Privatização da Eletrobras pode gerar aumento de tarifas e racionamento de energia
Foto: Beto Hacker/ Agência Senado
O Plenário do Senado recebeu nesta quarta-feira, 16, o relatório do senador Marcos Rogério (DEM-RO) sobre a medida provisória que trata da desestatização da Eletrobras (MP 1.031/2021). O texto, que está a menos de uma semana de perder a validade, enfrenta resistências da maioria das bancadas.
Como o relatório só chegou às mãos dos senadores no fim da tarde, a votação foi adiada para esta quinta. Se o Plenário aprovar a MP com mudanças, ela vai precisar voltar para a Câmara dos Deputados.
Principal alvo da desconfiança dos senadores, acréscimos feitos na Câmara ao texto original da MP foram mantidos por Marcos Rogério. Esses trechos são considerados por muitos senadores como “jabutis” (sem relação direta com o assunto). Sua inclusão é uma das principais críticas do Plenário ao projeto.
Um deles é o dispositivo que obriga o governo federal a contratar, por 15 anos, energia gerada por usinas termelétricas para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O relator adicionou à lista a região do Triângulo Mineiro. Marcos Rogério também manteve pontos que regulam leilões de energia e dispõem sobre obrigações das empresas estatais que precisarão ser criadas para a administração da usina de Itaipu e do setor de energia nuclear – que, por determinação constitucional, devem ficar sob controle da União.
Os parlamentares também apontam o risco de um aumento no valor das conta de luz nos próximos anos e ameaças à soberania energética do país. O formato escolhido para a proposta de desestatização – a medida provisória, que tem validade imediata e é reservada para assuntos urgentes – também desagrada.
Perda de controle acionário
A Eletrobras responde por 30% da energia gerada no país. O modelo de desestatização preconizado pela MP aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 19 de maio e que será votada no Senado prevê a venda de novas ações no mercado sem a participação da empresa, resultando na perda do controle acionário de voto mantido atualmente pela União.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), afirmou nesta segunda-feira, 14, que a capitalização da Eletrobras será votada nesta semana. A MP está na pauta da sessão deliberativa de quarta-feira, 16.
“Se ela vai ser aprovada ou não, se vão alterar as mudanças na Câmara ou não, será um exercício democrático da maioria do Senado”, adiantou Pacheco. Os senadores precisam ter autonomia para avaliar as mudanças que foram feitas na Câmara dos Deputados, disse. Para ele, a matéria chegou a tempo para ser debatida no Senado.
Enquanto isso, é cada vez maior a pressão da sociedade civil para que a MP não passe no Senado. Os senadores contrários à medida provisória da privatização da Eletrobras afirmam que a venda da estatal resultará no provável aumento das tarifas de luz e no racionamento de energia.
O relator da matéria no Senado, Marcos Rogério (Dem-RO), defende a urgência na aprovação da MP para que o BNDES possa fazer o planejamento da capitalização da estatal ainda neste ano. O senador, no entanto, ainda não apresentou o relatório inicial para a votação. “Não é momento de se fazer venda de qualquer tipo de ativo estratégico de um país, independente de se gostar ou não de privatizações. O momento de pandemia certamente não é apropriado para qualquer venda de qualquer ativos estatais”, contesta Jean Paul Prates (PT-RN).
Sob pressão
Pacheco fez um acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL) para que os senadores tivessem pelo menos um mês para discutir a matéria.
A MP foi aprovada com alterações pelos deputados no dia 19 de maio e chegou ao Senado três dias depois. Se os senadores gastarem um mês para debater a privatização em plenário, conforme acordado entre Pacheco e Lira, o projeto subirá para o plenário no dia 21 de junho, terça-feira da próxima semana, véspera do prazo de validade da MP. Até agora sequer foi apresentado o texto preliminar do relator.
O falso mito da estatal quebrada
Ao contrário dos argumentos do governo federal, que editou a MP e da sua base no Congresso, a estatal está longe de ser um cabide de empregos que só dá prejuízo ao Estado. Nos três primeiros meses deste ano, a Eletrobras registrou um lucro líquido de R$ 1,6 bilhão, resultado 31% superior ao do mesmo período do ano passado.
Os lucros antes dos juros, impostos, depreciação e amortização, chamados de Ebitda, subiram 11% em relação ao primeiro trimestre de 2020, atingindo R$ 3,8 bilhões.
De acordo com o relatório de gestão da empresa, divulgado no dia 13 de maio, esse desempenho foi positivamente impactado pela revisão tarifária periódica, a partir de junho de 2020.
Mas os indicadores poderiam ter sido superiores se não fossem as provisões para contingências, no valor de R$ 932 milhões, uma reserva que não entra na conta dos lucros da estatal porque fica contingenciado para emergências.
