Arquivos sobre a morte de JK mostram interferência de militares e falhas na investigação
Foto: Reprodução/CPDOC/CNV
Foto: Reprodução/CPDOC/CNV
Nesta sexta-feira, 24, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – órgão do Ministério Público Federal (MPF) – determinou a publicidade do inquérito civil (IC) que apurou a morte do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek (1956-1961)) e do motorista e amigo pessoal Geraldo Ribeiro. O acidente ocorreu em 22 de agosto de 1976, durante viagem de carro no quilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra, em Resende (RJ), hoje conhecida com curva JK.
Kubitschek, viajava num automóvel Opala quando colidiu com uma carreta carregada de gesso. Desde o ocorrido versões nunca confirmadas apontavam o acidente como resultante de uma conspiração do governo militar, que teria sabotado o veículo. Mais de trezentas mil pessoas assistiram ao seu funeral em Brasília. Em 1996 seu corpo foi exumado, para se esclarecer a causa de sua morte, levantando-se novamente a polêmica sobre o caso. O laudo oficial da exumação novamente concluiu que foi apenas um acidente de trânsito, sendo tal laudo contestado pelo secretário particular de JK, Serafim Jardim, no livro “JK, onde está a verdade”.
Em 2013, a Comissão Municipal da Verdade de São Paulo concluiu que Juscelino Kubitschek teria sido assassinado em 1976, vítima de um complô dos militares. à época o presidente da comissão, Gilberto Natalini disse haver mais de 90 indícios que justificavam a tese. Mais tarde, a Comissão Nacional da Verdade voltaria a “não questionar os laudos periciais” para não perder credibilidade diante de outros crimes da ditadura comprováveis e com farta documentação e inquestionáveis.
JK representava perigo para a ditadura militar
O contexto da morte é que, por volta de 1975, JK, João Goulart e Carlos Lacerda articulavam a criação de uma Frente Ampla que lutava pela volta da democracia. Coincidência ou não, em menos de um ano os três morreram em circunstâncias misteriosas. Justamente na mesma época em que foi articulada a Operação Condor – uma colaboração das ditaduras de Brasil, Argentina Chile e Paraguai. Em 1975, o General João Figueiredo, então chefe do SNI (serviço secreto de inteligência do governo, atual Abin) e futuro presidente – recebeu uma carta do chefe da inteligência do general Pinochet, ditador chileno. A tal carta dizia que JK e Orlando Latelier, ex-ministro de Salvador Allende, “poderiam influenciar seriamente a estabilidade do Cone Sul”. Em 21 de setembro, Latelier foi morto em uma explosão em Washington (EUA). Na ocasião, Contreras foi considerado culpado.
As falhas na investigação e a verdade dos fatos
A iniciativa da (PFDC) atende a sugestão dada pelo Núcleo de Apoio Operacional da 2ª Região (Naop2), que homologou o pedido de arquivamento no que se refere ao direito à memória e à verdade. A decisão encerrou seis anos de investigação sobre o fato histórico e controverso da sociedade brasileira, contando com a análise de apurações feitas pela Comissão da Verdade de São Paulo e do Grupo de Trabalho Justiça de Transição do Rio de Janeiro.
O IC conclui que a verdade dos fatos é impossível de ser alcançada diante das falhas nas investigações, no entanto as provas coletadas ajudam a elucidar parte história, como a inocência do motorista Josias de Oliveira. De acordo com as conclusões do inquérito, o ônibus da Viação Cometa, dirigido por Josias, não causou o acidente, havendo o processamento indevido de cidadão inocente. “É impossível afirmar ou descartar que o veículo tivesse sido sabotado, ou mesmo que o motorista tivesse sofrido um mal súbito ou sido envenenado, vez que não há elementos materiais suficientes para apontar a causa do acidente ou que expliquem a perda do controle do automóvel”, traz o documento.
Por outro lado, segundo as investigações, é possível afirmar que o regime militar utilizou ações de inteligência para monitorar o ex-presidente JK, trocando inclusive informações sobre ameaças políticas aos regimes do Cone Sul com outros países da região. O documento traz relatos de testemunhas, peritos, jornalistas e pessoas que mantiveram contato com JK. Depoimentos de envolvidos na investigação apontaram contradições em laudos e falhas na análise técnica. “Coletar, sistematizar e valorar todas as provas existentes e disponibilizá-las para a sociedade já é algo que, se alcançado, encerraria, dentro do próprio inquérito civil, a atuação com êxito do Ministério Público”, afirma o procurador da República Paulo Sérgio Ferreira Filho, responsável pelo pedido de arquivamento.
