder do PT, deputado Enio Verri registrou: “Quando o PT governou, nunca investigou e nem monitorou seus adversários políticos. Já o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, entregou à Embaixada dos EUA dossiê contendo os dados de cidadãos brasileiros, antifascistas e opositores ao governo Bolsonaro. Que nome se dá a isso?”.
Para os deputados federais Orlando Silva (PCdoB-SP) e Fernanda Melchionna (PSol-RS) o filho 03 é “um traidor do Brasil” e deve ser investigado.
As críticas não ficaram só no ambiente da oposição. O deputado Delegado Waldir (PSL-GO) afirmou para O Antagonista que o envio de dossiê sobre militantes “antifascistas” para a embaixada dos EUA pode configurar quebra de decoro parlamentar de Eduardo Bolsonaro.