Bolsonaro e seus seguidores tentam se apropriar da Coronavac
Foto: Governo do Estado de São Paulo/Divulgação
A tentativa de capturar a iniciativa, a exemplo de uma postagem feita pelo senador Flávio Bolsonaro é uma das hipóteses. O filho do presidente foi logo afirmando nas redes sociais que não foi o governador de São Paulo, mas o governo federal quem bancou vacina do Butantan, chamada por meses pelos Bolsonaro e seus seguidores de “Vachina do Doria”. A tentativa de apropriação do protagonismo em relação à Coronavac foi repetida pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e rebatida pelo governador paulista. Acusado pelo general de transformar a vacinação em “golpe de marketing”, Dória devolveu: “o governo federal faz golpe de morte”. Por outro lado, a mais sombria projeção sobre a reação do governo a essa derrota é uma aposta de Jair Bolsonaro no colapso da vacinação.
Com um “então está liberada a aplicação no Brasil. E a vacina é do Brasil, não é de nenhum governador não, é do Brasil”, o presidente Jair Bolsonaro se manifestou em conversa com apoiadores à frente do Palácio da Alvorada pela primeira vez na manhã desta segunda-feira, 18, sobre a liberação da Coronavac, a vacina contra a covid-19 produzida pelo Instituto Butantan. Até então, o mandatário permanecia em silêncio e desapareceu de suas redes sociais diante do que grande parte da imprensa e formadores de opinião classificaram como uma derrota política no embate que travava com o governador de São Paulo, João Dória (PSDB). Uma questão, no entanto, surgiu nesse meio tempo: qual rumo tomará o ex-capitão do Exército que está à frente da presidência da República?
Uma coisa é perceptível e está presente em grande parte das análises. As redes de apoio ao presidente estudam qual narrativa deve ser dada diante da primazia do governador paulista que, minutos após a liberação do uso emergencial de duas vacinas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), vacinou a primeira pessoa no território nacional, a enfermeira Mônica Calazans, plantonista do hospital paulista Emílio Ribas, referência em infectologia e covid-19 – que imediatamente passou a ser alvo de fake news das milícias bolsonaristas.
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Para o pós-doutor em Antropologia Social e pesquisador do Núcleo de Antropologia Simétrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NAnSi-UFRJ), Orlando Fernandes Calheiros Costa, “eles (redes de apoio do presidente) sentiram e não foi pouco. Bolsonaro tá calado, o ZAP tá movimentado, porém desarticulado, parece que estão testando narrativas para ver qual ganha tração”, analisa.
Leonardo Rossatto Queiroz, cientista social, especialista em Políticas Públicas e mestre em Planejamento e Gestão do Território segue a mesma linha. “O Brasil teve auxílio emergencial apesar do Bolsonaro. O Brasil está começando a ter vacina apesar do Bolsonaro. A gente não pode deixar ele sequestrar a narrativa de novo. Bolsonaro está atrapalhando o país em tudo. E vai tentar usar a máquina de fake news de novo”, adverte. Queiroz lembra que Bolsonaro aproveitou a aprovação do Auxílio Emergencial pelo Congresso bem acima dos valores propostos pelo governo para manter sua popularidade estável.
Única opção e cenário pessimista
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O certo é que, atacada publicamente por Bolsonaro desde o início dos trabalhos do Butantan por causa da origem chinesa, a vacina do consórcio da fundação do governo do estado de São Paulo com a farmacêutica Sinovac, até o momento, é a única opção para o Brasil começar a imunizar sua população. A Annvisa autorizou o uso emergencial de 6 milhões de doses da CoronaVac e 2 milhões da vacina de Oxford, mas esta nem chegou ao país ainda.
O médico e advogado Daniel de Araujo Dourado entende que Dória fez o que qualquer político minimamente racional faria: ganhar capital político apoiando vacina numa epidemia. Foi, segundo Dourado, que é pesquisador associado do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (Nap-Disa/USP), “a solução mais óbvia e acertada. Outros governadores, se tivessem um Butantan nos seus estados, teriam feito o mesmo. Bolsonaro não, ele quer que morram mesmo”, afirma.
Foto: Arquivo Pessoal
Esse cenário pessimista é o que vislumbra o historiador Luiz Antonio Simas. “O tormento que preside o Brasil vai investir tudo no fracasso da vacinação”. Para Simas, a tendência, será o seguimento do que chama ‘receita do fascismo’: “quanto mais evidente o fracasso, maior a radicalização, a violência desmedida. O ímpeto do fascismo, quando acuado, é destruir tudo”.