Na decisão em que determina a ampla divulgação do inquérito, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, afirma que “as apurações realizadas no âmbito do procedimento extrajudicial são relevantes ao resgate da memória e da verdade referentes ao período da ditadura (1964-1985)”. Em relação ao procedimento investigatório criminal, que tramitou em conjunto para apurar suposto crime de homicídio, o PFDC determinou o encaminhamento do inquérito à 2ª Câmara Criminal do MPF (2CCR), a quem cabe a análise da promoção de arquivamento em matéria penal.
Clique aqui e acesse arquivos do Inquérito Civil.
Confira abaixo um resumo dos principais pontos do inquérito conforme a PFDC/MPF:
Fato – Em 1976, um evento automobilístico culminou na morte do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek e do motorista Geraldo Ribeiro.
Abertura do Inquérito Civil Público N.º 1.30.008.000307/2013-79, cujo objetivo foi averiguar, sob o prisma do direito à memória e à verdade, o evento automobilístico que culminou na morte de JK.
Diferentes versões
Versão oficial (divulgada no mesmo ano de 1976)
mortes de JK e Geraldo Ribeiro decorreram de acidente automobilístico:
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automóvel Opala em que JK se encontrava sofre abalroamento de ônibus da Viação Cometa; o carro do ex-presidente perde controle e atravessa o canteiro central da Via Dutra, invadindo a pista de sentido oposto, o carro colide com uma carreta Scania.
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Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog – São Paulo
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declara que o ex-Presidente da República teria sido vítima de assassinato, causada por agentes da ditadura. O motorista de JK estaria desacordado e inconsciente antes do impacto, conforme depoimentos. Houve suspeita de envenenamento ou morte por arma de fogo.
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conclui que as mortes foram acidentais.
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Algumas evidências examinadas no curso do IC:
1. perícias realizadas
no momento do acidente;
para determinar as causas mortis;
após a exumação do corpo de Geraldo Ribeiro;
em fragmento metálico encontrado no crânio de Geraldo Ribeiro após a exumação.
depoimentos colhidos
motorista do ônibus da Viação Cometa;
filho do falecido dono de Hotel Fazenda onde as vítimas teriam realizado uma parada pouco antes do acidente automobilístico;
passageiros do ônibus da Viação Cometa;
motorista que presenciou o acidente automobilístico;
ex-policiais que, à época, compareceram ao local do acidente para prestar socorro;
adido militar no Chile que concedeu entrevista a jornalista supostamente afirmando que JK era um dos alvos da Operação Condor – ação conjunta dos países do Cone Sul em represália aos opositores das ditaduras militares;
médico legista subscritor de laudo de perícia médica na época do evento fatídico.
documentos analisados no IC
Relatório sobre a morte do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, elaborado pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva;
mais de 80 fotos relacionadas ao acidente automobilístico;
laudo de exumação do corpo de Geraldo Ribeiro, encaminhado pelo IML da Polícia Civil de Minas Gerais;
relação dos trabalhadores que laboravam no referido Hotel Fazenda, propriedade de um dos criadores do Serviço Nacional de Informações (SNI), de onde JK teria saído minutos antes do acidente;
cópia de Solicitação de Assistência Judiciária em matéria penal (MLAT) dirigida ao Departamento de Justiça dos EUA, solicitando auxílio para a obtenção de documentos relacionados à morte de JK;
parecer Médico Legal apresentado pelas peritas médicas Talita Zerbini, Raquel Barbosa Cintra e Daniela V. Fuzinato;
petição encaminhada pelo GT Juscelino Kubitschek, formado por pesquisadores que objetivam elucidar as circunstâncias da morte do ex-presidente, sugerindo providências instrutórias.
Conclusões do IC
ônibus da Viação Cometa não teve participação causal nos fatos, isto é, “de forma alguma colidiu ou abalroou o veículo de JK”, portanto, o motorista Josias de Oliveira não causou o acidente;
impossível afirmar ou descartar que o veículo tivesse sido sabotado, ou mesmo que o motorista tivesse sofrido um mal súbito ou sido envenenado, vez que não há elementos materiais suficientes para apontar a causa do acidente ou que expliquem a perda do controle do automóvel
o regime militar de fato adotava ações de inteligência para monitorar o ex-presidente JK, trocando inclusive informações sobre ameaças políticas aos regimes do Cone Sul com outros países da região;
houve falhas severas nas investigações realizadas pelo Estado brasileiro, as quais levaram ao processamento indevido de cidadão inocente, qual seja, o motorista do ônibus, Josias Oliveira;
diante das falhas nas investigações realizadas, a verdade dos fatos é impossível de ser alcançada com as provas atualmente existentes, porém o IC traz conclusões o mais fidedignas possíveis aos elementos probatórios que se pôde angariar;
não é possível comprovar, no momento atual, elementos suficientes de autoria e materialidade de um crime de homicídio contra JK e Geraldo Ribeiro.