POLÍTICA

Nise Yamaguchi irrita senadores ao depor na CPI da Covid-19

Médica que foi cogitada para o ministério da Saúde fez a defesa da cloroquina, da imunidade de rebanho e negou a existência de uma assessoria paralela que fazia pressão por tratamento precoce
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 1 de junho de 2021
Pressionada várias vezes pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), e por outros senadores, a médica negou adulteração de bula da cloroquina e alegou que a reunião foi para tratar da Resolução 348, da Anvisa, sobre novas indicações terapêuticas

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Pressionada várias vezes pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), e por outros senadores, a médica negou adulteração de bula da cloroquina e alegou que a reunião foi para tratar da Resolução 348, da Anvisa, sobre novas indicações terapêuticas

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Em seu depoimento nesta terça-feira, 1º Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, a oncologista e imunologista Nise Yamaguchi provocou irritação nos senadores por falta de objetividade, respostas dúbias e extensas aos questionamentos feitos pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL). Apontada diretamente pelo ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM-MS) e indiretamente pelo diretor presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antonio Barra Torres, como integrante de uma espécie de gabinete paralelo da Saúde que orientava o presidente Jair Bolsonaro, a médica afirmou desconhecer a existência de uma assessoria paralela.

Funcionária do Hospital Israelita Albert Einstein, Nise Yamaguchi, de 62 anos, foi convocada pela CPI depois de ter sido citada em outros depoimentos.

Ela é uma das principais defensoras da cloroquina e derivados, como a hidroxicloroquina. O uso do medicamento no tratamento à covid-19 é vetado por pesquisas que demonstram a ineficácia do fármaco que serve para tratar lúpus, malária e artrite reumatoide.

Além de não surtir efeito contra a covid-19, o medicamento oferece risco de vida a pacientes com cardiopatias, por exemplo. Nise afirmou que discorda da comunidade científica. Ela afirma que já tratou muitos pacientes com esses remédios e sustenta que as pesquisas que comprovam a ineficácia estariam erradas.

A médica foi cogitada para o cargo de ministra da Saúde por duas vezes, após a demissão de Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, e em maio, quando Nelson Teich deixou o ministério depois de 29 dias de gestão. Ela nega ter sido indicada.

Contradições e acareação

"Eu já tinha a informação prévia e ele me falou, em uma reunião, que existia. Foi no momento inicial, e eu expliquei que precisávamos de dados científicos. Por isso, eu falaria com o Conselho Federal de Medicina para validar a possibilidade de receber o medicamento e do médico de prescrever", explicou a médica, referindo-se a Bolsonaro, ao ser questionada sobre tratamento precoce

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

“Eu já tinha a informação prévia e ele me falou, em uma reunião, que existia. Foi no momento inicial, e eu expliquei que precisávamos de dados científicos. Por isso, eu falaria com o Conselho Federal de Medicina para validar a possibilidade de receber o medicamento e do médico de prescrever”, explicou a médica, referindo-se a Bolsonaro, ao ser questionada sobre tratamento precoce

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

O ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, em seu depoimento também informou a existência de um grupo paralelo que agia contra as orientações do ministério e também relatou que entendia haver a estrutura negada pela médica. Nise seria uma das principais referências de Bolsonaro para impor o chamado tratamento precoce.

Em um dos momentos mais tensos da oitiva, Nise negou que na reunião realizada no dia 6 de abril de 2020 fora apresentada ao diretor presidente da Anvisa uma minuta que visava alterar a bula da cloroquina por decreto, incluindo a administração do medicamento para casos de covid-19. “Então o presidente da Anvisa mentiu?”, questionou o relator.

Mantendo sua posição, Nise disse que, na ocasião, a discussão se tratava tão somente de disponibilização de medicamentos. Entendendo que a resposta foi dúbia, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSC-AM) foi direto. Disse que, diante do que considera uma afirmação grave, era fundamental uma acareação da médica com o dirigente da Anvisa.

Constrangimento

Respondendo aos senadores, a médica confirmou que falou com o Bolsonaro sobre a cloroquina. “Eu já tinha a informação prévia e ele me falou, em uma reunião, que existia. Foi no momento inicial, e eu expliquei que precisávamos de dados científicos. Por isso, eu falaria com o Conselho Federal de Medicina para validar a possibilidade de receber o medicamento e do médico de prescrever”, explicou.

