Bancada negra amplia defesa de políticas públicas contra a fome
Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA
Em sessão mista realizada na noite de quinta-feira, 9, a Câmara Municipal de Porto Alegre instalou a Frente Parlamentar em Defesa da Segurança Alimentar e Nutricional. A iniciativa foi proposta pela vereadora suplente Reginete Bispo (PT) e subscrito pela bancada negra. O colegiado será coordenado pela vereadora Laura Sito (PT) e tem o objetivo de implementar inciativas locais de combate à fome. Laura lembrou que os parlamentares negros – a atual legislatura se destaca pela maior bancada negra da história da Câmara – assumiram o compromisso de atuar em conjunto na pauta e destacou a importância da Frente Parlamentar como um “espaço de resistência frente à brutal situação do Brasil”.
Reginete Bispo disse que ela e seu coletivo de covereadoras entendem o alimento como algo sagrado, portanto, defendem que o combate à fome é fundamental. “Apresentamos esta proposição justamente no momento de pandemia e de grande concentração do capital, onde a população voltou a passar fome”, afirmou, acrescentando que o seu mandato defende “vacina no braço e comida na mesa de cada brasileiro”. A parlamentar ainda frisou a solidariedade das mulheres negras durante a pandemia, dizendo que “quem tem pouco ajuda quem nada tem”.
De volta ao mapa da fome
A ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, que participou de forma virtual da sessão, lamentou que o Brasil tenha voltado ao mapa da fome após ter se tornado referência mundial na construção de políticas públicas de segurança alimentar.
Para a economista, a fome não voltou ao Brasil em função da pandemia causada pelo novo coronavírus, mas devido à destruição de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. Exemplo disso, seria o aumento do número de brasileiros em situação de insegurança alimentar, que passou de 22,9% em 2013 para 36,7% em 2017 e 55,2% em 2020.
O enfrentamento da fome, afirmou, tem de ser feito de forma estrutural e não pode ser uma agenda de curto prazo. Tereza apresentou a estratégia multidimensional de combate à fome destacada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que consiste em: liderança e prioridade política; aumento da renda dos mais pobres; alimentação escolar a 43 milhões de crianças e jovens através do Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); fortalecimento da agricultura familiar e camponesa; e governança, transparência e participação da sociedade.
Nações Unidas e o combate à fome
Luis Lobo, coordenador da Secretaria Técnica da FAO para as Frentes Parlamentares Contra a Fome na América Latina e Caribe, apresentou um conjunto de reflexões sobre o trabalho realizado por frentes parlamentares nos últimos dez anos. Ele destacou que, enquanto há 60 milhões de pessoas que passam fome na região, há outras 113 milhões que não têm acesso a uma alimentação saudável, referindo-se ao crescente número de pessoas com sobrepeso ou obesidade. Conforme Lobo, o trabalho de segurança alimentar deve ser uma ação coordenada entre poder público, universidades, sociedade civil e outros atores, tendo enfoque de gênero e colocando o empoderamento das mulheres no centro do debate.
Para ele, as frentes parlamentares contam com legisladores comprometidos contra a fome e que precisam assegurar a inclusão do tema na agenda política. Como exemplo de êxito, citou a Frente Parlamentar da Guatemala, que em 2017 sugeriu a lei de acesso à alimentação escolar, seguindo o exemplo do Brasil. “Este é um problema global e muito complexo, que necessita de trabalho colaborativo e superação das diferenças políticas”, afirmou.
Manifestações
Fotos: PT/PCdoB/PSol/Divulgação
“A Frente é importante para que a gente siga na luta pela existência do nosso povo”, afirmou Bruna Rodrigues (PCdoB). Ela questionou a ausência do secretário municipal de Desenvolvimento Social, Léo Voigt, e disse que a cidade não pode “romantizar a pobreza”. “Não tem como falar de dignidade sem enfrentar a fome”, afirmou, acrescendo que o combate à mazela deveria ser a principal prioridade de qualquer gestor.
Para o deputado estadual Edegar Pretto (PT), a fome está sendo invisibilizada pelos governos. “Estamos já há quase um ano lutando na Assembleia por um projeto de crédito emergencial, subsidiado pelo Estado, para os homens e mulheres que estão lá na roça produzindo comida”, citou, afirmando que o estado “virou as costas para os pequenos agricultores”.
Ele explicou que, sem apoio dos governos estadual e federal, o agricultor vai buscando meios de sobreviver onde pode ter viabilidade econômica, como o arrendamento da terra para plantio de soja, vendida diretamente para a China.
Matheus Gomes (PSol) entende que a capital precisa ter políticas públicas para a população mais pobre. Ele disse que a população se auto-organiza, tem iniciativas de solidariedade, mas o objetivo articulando a Frente Parlamentar é colocar essas questões em outro patamar, “para que possamos dar um passo adiante contra a fome em Porto Alegre”.
Para Regina Nogueira, médica e fundadora do Banco Grão, a política de enfrentamento à insegurança alimentar está centrada no direito a ter uma alimentação em quantidade e qualidade, além do respeito às identidades regionais e étnicas. “A saída está na autonomia do pequeno agricultor, dos povos originários e do povo que constituiu esse país”, afirmou, destacando que o sistema alimentar dos povos de matriz africana vem sendo marginalizado ao longo do tempo. “Somos os que mais passam fome, mas somos também os que não têm soberania alimentar”, afirmou, acrescentando, ainda, que é importante mapear terras devolutas para a produção coletiva de alimentos.
Carolina Breda, representante do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e da Unidade de Segurança Alimentar da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), afirmou que a pandemia agravou a situação de insegurança alimentar. Ela entende que as ações emergenciais no período de pandemia foram fundamentais, mas que são necessárias políticas públicas estruturadas e trabalhadas de forma intersetorial. Conforme a representante da SMDS, a pasta está trabalhando a agricultura urbana e periurbana e tem recebido boa procura da população pelas hortas comunitárias.
Daiana Santos (PCdoB) disse que “é impossível falar de saúde sem falar de comida no prato”. Relatou que tem percorrido muitas comunidades e visto que é preciso pensar algo estruturado, “respeitando as especificidades de cada território”. “O empobrecimento é latente”, afirmou.
Karen Santos (PSol) relatou que, em 2020, com o avanço da pandemia, participou da organização de uma campanha de solidariedade, mas que com o aumento da crise, quem fazia doação também começou a passar por sufoco. Ela defendeu a constituição de um Fundo Municipal de Segurança Alimentar, que pode inclusive receber recursos de emendas parlamentares, onde pode haver maior controle, fiscalização e eficácia na política pública.
Conforme Leila Thomassim, presidente do Conselho Estadual de Assistência Social, há uma tendência da população em achar que é a partir da política de assistência que se enfrenta a fome, mas na verdade são necessárias políticas públicas de longo prazo e não emergenciais para resolver a situação. “O direito à alimentação e à proteção social são fundamentais”, defendeu.
Maria da Conceição Fontoura, representando a organização de mulheres negras Maria Mulher, abordou a solidariedade e a criatividade da mulher negra. “Quem mergulhar na história da culinária brasileira, verá que pratos atuais surgiram a partir da criatividade da mulher negra”, afirmou lembrando que “a solidariedade, para as pessoas negras, vem antes dos registros de fotos feitas por celular.”
Já Fernanda Bairros, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), destacou a importância da Frente Parlamentar como ferramenta de combate à fome em Porto Alegre. Lembrando os princípios do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, disse que o poder público, junto com a sociedade civil, deve garantir que o direito à alimentação adequada seja efetivado.