POLÍTICA

Bolsonaro tira verbas da reforma agrária e dá a fazendeiros

Programas do Incra como Assistência Técnica e Extensão Rural, Promoção de Educação no Campo e Reforma Agrária, além da Regularização Fundiária, todos tiveram redução de mais de 99% de verbas
Da Redação / Publicado em 8 de setembro de 2020
Horta comunitária no Assentamento João de Paula(PR), no município de Renascença, onde foram plantadas aproximadamente 2.600 mudas de hortaliças para doação nas ações de solidariedade que acontecem na região desde o início da pandemia de coronavirus. Iniciativas como essa são realizadas em todo o país

Foto: Geani Paula de Souza/MST/Divulgação

Horta comunitária no Assentamento João de Paula, no município de Renascença(PR), onde foram plantadas aproximadamente 2.600 mudas de hortaliças para doação nas ações de solidariedade que acontecem na região desde o início da pandemia do novo coronavirus. Iniciativas como essa são realizadas em todo o país

Foto: Geani Paula de Souza/MST/Divulgação

Sem cerimônia, o governo Jair Bolsonaro enviou no último dia 31 de agosto, a proposta de orçamento para Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de 2021, reduzindo a quase zero a verba para a reforma agrária no Brasil.

Além disso, a proposta destina mais recursos para a indenização judicial a ruralistas que tiveram suas terras desapropriadas.

Continuação de Temer

A medida dá seguimento à política iniciada na gestão de Michel Temer (2016-2018) e projeta um cenário de extinção da reforma agrária, que já está parada desde início do atual governo.

O orçamento do Incra para 2021 tem uma elevação de 4%, em relação ao aprovado para 2020 — de R$ 3,3 bilhões para R$ 3,4 bilhões.

Desse total, porém, R$ 2,1 bilhões (66%) foram reservados para o pagamento de precatórios. Esses títulos tratam de dívidas com fazendeiros que conseguiram na Justiça elevar o valor de indenização por terras desapropriadas por improdutividade — um aumento de 22% em relação ao orçamento deste ano.

Cortes em programas

Programas do Incra como, Assistência Técnica e Extensão Rural, Promoção de Educação no Campo e Reforma Agrária e Regularização Fundiária tiveram redução de mais de 99% de verba.

Houve mais de 90% de corte nos recursos para ações de reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, concessão de crédito às famílias assentadas e aquisição de terras. Já o monitoramento de conflitos agrários e pacificação no campo perdeu 82% de verba, enquanto a consolidação de assentamentos rurais, 71%”.

Ao assumir o governo, em 2019, paralisou os processos de aquisição, desapropriação ou outra forma de obtenção de terras para a reforma agrária, além da identificação e delimitação de territórios quilombolas.

Ao final de seu primeiro ano de gestão, o Incra tinha 66 projetos de assentamento para reforma agrária, mas o governo não havia assentado nenhuma família nesses locais.

Famílias assentadas

Os dados do Incra apontam 5.428 famílias assentadas em 2019, mas isso se refere a processos antigos de agricultores que ocupavam áreas sem autorização da autarquia.

Sob Bolsonaro, o Incra passou a ser subordinado ao Ministério da Agricultura, controlado pelos ruralistas e sob o abrigo do qual está a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, chefiada pelo pecuarista Nabhan Garcia, um antigo adversário do MST .

Ministra ruralista

A ministra Tereza Cristina (Agricultura) e o próprio presidente do Incra, Geraldo José da Camara Ferreira de Melo Filho, são ruralistas.

A Constituição determina, em seu artigo 184, que compete à União “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização”.

Em artigo publicado em julho, a Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi)  afirma que neste ano a autarquia completou 50 anos “em um dos piores momentos de sua história, com enorme retração de seu orçamento, abandono das ações de democratização de acesso à terra e um terço dos servidores que tinha na sua fundação”.

Posseiros

De acordo com a entidade, os atuais gestores atuam unicamente na entrega de títulos de propriedade a assentados da reforma agrária e a posseiros que ocupam terras da União, “com destaque para áreas da Amazônia Legal”.

“O orçamento proposto é para liquidar, para acabar com qualquer perspectiva de reforma agrária no Brasil, para acabar com a instituição Incra. A sociedade e os movimentos sociais do campo têm que fazer uma reação grande agora. E nós, do Parlamento, vamos ter brigar muito”, afirmou o deputado federal Beto Faro (PT-PA) à Folha de SP sobre o caso.

Falta de orçamento

O sociólogo e professor da UnB (Universidade de Brasília) Sérgio Sauer, tambe´mke para a folha, chama a atenção para notícias de que, mesmo no caso de terras já desapropriadas, o Incra estaria desistindo dos processos de assentamento sob a alegação de falta de orçamento.

Para ele, a situação tende a agravar a pobreza no campo, a desigualdade e os conflitos.

“O Incra está completamente paralisado. Antes tinha uma ouvidoria agrária que, de alguma foram, mediava alguns casos de conflito no campo. Agora, está proibido, por regras internas, de fazer essa mediação, então o cenário é de agravamento, como aconteceu recentemente em Minas.”

Sauer se refere a uma ação de reintegração de posse em agosto que resultou em tensão e feridos em uma área invadida por um grupo do MST, em Campo do Meio (MG).

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