Eu converso com todo mundo, diz Lula
Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação
Em uma forte e longa coletiva o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou no final dessa manhã, 10, pela primeira vez após ter suas condenações pelo ex-juiz Sérgio Moro anuladas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. Apesar de afirmar que sabe que foi “vítima da maior mentira jurídica contada” na história do Brasil, Lula diz não guardar mágoas. Pelo contrário. “Vou trabalhar os próximos anos para arrumarmos uma solução para o Brasil”, declarou.
Emocionado, o ex-presidente informou que, na realidade, é um homem que se sente um privilegiado diante do que tem acontecido no país. “A Marisa (sua esposa) morreu de AVC pela pressão que foi feita para me condenar; fui proibido de ver um irmão dentro de um caixão, mas sei que o que o povo brasileiro, os pobres, estão passando por dificuldades infinitamente superiores a minha”.
Rede de solidariedade
Antes, Lula fez questão de registrar a rede de solidariedade que recebeu durante o período de sua prisão. Iniciou por dois argentinos. O atual presidente daquele país, Alberto Fernadéz, pela “coragem de ir me visitar quando candidato” e o Papa Francisco que não só lhe enviou uma carta para seu cárcere na sede da Polícia Federal de Curitiba mas também lhe recebeu recentemente no Vaticano. “Lá nós tivemos uma longa conversa, não sobre o meu caso, mas sobre a desigualdade que paira sobre a terra. Que é redonda, mas que o Bolsonaro não sabe”, alfinetou.
Os agradecimentos chegaram quase a uma hora. E foram para intelectuais do porte de um Noam Chomsky a expoentes da Música Popular Brasileira como Chico Buarque e Martinho da Vila.
Em especial, Lula falou do acampamento que se colocou nas cercanias da PF de Curitiba e permaneceu durante os seus 580 dias de prisão. “Era gente todos os dias gritando bom dia, presidente Lula; boa tarde, presidente Lula; Boa noite, presidente Lula”, lembra.
Imprensa
Mesmo afirmando não ter mágoas, Lula não poupou a Força Tarefa da Lava Jato comandada por Deltan Dallagnol e Sergio Moro. Em especial, no entanto, fez uma forte crítica à imprensa.
“Nunca exigiram veracidade, provas, do que se dizia sobre mim”, registra. Para ele, hoje, mesmo com a validação de um perito e com a autorização do STF, não se fala dos graves diálogos e áudios que estão servindo para sustentar a suspeição de Moro e o conluio que foi construído para a sua condenação.
Apesar disso, Lula falou que ontem, 9, “assistimos a um Jornal Nacional ético. Quem assistiu, inclusive nem acreditou”. O ex-presidente também destacou a importância de uma imprensa livre e independente e do trabalho dos jornalistas para a democracia.
Situação do Brasil e milicianos
Em dado momento o ex-presidente disse: “quem precisa de mais armas são as forças armadas e as polícias, e não o cidadão comum e muito menos as milícias, porque as milícias só fazem aterrorizar as populações das periferias, principalmente se forem, jovens, pobres, negros e negras”.
“O Brasil não é de Bolsonaro nem de dos milicianos. É dos brasileiros”. Assim, o ex-presidente deixou claro que vai se empenhar para mudar a atual política nacional.
Para Lula, o país não merece estar passando o que está passando. “Semana que vem eu vou tomar a minha vacina e quero fazer propaganda! Não sigam nenhuma opinião imbecil do presidente da República e do ministro da Saúde”, aconselhou.
As críticas, no entanto, não ficaram na gestão da pandemia. Para Lula, o Brasil “não tem ministro da Saúde, não tem ministro da Educação, não tem ministro da Economia, não tem presidente. Tem um fanfarrão”.
Polarização
Lula ainda disse que acredita que estão querendo artificializar uma radicalização. Que por ter se tornado elegível o país volta a ser polarizado. “O PT polariza desde 1989”, diz. E fez questão ao lembrar que desde essa época seu partido é protagonista nas eleições presidenciais. Venceu quatro vezes e saiu da presidência por o que definiu como um golpe que atendeu a interesses internos e de fora do país.
“Quando é que vamos acordar e deixar de pedir permissão aos Estados Unidos?”, ironizou.
Para Lula, quem radicalizou foram os que trabalharam para a derrubada de Dilma e a perda dos seus direitos políticos que o impediu de disputar as eleições em 2018. “Foi muita mentira, foi muito ódio. Deu no que deu. Deu um Bolsonaro”. Uma pessoa que Lula categoricamente afirma: “A vida inteira não foi nada e conseguiu passar para a sociedade que após 30 anos de deputado sem fazer nada, que não era político”.
“Não tenham medo de mim”, falou. O ex-presidente afirmou que é radical porque quer ir as raízes dos problemas nacionais. “Eu sou radical porque quero um mundo mais humano, onde não tenham balas perdidas; um mundo onde as pessoas sejam felizes”.
Militares e mercado
Questionado sobre a recente nota do Clube Militar que sugere uma intervenção devido a decisão judicial que lhe deu novamente os direitos políticos, Lula diz que não leva a sério a opinião.
Para ele, muito mais grave foi o Twitter do general Eduardo Villas Boas que, quando comandante do exército no governo Dilma, teria feito uma ameaça velada ao STF caso um habeas Corpus lhe restituísse a possibilidade de concorrer. “Se eu fosse presidente, seria exonerado na hora”.
Lula diz que tem profundo respeito pelas instituições militares e que investiu muito nelas. Mas, para ele, militar serve para defender a soberania do país, não para se intrometer na política.
Sobre sua rejeição junto ao mercado, o petista diz: “Quando se fala de mercado, eu não sei de quem está se falando”.
Para Lula, forças do mercado conviveram com governos petistas durante praticamente quatro mandatos. Em sua opinião, sempre ficou claro que a defesa do partido não era a de um estado empresarial, mas um estado indutor da economia.
“Se o mercado quiser ganhar dinheiro desenvolvendo o país, produzindo, não tenham medo de mim. Se o mercado quiser que eu libere armas, não vote em mim porque eu vou distribuir livros. Se o mercado quer lucrar sobre as custas do povo, também não vote em mim”, afirmou ao deixar escapar a única vez a sua disposição explícita de concorrer à presidência da República em 2022.