Outdoors anônimos em apoio a Bolsonaro inundam capitais do país
Foto: Igor Sperotto
Várias capitais do país, entre elas Porto Alegre, registraram nas duas últimas semanas uma avalancha de outdoors em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A maioria dos anúncios, que usa slogans do governo e expressões como Deus e família, são apócrifos – ou seja, não têm assinatura. Os anúncios começaram a ser veiculados há cerca de duas semanas.
Em Porto Alegre, alguns outdoors apresentam a imagem de Bolsonaro ao lado da primeira-dama, Michele, e as frases Povo gaúcho está com Bolsonaro. Por Deus. Pelas nossas famílias. Pela liberdade. Supremo é o povo. Há variações de conteúdo: em um deles, na região central, a mensagem diz apenas Povo gaúcho com Bolsonaro. Supremo é o povo e a imagem do presidente fazendo continência.
O período de contratação dos anúncios, a partir do dia 20 de julho, coincide com um momento de tensão envolvendo o presidente e outros poderes. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, liberou poucos dias antes desse período, em 15 de julho, dados da investigação das fake news à Polícia Federal, que envolvem o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente. Nesse mesmo dia, Bolsonaro havia confirmado resultado positivo para coronavírus.
Uma das empresas que alugam espaços publicitários de rua em Porto Alegre confirmou a contratação de 15 pontos na capital “para uma pessoa física” que não quer se identificar. O aluguel foi entre os dias 20 de julho e 2 de agosto. “Mas como estamos com poucos negócios, os anúncios ainda estão nos locais e devem ficar até serem substituídos”, disse o empresário.
A reportagem do Extra Classe apurou que a campanha é financiada por um grupo de advogados gaúchos que defende as ideias de Bolsonaro, mas que não quer aparecer. Eles fazem parte de um movimento nacional de apoio ao governo, que reúne também empresários e entidades de classe, de ruralistas a comerciantes. Funciona em sistema de vaquinha: a cada período determinado, os organizadores arrecadam uma quantia e planejam a campanha com os recursos disponíveis.
Foto: Igor Sperotto
A impressão de um outdoor padrão, com três metros de altura por dez metros de comprimento, custa em média R$ 200. A locação de um ponto por 15 dias sai por cerca de R$ 900 em tempos de pandemia (metade do preço normal), dependendo da localização, segundo orçamento obtido junto a uma das duas únicas empresas que dispõem de outdoors em Porto Alegre. Mas, no caso da campanha pró-Bolsonaro, houve desconto: os 15 pontos foram locados por R$ 4.800. Ou R$ 320 cada um.
Empresas exibidoras guardam sigilo
As exibidoras guardam sigilo absoluto sobre a identidade dos anunciantes. Não há nenhuma legislação que obrigue os outdoors a conterem a identificação dos contratantes, embora cada empresa defina seus critérios éticos de divulgação – o chamado “compliance”. Para expor a identidade de alguém ou de uma empresa, só mesmo com ordem judicial.
“A empresa exibidora tem que ter um contratante definido e identificado mas, como em todo contrato privado, pode haver sigilo ou não, dependendo das partes envolvidas. Se não contrariar lei de direitos autorais, ou se não envolver legislação criminal, uma agressão ou ofensa, não vejo por que deveria haver divulgação. As campanhas não precisam identificar a autoria”, diz o presidente da Associação Gaúcha das Empresas de Publicidade ao Ar Livre (Agepal), Leonardo Hoffmann.
Os anúncios seguem uma estratégia nacional de apoio político a Bolsonaro: há registro de peças semelhantes, e sem identificação de contratante, em Pernambuco, Mato Grosso, Espírito Santo e São Paulo. As mensagens, entretanto, são diversas. Em Cuiabá (MT), está estampada a frase “por Deus, por nossas famílias, por quem produz, estamos contigo presidente”. A única identificação do outdoor é a hashtag #fechadocombolsonaro.
Foto: Igor Sperotto
Informações falsas
Em Recife (PE), uma das mensagens é de agradecimento ao presidente “por levar a água do São Francisco aos nordestinos”. Além de apócrifo, o anúncio divulga uma notícia falsa: a frase é uma referência à transposição do rio São Francisco, cujo Eixo Norte foi inaugurado por Bolsonaro no dia 26 de junho. A obra, entretanto, teve 94% do seu traçado concluído em gestões anteriores à do atual presidente, especialmente nos governos Lula (2003/2010) e Dilma (2011/2016).
Em Vitória (ES), os anúncios também trazem notícias falsas – dessa vez na defesa do uso da cloroquina para a prevenção da Covid-19. O outdoor, que usa a mesma hashtag de Cuiabá, estampa uma embalagem do medicamento e a frase “tratamento precoce salva vidas”. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a publicidade de remédios sem comprovação científica. A cloroquina não é indicada para o tratamento da infecção por coronavírus.