Irmãos Miranda podem complicar Bolsonaro na CPI da Pandemia
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A CPI da Pandemia ouvirá na tarde desta sexta-feira, 25, os depoimentos de Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde, e de seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (Dem-DF), que denunciaram suspeita de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin pelo governo federal.
Luis Ricardo Miranda é chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde. Ele relatou ao Ministério Público Federal (MPF) e à imprensa ter recebido pressões para acelerar o processo de compra da Covaxin, da empresa indiana Bharat Biotech.
A negociação está sob suspeita em razão do valor unitário das vacinas, considerado elevado, em torno de R$ 80,00 e da participação de uma empresa intermediária, a Precisa Medicamentos. O servidor afirma ter alertado o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre as suspeitas. O governo nega qualquer irregularidade e deflagrou uma série de represálias e ameaças ao servidor.
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Na quarta-feira, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, qualificou a denúncia como “caluniosa”, alegou que o documento apresentado pelo servidor que comprova o superfaturamento seria falso e ameaçou investigar a testemunha por meio da Controladoria-Geral da União. Na quinta-feira, 24, a própria empresa envolvida no caso da Covaxin confirmou a veracidade dos documentos.
O requerimento convocando os irmãos Miranda para depor na CPI foi do relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL). Renan e o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), relataram preocupação com a segurança dos depoentes. Aziz solicitou à Polícia Federal proteção para os irmãos. Em pronunciamento na quarta-feira Lorenzoni anunciou um processo administrativo disciplinar contra o servidor e fez ameaças ao deputado: “Deus está vendo. Mas o senhor não vai só se entender com Deus, vai se entender com a gente também” atacou Onyx, que no início de maio foi designado pelo Planalto como coordenador do grupo governista na CPI.
Para o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Onyx pode ter cometido crime previsto na Lei 1.579, de 1952, que regula o funcionamento das comissões parlamentares de inquérito – especificamente o inciso I do artigo 4º: “Impedir, ou tentar impedir, mediante violência, ameaça ou assuadas, o regular funcionamento de comissão parlamentar de inquérito, ou o livre exercício das atribuições de qualquer dos seus membros”.
Ameaças a testemunhas
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A tropa de choque governista na CPI tenta relativizar as denúncias e defende o ex-deputado gaúcho. O senador Marcos do Val (Podemos-ES) defendeu Onyx, alegando não ter visto ataque específico à CPI. “Eu não vi em momento nenhum ele ameaçando ou insinuando algo sobre a CPI. Cabe ao Luis Miranda buscar a Justiça para fazer o que é justo, mas não usar a CPI para ser intermediário”. Jorginho Mello (PL-SC) saiu em defesa de Bolsonaro. “Não foi adquirido nada, não foi pago um real. Assim que soube [das suspeitas], o presidente da República determinou ao ministro [Eduardo] Pazuello que verificasse. Como não tinha nada de errado, a coisa continuou”.
À imprensa, o deputado federal Luis Miranda (DEM-
DF) foi ao ataque nas horas que antecedem o seu depoimento à CPI. Ele pediu que Bolsonaro “diga a verdade” sobre a compra da vacina Covaxin e reafirma que havia alertado o presidente sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo a compra do imunizante.
Nas redes sociais, o ex-aliado do presidente cobrou fidelidade: “você fala tanto em Deus e permite que eu e meu irmão sejamos atacados por tentarmos ajudar o seu governo, denunciando para o Senhor indícios de corrupção em um contrato do @minsaude! Sempre te defendi e essa é a recompensa? Diga a verdade PR @jairbolsonaro”, escreveu o parlamentar em uma mensagem no twitter. Miranda completa a postagem, pedindo que Bolsonaro reconheça “que de fato estivemos com o Senhor dia 20/03 e denunciamos uma irregularidade na aquisição da Covaxin e que o Senhor deu o devido tratamento ao caso, conforme informou que o DG da PF receberia os documentos ainda no dia 20/03”.
Em entrevista ao colunista Guilherme Amado, do Metrópoles, afirma que se sente ameaçado: “O Onyx incentiva o ódio e a violência. Imagina um cara maluco armado dando um tiro em você. Onyx criou um ambiente muito negativo, muito ruim. Realmente eu fico temeroso”. Miranda disse que vai apontar na CPI “evidências muito fortes de corrupção” na compra da vacina e diz a “versão do governo federal é muito frágil”.
Vacina superfaturada em 1.000%
Documentos do Ministério das Relações Exteriores mostram que o governo comprou a Covaxin por um preço mil por cento superior ao anunciado pela fabricante seis meses antes.
Um telegrama sigiloso da embaixada brasileira em Nova Déli, de agosto de 2020, que foi vazado para a imprensa informava que o imunizante produzido pela Bharat Biotech foi oferecido por 100 rúpias (US$ 1.34) a dose, “menos que uma garrafa de água” de acordo com o comunicado diplomático. Em fevereiro deste ano, no entanto, o Ministério da Saúde pagou US$ 15.00 por unidade (R$ 80,70 à época).
Por esse preço, a Covaxin seria a vacina mais cara entre os seis imunizantes adquiridos até agora pelo Ministério da Saúde. Em nota divulgada na terça-feira, 22, a Precisa Medicamentos, empresa que representa o laboratório indiano Bharat Biotech no Brasil, fabricante da vacina Covaxin, afirma que o preço é o mesmo praticado em outros 13 países: “US$ 16 para os hospitais privados e US$ 5,30 para os governos estaduais”.
