POLÍTICA

Médicos e cientistas protocolam 69º pedido de impeachment contra Bolsonaro

Presidente cometeu crimes de responsabilidade ao atentar contra o direito à vida e à saúde e de improbidade por ações incompatíveis com a dignidade do cargo, aponta documento
Por Gilson Camargo / Publicado em 8 de fevereiro de 2021
“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, reagiu Bolsonaro ao ser questionado por jornalistas na noite de 28 de abril de 2020 sobre a morte de 474 pessoas em um único dia

Foto: Jornal da Globo/ Reprodução

“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, reagiu Bolsonaro ao ser questionado por jornalistas na noite de 28 de abril de 2020 sobre a morte de 474 pessoas em um único dia

Foto: Jornal da Globo/ Reprodução

O 69º pedido de abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi protocolado nesta segunda-feira, 8, na Secretaria da Câmara dos Deputados.

O requerimento é assinado por um grupo de médicos e cientistas que acusa Bolsonaro por crimes de responsabilidade e improbidade administrativa na condução do país frente à pandemia de covid-19.

A prerrogativa de abertura de processo de impeachment é do presidente da Câmara dos Deputados. Esse é o primeiro pedido de impeachment protocolado na gestão do deputado Arthur Lira (PP-AL), eleito para a presidência da Casa com apoio de Bolsonaro. Os demais foram apresentados a Rodrigo Maia (Dem-RJ), que deixou o cargo no final de janeiro sem apreciar nenhum requerimento.

Os crimes de responsabilidade de atentar contra o direito fundamental à vida e à saúde pública e individual dos brasileiros elencados pelos médicos e cientistas que assinam o novo pedido de impeachment são tipificados no artigo 85, III da Constituição e artigo 7.9 da Lei 1079 de 1950. Já o crime de improbidade administrativa, que ocorre quando a autoridade pública age de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro que o cargo exige é previsto no artigo 85, V, da Constituição e artigo 9.7 da Lei 1079 de 1950.

Quem assina

José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde

Foto: Ministério da Saúde/ Arquivo

José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde

Foto: Ministério da Saúde/ Arquivo

O documento é assinado por Daniel de Araújo Dourado, médico, advogado e pesquisador Associado do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP; Eloan dos Santos Pinheiro, ex-diretora da Far-Manguinhos (Fiocruz); Gonzalo Vecina Neto, médico, professor de saúde pública da USP e ex-presidente da Anvisa; o ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão; Ethel Leonor Noia Maciel, pesquisadora de saúde coletiva, com ênfase em Epidemiologia; Reinaldo Ayer de Oliveira, médico e conselheiro do Cremesp; Ricardo Oliva, médico sanitarista; e Ubiratan de Paula Santos, pneumologista do InCor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Achincalhando a dignidade e a honra do cargo

“Sem prejuízo de outros crimes de responsabilidade cometidos ao longo de seu mandato presidencial, (…) abusou dos poderes constitucionais e políticos inerentes a seu cargo para, em prejuízo da saúde da população brasileira, obter vantagens políticas para si em meio à pandemia de covid-19. Com isso, prejudicou de maneira patente a saúde dos brasileiros, minou relações federativas indispensáveis em uma emergência sanitária e achincalhou de modo indelével a dignidade e a honra do cargo de Presidente da República, por sua reiterada quebra de decoro”, afirmam.

Reinaldo Ayer de Oliveira, médico e conselheiro do Cremesp

Foto: Alesp/Divulgação

Reinaldo Ayer de Oliveira, médico e conselheiro do Cremesp

Foto: Alesp/Divulgação

O pedido relaciona uma série de declarações públicas e ações de Bolsonaro desde março de 2020, início da disseminação do novo coronavírus pelo país, até o dia 20 de janeiro deste ano.

Aponta ainda as ações e omissões do presidente diante da crise sanitária. “Sob sua orientação, o Ministério da Saúde deixou de tomar as ações necessárias para salvar a população brasileira, dirigidas por consensos epidemiológicos e científicos, para atender aos interesses políticos pessoais”.

Para os autores, o presidente usou da autoridade, prestígio e visibilidade inerentes ao cargo “para disseminar desinformação, exortar o descumprimento de medidas sanitárias e disseminar a ilusão de ‘tratamentos precoces’, levando seu povo a arriscar sua saúde diante de um vírus letal”.

Além de ter negado a gravidade da pandemia de covid-19 e aderido a um negacionismo científico incompatível com a respeitável tradição sanitarista do Brasil, acusam, Bolsonaro “positivamente agiu para tornar menos eficaz as respostas do governo federal necessárias à preservação da vida e da saúde dos brasileiros”.

“Não sou coveiro”

Frases como “Se você tomar vacina e virar jacaré, é um problema de você, pô.”; “Pelo Supremo Tribunal Federal, eu tinha que estar na praia, tomando uma cerveja”; “Não sou coveiro, tá?”; e “E daí?”, ditas pelo presidente durante coletivas e aparições para seguidores no cercadinho em frente ao Palácio da Alvorada durante esse período são enunciadas no documento. O requerimento destaca ainda declarações de Bolsonaro contrárias às medidas de isolamento social e as inúmeras afirmações dele minimizando a pandemia.

Gonzalo Vecina Neto, médico, professor de saúde pública da USP e ex-presidente da Anvisa

Foto: Divulgação

Gonzalo Vecina Neto, médico, professor de saúde pública da USP e ex-presidente da Anvisa

Foto: Divulgação

Para os médicos e cientistas signatários do pedido de impeachment, o presidente “usou seus poderes legais e sua força política para desacreditar medidas sanitárias de eficácia comprovada e desorientar a população cuja saúde deveria proteger”. O negacionismo de Bolsonaro, afirmam, tem custado vidas de brasileiros.

“O Sr. Jair Messias Bolsonaro insistiu em arrastar a credibilidade da Presidência da República (e, consequentemente, do Brasil) a um precipício negacionista que implicou (e vem implicando) perda de vidas e prejuízos incomensuráveis, da saúde à economia”, diz um trecho do documento.

Para os autores da ação, as ações do presidente seguem causando prejuízo imediato à saúde da população brasileira e à reputação sanitária e política do país, bem como aos interesses humanos e econômicos dos brasileiros. “Os esforços de outras instituições, notadamente o Congresso Nacional, o Poder Judiciário e os Executivos estaduais e municipais, têm sido incapazes de suprir a ausência de liderança política e epidemiológica que o governo federal deveria assumir, bem como de coibir os crimes de responsabilidade que reiteradamente foram praticados”, argumentam.

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