Servidores aumentam pressão contra PEC da reforma administrativa
Foto: Valdir Fiorentin/ Sintergs
A Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 na Câmara dos Deputados aprovou na última quinta-feira, 23, o parecer do relator Arthur Maia (DEM-BA), que num primeiro momento chegou a excluir o artigo 37-A, que cria instrumentos de cooperação com empresas privadas. Na prática, o dispositivo cria as condições para a interferência do setor privado nos serviços públicos, o que levou a oposição a chamar o projeto de “PEC das rachadinhas”. Entre os pontos mais polêmicos, o texto aprovado manteve a cooperação com a iniciativa privada, as contratações temporárias de servidores por até dez anos e preservou os benefícios de juízes e promotores, como as férias de 60 dias.
O texto foi aprovado por 28 votos a 18 e seguiu para a Câmara, onde deve ser votado pelo plenário nas próximas semanas. Maia irritou a oposição e as representações de servidores ao afirmar que seu relatório garantiu a estabilidade no emprego e os direitos adquiridos dos servidores atuais. “Todas expectativas de direitos foram preservadas. Esta PEC não atinge nenhum servidor da ativa”, provocou.
“O que se quer é lucro com dinheiro da Educação. As pessoas pobres não vão poder pagar pelo serviço público”, reagiu o deputado Rogério Correia (PT-MG).
O relator fez uma concessão no dispositivo que permite reduzir em até 25% a jornada e o salário de servidores. No novo texto, os cortes serão limitados apenas a períodos de crise fiscal. “O servidor atual fica facultativo se vai permitir ou não o corte, mas com certeza vai sofrer um assédio enorme para cortar seu salário”, rebateu Correia. “Com o corte, vai ter que passar o serviço para a iniciativa privada”, alertou.
Manobra
Arte: Sintrajufe/ Divulgação
“Para aprovar o relatório, o governo substituiu diversos parlamentares. O governo articulou para conseguir aprovar”, aponta o presidente do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Rio Grande do Sul (Sintergs), Antonio Augusto Medeiros.
O dirigente critica a substituição de cinco deputados da Comissão por parlamentares do partido Novo. No total, havia sete parlamentares do Novo na comissão. “Isso é uma afronta à proporcionalidade, já que o partido Novo tem apenas oito deputados federais”, denuncia.
Segundo ele, a mobilização de trabalhadores de todo o Brasil será intensificada à espera da votação na Câmara. “Há uma grande pressão contra a PEC 32, com atos em Brasília, com caravanas dos estados de servidores e servidoras públicas na chegada ao aeroporto, e na saída dos aeroportos nos estados”.
O Sintrajufe e a Frente dos Servidores Públicos do RS intensificaram a pressão para que os deputados votem contra a PEC. A campanha #Não à Reforma Administrativa, entre outras ações, vai espalhar outdoors pelo estado identificando os deputados gaúchos que votaram a favor do texto na Comissão: Marcel Van Hatten (Novo), Alceu Moreira (MDB), Marcelo Moraes (PTB) e Giovani Cherini (PL).
Desgaste
Foto: Valdir Fiorentin/ Sintergs
No Plenário da Câmara, o projeto precisa de maioria qualificada (três quintos dos votos). A princípio, o placar da quinta-feira mostra que o governo terá dificuldades para aprovar a reforma administrativa na Câmara, já que são necessários 308 votos. “É importante manter a mobilização aqui em Brasília, nos estados e nos municípios da base dos deputados. Vamos manter a luta para derrubar a PEC 32 no plenário”, afirma Medeiros.
Marcelo Machado Carlini, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Justiça Federal do RS (Sintrajufe/RS) e da Central Única dos Trabalhadores do RS (CUT-RS) também avalia que o governo não tem os 308 votos necessários para aprovara a PEC da reforma administrativa na Câmara.
“O governo substituiu oito deputados na Comissão para dar a ideia de que o projeto está andando”, aponta. Além dos parlamentares de oposição, afirma, há resistência da própria base do governo na Câmara, que tende a empurrar a decisão para o Senado.
“Esses setores do bolsonarismo têm alguma relação com os servidores públicos e não querem assumir o desgaste de votar favoravelmente a um projeto que destrói os serviços públicos”, raciocina.
Serviço público fragilizado
O senador Paulo Paim (PT-RS) considera pequena a margem de dez votos na aprovação do relatório. Ainda assim, o governo precisou fazer uma série de manobras, como a troca de parlamentares que integravam a Comissão especial e eram contra a PEC.
“A luta não acabou na Câmara dos Deputados. Precisa votar no Plenário em dois turnos, com quórum de 3/5, ou seja, 308 votos. O movimento social, mais do nunca, precisa aumentar a mobilização e falar com os deputados em seus estados”. A PEC tem pontos graves, como a permissão de contratação temporária nos serviços públicos, por 10 anos, inclusive para atividades permanentes; possibilidade de perda do cargo público mediante avaliação de desempenho, com critérios que podem ensejar perseguição aos servidores, ressalta. “A quem interessa um serviço público fragilizado? À população não é. Ela será prejudicada”, avalia Paim.
PEC das rachadinhas
“A PEC 32 atinge de morte os direitos sociais fundamentais, abre espaço para terceirização e privatização e, consequentemente, precarização do serviço público. Vai na contramão do que está sendo proposto e aplicado no mundo inteiro em função da pandemia: quando se vê a necessidade de ampliar a participação do Estado para superar o atual momento e a pós pandemia, com a necessidade de aquecimento da economia e de serviços de saúde”, aponta o presidente do Sintergs.
Para a coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e integrante da Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB, Maria Lúcia Fattorelli, o artigo 37-A da PEC 32 permite que negócios privados usem estabelecimentos públicos para prestar seus serviços.
“Quem se dá ao trabalho de estudar o conteúdo da proposta vê claramente que não se trata de uma reforma administrativa, mas, sim, da maior alteração já feita à Constituição brasileira, cujo objetivo é destruir a estrutura do Estado brasileiro em todos os níveis – federal, estadual e municipal – e abrir espaço para privatização e terceirização generalizadas, pondo fim aos serviços públicos gratuitos e universais prestados à população. A população será a maior prejudicada e está sendo bombardeada com notícias mentirosas de que essa PEC 32 ‘acabaria com privilégios’”.