Pedro Hallal: 400 mil mortes poderiam ser evitadas
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Ao ser questionado sobre quantas das mais de 500 mil mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas no Brasil, o epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, afirmou em depoimento à CPI na quinta-feira, quatro em cada cinco mortes pela doença no país eram evitáveis caso o governo federal tivesse adotado outra postura, apoiando o uso de máscaras, medidas de distanciamento social, campanhas de orientação e ao mesmo tempo acelerando a aquisição de vacinas.
De acordo com suas estimativas, pelo menos 400 mil pessoas não teriam morrido pela pandemia. “Quatro de cada cinco mortes teriam sido evitadas se estivéssemos na média mundial. Se nós estivéssemos na média, como um aluno que tira nota média na prova, nós teríamos poupado 400 mil vidas no Brasil”, disse Hallal, acompanhado na CPI por Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Grupo Alerta.
Ao final do depoimento, que durou mais de sete horas, o pesquisador da UFPel e a representante da Anistia Internacional afirmaram que o país só vai controlar a pandemia no atual estágio com vacinação de 1,5 milhão de pessoas em média por dia e um lock down de três semanas.
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O cálculo do pesquisador da UFPel sobre quantas mortes poderiam ter sido evitadas leva em consideração que os seguintes dados: 2,7% da população mundial vivem no Brasil, mas o país concentra 13% das mortes. E projeta quantas mortes por covid-19 teriam ocorrido no Brasil se o país tivesse tido um desempenho dentro da média mundial. “Os cientistas não estão 100% certos sempre, estar 100% certo é muito difícil, mas o presidente errou 100% na condução da pandemia, e isso também é muito difícil”.
Somente a demora na aquisição de vacinas e o ritmo lento da imunização resultaram em ao menos 95 mil mortes, calcula. “Nós fizemos uma análise que estimou que especificamente o atraso na compra das vacinas da Pfizer e da CoronaVac resultou em 95,5 mil mortes. E, logo depois, outros pesquisadores analisaram os dados não especificamente dessas vacinas, mas o ritmo da campanha de vacinação que teria sido, caso tivéssemos adquirido [a tempo], e eles estimaram 145 mil mortes especificamente pela falta de aquisição de vacinas tempestivamente pelo governo federal”, relatou Hallal.
Os dados apresentados por ele convergem com levantamentos do Grupo Alerta, formado por entidades da sociedade civil – como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Oxfam Brasil, a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e a Anistia Internacional Brasil. Sem considerar o impacto da vacinação, esse grupo aponta, em outro estudo, que a pandemia provocou, em um ano, 305 mil mortes acima do esperado no Brasil. E que ao menos 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas com medidas não farmacológicas, testagem e rastreamento.
“A gente poderia ainda no primeiro ano de história da pandemia ter salvo 120 mil vidas. E não são números. São pais, são mães, são irmãos, são sobrinhos, são tios, são vizinhos. A gente poderia ter salvo pessoas se uma política efetiva de controle, baseada em ações não farmacológicas, tivesse sido implementada”, ressaltou Jurema Werneck.
O recorte social da pandemia
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A diretora da Anistia Internacional afirmou que o impacto do descaso do governo foi ainda mais severo sobre a população indígena, a população negra e os moradores de favelas e periferias. Com o apoio de professores e pesquisadores de universidades como UFRJ e USP, o Grupo Alerta compilou dados oficiais sobre mortes evitáveis entre a população mais vulnerável.
“As desigualdades estruturais tiveram influência sobre as altas taxas de mortalidade. E quando a gente cruza com diferentes marcadores, a gente vê que a maioria das pessoas que morreram no Brasil eram negras, eram indígenas, eram pessoas de baixa renda e de baixa escolaridade”, destacou.
Um estudo da UFPel coordenado por Hallal, que monitorou as taxas de infecção entre brancos, pardos, negros e indígenas, indica que a infecção foi cinco vezes maior entre as populações indígenas e duas vezes maior entre os negros. Ao responder a um questionamento do senador Rogério Carvalho (PT-SE), Hallal explicou que o levantamento envolveu indígenas não aldeados (que vivem em áreas urbanas).
Censura
Ainda sobre esse estudo, Hallal disse ter sido censurado em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto para apresentação do levantamento, no ano passado. O pesquisador relatou que foi informado pela respectiva assessoria de imprensa, com 15 minutos de antecedência, de que a apresentação teria um slide (sobre a diferença da covid-19 entre os grupos étnicos) removido. “O slide foi retirado da apresentação e eu fui comunicado 15 minutos antes. E, logo depois, pouco tempo depois, o Ministério da Saúde decidiu interromper o monitoramento por meio do Epicovid, sem qualquer justificativa técnica”.
Segundo o epidemiologista, o levantamento Epicovid foi realizado em três fases, entre os meses de maio e junho de 2020, até ser descontinuado pelo Ministério da Saúde. Ele disse que o projeto custou R$ 12 milhões – e que R$1 milhão foi devolvido porque não foi utilizado.
Só neste ano, de acordo com Hallal, um novo projeto para monitoramento da covid-19 foi lançado pelo governo, o estudo chamado PrevCov, com custo de R$ 200 milhões. “Não tenho nenhuma dúvida de dizer que os resultados mostrando a diferença entre as populações de outras etnias e os indígenas foi o estopim para a motivação de descontinuidade do estudo”, afirmou Hallal.