Romeu Zema, um governador da escola bolsonarista
Foto: MST/ Divulgação
O governador mineiro Romeu Zema, 55 anos, é o espelho de Jair Bolsonaro. Responsável pela truculência na operação de despejo das famílias agricultoras do Quilombo Campo Grande, município de Campo do Meio (MG), ele se identifica como conservador e foi eleito com discurso acusatório a toda a classe política. Declarou sua simpatia pelo então candidato à presidência ainda no primeiro turno, em debate público televisivo. Provocou, com isso, indignação em seu próprio partido, o Novo, cujos caciques o acusaram de “infidelidade”, porque o candidato oficial era João Amoêdo.
O mesmo chefe das forças policiais que destruíram uma escola e jogaram bombas de gás lacrimogêneo sobre crianças e velhos da comunidade quilombola é também um dos sete governadores do país que se recusaram a assinar a carta para garantir a vitalidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb.
Herdeiro de uma das maiores redes de negócios do país, o Grupo Zema, uma das maiores redes de varejo do país, o empresário passou pela primeira disputa eleitoral em 2018. Se diz defensor da família, mas ordenou que sua Polícia Militar – com 300 homens, com batalhão de choque, helicópteros em voos rasantes, caveirões e 50 viaturas – em três dias de operação, de 12 a 14 de agosto, expulsasse de casa famílias agricultoras que deveriam estar protegidas em quarentena pela pandemia da Covid-19.
Foto: Renato Cobucci/ Imprensa-MG
O governador de Minas Gerais também foi um dos únicos do país que se negou a assinar outra carta: em repúdio à postura de Jair Bolsonaro, em abril, por participação em manifestações populares em defesa da intervenção militar e a favor do fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Sem diálogo
“É a política da morte”, resume a professora e deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), responsável por ingressar no STF com pedido de urgência à requisição feita à Corte por advogados do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) para reverter a ordem de despejo expedida pelo desembargador Amorim Siqueira, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
O pior do despejo foram as aglomerações provocadas entre 2,5 mil habitantes do Quilombo, que passaram a ter contato não apenas com 300 policiais, mas dezenas ou centenas de visitantes que circularam no território vindos de diversos municípios de Minas e também de diversos estados do Brasil.
A deputada ressalta que a Assembleia Legislativa e várias instituições públicas por muitas vezes insistiram em conversar com o governador. Zema recusou todos os apelos, negando-se a dialogar nas instâncias criadas por legislações estaduais para mediar conflitos. Ao estilo bolsonarista, prefere apostar “na polarização com a esquerda para manter seu núcleo ideológico mobilizado”, avalia Beatriz Cerqueira.
Foto: ALMG/ Divulgação
“A dois anos da eleição, ainda não desceu do palanque. É um governo que não conversa. Gastou dinheiro público com aparelhamento do Estado, com gastos em bombas de gás lacrimogêneo, helicóptero e viaturas, com diárias pagas durante três dias a 300 policiais. O resultado foi o despejo de seis famílias! Não tenho dúvidas que o plano foi interrompido; porque eles não previam a repercussão internacional que alcançou essa truculência”, constata a parlamentar.
Aliança com empresários e estado à venda
“Ele adota uma postura dúbia, mas sempre na defesa de políticas neoliberais, de privatizações e redução do Estado, de cortes nos direitos sociais e do funcionalismo, nos recursos para saúde, educação e assistência social”, descreve o deputado estadual André Quintão (PT-MG).
Nas tarefas de proteção a estudantes pobres, que estão fora das escolas durante a pandemia, o governador criou o Bolsa Merenda, de R$ 50. “Cerca de 600 mil crianças ficaram sem cobertura nenhuma. Porém, ele preservou setores empresariais, com a manutenção de isenções fiscais, que representam cerca de R$ 6 bilhões ao ano”, aponta o líder do PT e do bloco de oposição na ALMG.
“A pauta do meu governo é privatizar tudo, diz Zema. Entre suas prioridades estão as estatais Cemig (de eletricidade) e a Copasa (abastecimento de água e saneamento), mas a Constituição mineira exige referendo popular pra isso. Então, o governador afirma que vai mudar a Constituição”, exclama o deputado Quintão. Ele conta que em plena pandemia, o Executivo enviou para a ALE um projeto de reforma da Previdência, com intenção de elevar a idade e tempo de contribuição de servidores estaduais, “medidas até mais drásticas do que as do regime geral”.
Ação de despejo a serviço dos grandes produtores de café
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A ação de despejo provavelmente atingiria grande parte das cerca de 450 famílias de agricultores organizados pelo MST que há mais de 20 anos ocupam a Fazenda Ariadnópolis, massa falida da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo.
A Companhia usava a terra para monocultura de cana-de-açúcar e produção de álcool, fechada em 2002 sem pagar direitos trabalhistas a mais de 1 mil empregados. Os agricultores alavancaram a economia da região do pequeno município de Campo do Meio, de 12 mil habitantes, a partir da transformação do território árido em terra fértil.
Na última safra, o Quilombo colheu 60 mil sacas de milho, 500 toneladas de feijão, frutas, hortaliças, aves, leite e 9 mil sacas do café Guaií, cujos grãos torrados e moídos são vendidos em diversos estados e já foram comercializados nos Estados Unidos e Alemanha. Não utilizam agrotóxicos nos cultivos. Os interesses de grandes produtores de café da região, que há décadas pressionam o governo contra os sem-terra, ficaram evidentes nessa ação de despejo expedida por um juiz local e eivada de ilegalidades. A principal delas: a ordem para a reintegração de posse abrange uma área muito maior que o assentamento, atingindo famílias pobres que vivem fora do Quilombo.
Foto: ALMG/ Divulgação
Escola na mira da destruição
A reclamação ao STF foi feita pela deputada Beatriz Cerqueira e pelo líder de sua bancada e da oposição na Assembleia Legislativa (ALMG), André Quintão.
A ação tem como base o Recurso Extraordinário nº 1017365 do próprio STF que, em maio deste ano, suspendeu reintegrações de posse em áreas indígenas até o fim da pandemia e a petição conjunta apresentada pelo Ministério Público e Defensoria Pública de Minas Gerais que aponta não só a gravidade da ação durante a pandemia, mas diversas irregularidades, inclusive incoerências na localização da área de expulsão das famílias.
Na opinião da deputada Beatriz Cerqueira, a destruição da escola Eduardo Galeano, a única da comunidade, é o símbolo da ação encampada pelo governador Romeu Zema. “Onde tem MST tem uma escola. Eles sabem o processo transformador da educação”, aponta a parlamentar, lembrando que esse não foi o primeiro ataque.
“No início de 2019, a pretexto de reorganização, a Secretaria de Educação já havia se retirado institucionalmente da escola, que funcionava integrada ao sistema educacional do estado, deixando crianças, jovens e adultos sem aulas. Mas o MST a manteve, em sua função de alfabetização e lugar de formação”, relata.