Ela admitiu ter interagido com o bilionário Carlos Wizard, um dos empresários que fez lobby para furar a fila da vacinação, e com o então assessor especial da presidência, Arthur Wentraub, encarregado por Bolsonaro de estudar a questão cloroquina e que está na lista dos convocados a depor na CPI, ainda sem data definida.

A médica ainda protagonizou momentos constrangedores ao não saber responder a perguntas do médico e senador Otto Alencar (PSC-BA) sobre a história da covid. Alencar questionou se ela sabia diferenciar um vírus de um protozoário e se indignou com a resposta pouco objetiva de Nise. “A senhora não é infectologista, se transformou de uma hora pra outra. A senhora brincou com a saúde do povo brasileiro”, reagiu indignado.

Alencar foi além: “A senhora não sabe nada de infectologia, nem estudou, doutora. A senhora foi aleatória mesmo, superficial. A senhora não podia de jeito nenhum estar debatendo um assunto que não é do seu domínio. Isso não é honesto, doutora”.

“Não acreditem nela”

Aziz afirmou que irá convocar a médica como testemunha e não como convidada: “não vamos fazer propaganda enganosa para a população brasileira. Eu tenho responsabilidade aqui, e a responsabilidade é grande. Não podemos ficar ouvindo que não se pode vacinar aleatoriamente"

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Aziz afirmou que irá convocar a médica como testemunha e não como convidada: “não vamos fazer propaganda enganosa para a população brasileira. Eu tenho responsabilidade aqui, e a responsabilidade é grande. Não podemos ficar ouvindo que não se pode vacinar aleatoriamente”

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

No começo do depoimento, o presidente da CPI afirmou que, depois de ouvir as considerações de um colega sobre o estilo de Nise, acreditava que a médica seria sincera nas suas declarações.

No andamento dos trabalhos, no entanto, Aziz se mostrou impaciente e irritado com as respostas da imunologista a questionamentos da mesa.

“Retiro tudo o que disse”, afirmou o presidente da CPI quando Nise disse que não havia a necessidade de uma vacinação de forma aleatória. “A sua forma calma de falar dá a impressão de que está falando a verdade e não está. A senhora está pregando aqui. A senhora vai ser convocada a depor e não mais ser convidada”, ameaçou. Aziz ainda fulminou: “Quem está nos vendo no momento, não acreditem nela! Tem que vacinar. Tratamento precoce não existe”.

Imunidade de Rebanho

Nise, confrontada com vídeos apresentados durante seu depoimento, buscou relativizar sua opinião passada sobre a tese da imunidade de rebanho. “A Imunidade de Rebanho é um fato. Ela existe. Mas não era possível prever as mutações do vírus”, desconversou. Também disse que sempre considerou a vacinação como parte da tese da imunidade de rebanho – uma concepção de enfrentamento da pandemia rejeitada pela comunidade científica dada a mortalidade da covid-19 e que consiste na exposição criminosa da população ao vírus.

Também médico e com uma participação muito ativa na CPI, o senador Otto Alencar ironizou: “Com a tese da doutora Nise ia faltar rebanho”.

Alencar, foi outro que manifestou publicamente sua irritação com as respostas dadas por Nise. “A senhora não está aqui para dar uma aula. Seja objetiva”, repreendeu.

Copa América

Antes de iniciar o depoimento desta terça-feira, o presidente e outros membros da CPI criticaram a possibilidade de o Brasil sediar Copa América, conforme anunciado na segunda-feira, 31, pelo governo Bolsonaro.

Aziz disse que em um primeiro momento não teria visto problemas, já que o Brasil tem realizado em paralelo mais de um campeonato nos estádios do país. “Mas depois fui raciocinar e vi que é sem lógica fazer um evento internacional nesse momento. Não temos o que comemorar. Temos o que lamentar”, disse.

Humberto Costa (PT-PE) registrou que seu partido está movendo uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender as tratativas para viabilizar a competição no Brasil.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ainda na segunda-feira, chegou a aventar a possibilidade de convocação do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo.

A posição foi questionada hoje pelo governista Marcos Rogério (DEM-RO). O senador que integra a tropa de choque de Bolsonaro na CPI entende que a comissão não pode convocar o dirigente da CBF porque a comissão só teria competência para investigar atos determinados passados.

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