A carteira de participações societárias na estatal vem encolhendo. No primeiro trimestre, a empresa tinha participações em 83 sociedades de propósito específico (SPEs). A meta é chegar a 49 até o fim do ano.
Os investimentos em geração no primeiro trimestre totalizaram R$ 273 milhões, dos quais R$ 133 milhões foram destinados a Angra 3. Em transmissão, a companhia investiu R$ 142 milhões, sendo a maior parte, R$ 96 milhões, destinada a reforço e melhorias.
Soberania ameaçada
Infográfico: Dieese
Infográfico: Dieese
Um relatório do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que a privatização da Eletrobras representa risco para a soberania energética do país.
Maior empresa do setor na América Latina, a segunda maior do mundo em geração hidráulica e a terceira em termos de matriz energética limpa e renovável, a estatal brasileira que está na mira do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do mercado financeiro investiu R$ 190 bilhões do 2000 até 2020. “Se fosse um país, a Eletrobras seria o oitavo produtor mundial em capacidade instalada”, compara o Dieese.
Mas no ano passado, devido a decisões políticas e pressão para encaminhar a privatização e não por falta de capacidade, o investimento foi de apenas R$ 3,12 bilhões. Em 2010, a estatal tinha 28,5 mil trabalhadores, patamar que se manteve até 2012 e depois começou a cair. Em 2020, eram 13,8 mil.
Com uma geração de R$ 15 bilhões de caixa anual e receita operacional líquida anual de R$ 30 bilhões, a Eletrobras deu lucro de R$ 31 bilhões de 2018 a 2020 e uma previsão de dividendos de R$ 4 bilhões, maior que os investimentos.
Nas últimas duas décadas, a empresa repassou R$ 19,3 bilhões para a União.
Os indicadores da estatal mostram, segundo o Dieese, que não se sustentam os argumentos de que a empresa precisaria ser privatizada porque não daria lucro e ainda por cima estaria endividada. Em 2016, a dívida líquida da empresa era 9,5 vezes o montante dos lucros antes dos juros, impostos, depreciação e amortização. Em 2020, por conta do bom desempenho e dos investimentos anteriores, essa relação caiu para 1,5 vezes.
“A Eletrobras, além de possuir os ativos de geração e de transmissão mais estratégicos para tornar o Brasil uma referência na transição energética, possui ainda – apesar dos programas recentes de demissão incentivada – corpo técnico qualificado, expertise inquestionável, credibilidade e saúde financeira para liderar esse processo”, destaca a nota técnica.
Uma eventual privatização da estatal, alerta o Dieese, colocaria o Brasil à margem da promoção do esforço global pela transferência energética, além de trazer enormes prejuízos para a sociedade brasileira.
“As soluções adotadas pela MP 1.031 / 2021 em relação à revitalização de bacias hidrográficas, desenvolvimento de projetos na Região Norte e pesquisa e desenvolvimento tecnológico têm prazo de validade e são insuficientes, denunciando por si mesma uma perspectiva de abandono futuro dessas ações”.
Privatização na seca
No requerimento (REQ 13/2021) em que solicitaram o debate, os senadores Jean Paul Prates (PT-RN) e Paulo Rocha (PT-PA) argumentam que o objetivo é oferecer uma oportunidade para que “vozes discordantes” em relação à privatização da Eletrobras “possam se pronunciar”.
No início do mês, durante sessão temática também promovida pelo Senado, parlamentares e especialistas afirmaram que a privatização da estatal exige uma discussões mais aprofundadas e afirmaram que o momento, em meio a um período de seca, é inadequado para a privatização.
Para Jean Paul e Paulo Rocha, é necessário discutir as relações entre a infraestrutura do sistema elétrico nacional e a proteção ambiental. “O desmatamento impacta o ciclo hidrológico responsável pelas chuvas e pela regulação do clima em grande parte do país. Entre as muitas consequências ruins do desmatamento está a menor vazão de alguns rios”, ressaltam.
O requerimento dos dois senadores apresenta críticas ao relatório aprovado pela Câmara, que, segundo eles, não deixa claro a questão da contratação de térmicas a gás nas regiões Norte e Nordeste e “dá indícios de que a proposta redundará em aumento do custo da energia para os consumidores e para a indústria”.
Entre os convidados para o debate, estão a diretora do Instituto Ilumina, Clarice Ferraz; o coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, Gilberto Cervinski, o ex-ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner Moreira; e o ex-presidente da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) Mozart Bandeira Arnaud.
NOVA AUDIÊNCIA – A CMA irá marcar outra audiência, em data a ser confirmada, para debater a privatização da Eletrobras com os seguintes convidados: Gustavo Teixeira, assessor do Coletivo Nacional dos Eletricitários e diretor do Ilumina; Vicente Andreus, ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA); Fabiola Latino Antezanna, do Coletivo Nacional dos Eletricitários; Mauricio Tomassquim, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Carlos Machado, técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) na Subseção Sindieletro-MG.