Senadores acusam Pazuello de mentir à CPI da Covid
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
Apesar de fortes apelos de senadores integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, se manteve firme na sua posição de assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas durante a pandemia, blindando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Senadores deverão encaminhar testemunho ao Ministério Público Federal de Brasília (MPF-DF). Um serviço de checagem de dados para disponibilizar possíveis mentiras de forma on-line à CPI também foi solicitado.
Nesta quinta-feira, 20, na continuidade de seu depoimento à comissão o general do Exército brasileiro ouviu impassível que suas declarações dadas na quarta-feira, 19, na oitiva realizada pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) eram contraditórias e muitas vezes mentirosas. Mesmo confrontado com dados que o desmentiam, o militar permaneceu firme nas suas posições.
Habeas Corpus e efeito Bolsonaro
Diante da postura, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) pediu que – da mesma forma realizada com o testemunho do ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, os autos de Pazuello sejam encaminhadas ao MPF-DF.
Doutor em Saúde Pública, Carvalho entende que o resultado da crise sanitária no Brasil é resultado do que ele chama de efeito Bolsonaro.
“O senhor não agiu como um general, que lidera. O senhor agiu como um ajudante de ordens do presidente da República”, disse.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Em uma fala emocionada, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou: “O senhor veio aqui com um habeas corpus não para evitar se incriminar, mas para poder mentir sem medo”, acusou.
No decorrer dos trabalhos, o relator Calheiros apontou que em uma primeira amostragem das contradições do ex-ministro registrou 14 mentiras flagrantes.
Para evitar que isso ocorra novamente, ele pediu ao presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), a contratação de um serviço de checagem de informações para subsidiar os trabalhos da CPI de forma on-line.
Julgamento de Eichmann
Em um momento pesado na sessão, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) comparou a atuação de Pazuello à de Adolf Eichmann, chefe da Seção de Assuntos Judeus no Departamento de Segurança de Hitler na Alemanha nazista e um dos principais agentes do holocausto. Eichmann foi julgado e enforcado em Israel em 1962 por crimes contra o povo judeu.
Vieira leu uma análise histórica do julgamento: “Analisado o cidadão, se dizia que ele não possuía histórico ou traços preconceituosos. Não apresentava características de um caráter distorcido doentio. Agiu no que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens de superiores e movido em se ascender em sua carreira profissional. Cumpria ordens sem questioná-las, com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre o bem ou mal que pudessem causar”.
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Vislumbrando um início de tumulto, o presidente Aziz tirou dos autos a menção.
Mas o mesmo Aziz que amenizou essa situação foi quem ironizou a resposta de Pazuello sobre o aplicativo TrateCOV que sugere a prescrição de hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina após diagnóstico de covid-19. O general afirmou que se tratava de um projeto piloto e que foi hackeado e tornado público.
“Que hacker bom esse, que inclusive divulgou o aplicativo na TV Brasil”, disse Aziz, apontando mais uma contradição no depoimento.
Flexibilização e constrangimentos
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
Raros foram os momentos de flexibilização do general. Um deles foi ao responder à senadora Leila Barros (PSB-DF). Indagado pela parlamentar se ele seria o único ou principal responsável pelo desastre sanitário, respondeu: “É claro que não, não estou dizendo que sou o único responsável. Todos os gestores são responsáveis, cada um no seu nível de responsabilidade. Se a senhora perguntar, ‘há responsabilidade em todos os níveis?’, claro que há, cada um em seu nível”, afirmou.
O general chegou a dizer que discorda do presidente Bolsonaro em algumas questões e que não comprou “nenhuma grama de hidroxicloroquina”.
Antes, Pazuello já tinha imputado culpa ao governo do Amazonas sobre a crise do oxigênio em Manaus. Ele foi questionado por que, então, o governo federal não determinou uma intervenção no estado. Pazuello respondeu que essa hipótese chegou a ser discutida internamente, mas que Bolsonaro foi contra. Como já havia afirmado durante o depoimento de quarta-feira, Omar Aziz voltou a acusar o governo de terem usado o Amazonas como “cobaia” para a tese de “imunidade de rebanho”.
Mas o momento de maior constrangimento de Pazuello foi nas perguntas do senador Otto Alencar (PSD-BA).
Médico, Alencar iniciou dizendo ter ficado animado com uma afirmação de Pazuello, na quarta-feira, de que queria perguntas “mais profundas” sobre a covid-19. Fez, então, uma série de perguntas básicas sobre a enfermidade, lembrando que ao passar pela Secretaria de Comércio e Indústria de seu estado uma vez, fez um curso rápido para entender questões como política de fomento, entre outras questões da pasta.
O general não conseguiu responder nenhuma pergunta formulada pelo senador baiano, disse que não fez curso e buscou dizer que era gestor, não médico.
Alencar, então, fulminou: “O senhor não sabe nem o que é a doença, não sabe nada da doença, não podia ser Ministro da Saúde, pode ter certeza absoluta. Eu, no seu lugar não aceitaria”, disse. O senador ainda lembrou que José Serra (PSDB-SP), mesmo não sendo médico, hoje ainda continua sabendo muito sobre questões de saúde.
Tropa de choque tímida
Foto: Marcos Oliveira/Agencia Senado
Apesar de um início de tumulto, quando o senador Marcos Rogério (DEM-RO) apresentou uma série de vídeos em que governadores oposicionistas chegaram a falar da possibilidade da utilização da cloroquina, no geral os senadores que apoiam Bolsonaro na CPI tiveram uma presença praticamente inexpressiva.
Até mesmo o filho 01 do mandatário, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que costuma fazer provocações e xingar a mesa da CPI, pouco se manifestou. Somente marcou posição ao desafiar que a CPI convocasse para depor o pastor Silas Malafaia, conselheiro diário do presidente da República. “Quero ver se você vai ter coragem”, disse em provocação ao relator Calheiros.
Após os vídeos apresentados por Marcos Rogério terem sido contextualizados no período inicial da pandemia, quando o medicamento estava sendo visto como uma possibilidade terapêutica, a senadora Zenaide Maia (PROS-RN) em sua fala disse sentir uma insistência de querer legalizar a cloroquina.
Também médica, Zenaide relembrou que dois ministros da Saúde saíram do cargo por não concordar com a insistência de Bolsonaro de intensificar o uso do medicamento.
“O senhor vai querer continuar assumindo todas as responsabilidades? O senhor disse que ia comprar a Coronavac e o presidente o desautorizou. Assim, temos que colocar um letreiro bem grande para que todos possam ver: O que o presidente diz nas redes sociais não pode ser levado à sério”, protestou a senadora potiguar, antes de concluir: “É grave e o povo brasileiro não vai aceitar isso”.