POLÍTICA

Igreja de Pádua lamenta homenagem que Bolsonaro receberá em cidade italiana

Igreja italiana emite nota afirmando que “a concessão da cidadania honorária tem criado um forte constrangimento"; a homenagem ao presidente brasileiro foi iniciativa a prefeita de Anguillara
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 27 de outubro de 2021

Foto: Marcos Correa / Presidência da República/Divulgação

Foto: Marcos Correa / Presidência da República/Divulgação

A igreja católica de Pádua, Itália, divulgou hoje, 27, nota em que manifesta descontentamento com a concessão do título de cidadão honorário da cidade Anguillara Veneta ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na próxima segunda-feira, 1º de novembro. Anguillara pertence à jurisdição da diocese de Pádua e é localidade de origem do bisavô paterno de Bolsonaro. Segundo o texto publicado, “a concessão da cidadania honorária tem criado um forte constrangimento” à Igreja.

Bolsonaro embarca na sexta-feira, 29, e participará em Roma do encontro do G20 no final de semana. A reunião será uma prévia da Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas (Cop26), que inicia no domingo, 31, na cidade de Glasgow, Escócia. O presidente ficará na Europa até o dia 2.

A nota, intitulada Laços com o Brasil, apelo a Bolsonaro, destaca o vínculo entre o Vêneto e em especial Pádua com o Brasil. Não só pela grande migração de italianos, lembra principalmente a presença de missionários da região entre os indígenas, destacando as figuras dos padres Ezechiele Ramin e Ruggero Ruvoletto, ambos assassinados no país . Ramin, conhecido como Lele, foi oi atacado e morto em 1985  por sete pistoleiros contratados por fazendeiros da região. Levou mais de 50 tiros. Ele defendia pequenos agricultores e indígenas Suruí da região de Rondônia. Ele chegou a ser chamado pelo então papa João Paulo II como mártir da caridade. Ruvolleto foi assassinado em 2009 em Manaus. O sacerdote foi abatido por denunciar o tráfico de drogas e a falta de segurança pública na região.  Ele foi morto quando fazia a oração da manhã

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Foto: Reprodução

A nota é intitulada Laços com o Brasil, apelo a Bolsonaro

Foto: Reprodução

Apelo

Dirigindo-se à Bolsonaro, a diocese de Pádua lança um apelo “de todo o coração” ao presidente. Que seja “promotor de políticas que respeitem a justiça, a saúde, o meio ambiente”, e que, em especial, apoie os pobres. A diocese italiana ainda ressalta a sua harmonia pessoal e eclesial, a amizade com os bispos do Brasil “que nos últimos meses denunciam a violência, abuso, exploração da religião, devastação ambiental e o agravamento de uma grave crise de saúde, econômica, ética, social e política, intensificada pela pandemia”.

Padres do Brasil alertam

A pedido de religiosos italianos, os coletivos Padres na Caminhada e Padres contra o fascismo também enviaram uma carta para a igreja italiana.

No documento, os religiosos brasileiros afirmam que a igreja local, Pádua, precisa distanciar-se da homenagem à Bolsonaro. “É uma afronta às mais de 600 mil vítimas da covid-19, aos povos indígenas e às comunidades tradicionais desrespeitados e perseguidos, aos 20 milhões de pessoas que estão passando fome no Brasil pelo descaso e a política de um governo que está sacrificando os pobres”.

Os Padres da Caminhada e os Padres contra o Fascismo são dois grupos de 445 pessoas, entre presbíteros, religiosos e também 17 bispos, auto-organizados, em busca de uma pastoral e de um serviço evangelizador que promovam também a democracia, a dignidade humana, a justiça social e o respeito da Criação

A concessão de cidadania honorária à Bolsonaro é uma proposta da prefeita de Anguillara, Alessandra Buoso (eleita por uma coalizão de direita). A homenagem foi aprovada por nove votos contra três na última segunda-feira, 25, pelo conselho municipal (Câmara de Vereadores local) e gerou polêmica na região.

Anguillara é um município com pouco mais de 4 mil habitantes. É de lá que vêm os Bolzonaro, sobrenome que se abrasileirou com o “s” no lugar do “z”.

Leia a carta dos Padres da Caminhada e Padres contra o Fascismo na íntegra

Carta dos Padres da Caminhada e Padres contra o Fascismo sobre a cidadania honorária de um município italiano para Jair Bolsonaro

Somos padres, religiosos e bispos empenhados nas mais diversas regiões do Brasil, a serviço do povo de Deus, da vida e da Criação.

Em nosso empenho pastoral, carregamos o sofrimento das pessoas, seus anseios e esperanças, num tempo cada vez mais escuro da história do Brasil.

As profundas crises que estamos atravessando, em boa parte, foram provocadas ou amplificadas pelo desenho de morte, racismo, exclusão, negacionismo, violência e corrupção do atual governo e do presidente Bolsonaro.

Nas palavras da CNBB, “a sociedade democrática brasileira está atravessando um dos períodos mais desafiadores da sua história”.

Dom Walmor Oliveira, presidente da Conferência dos Bispos do Brasil, denuncia “desgovernos e politização abomináveis”, situação frente à qual se faz necessário o “coro dos lúcidos”.

Os bispos do Brasil solicitam “procedimentos em favor da apuração, irrestrita e imparcial, de todas as denúncias, com consequências para quem quer que seja, em vista de imediata correção política e social dos descompassos”.

Exatamente nestes dias, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia apresentou seu relatório final, apontando o presidente Bolsonaro como principal responsável do agravamento da Covid-19 no Brasil e pedindo que seja responsabilizado por nove crimes, entre os quais o crime contra a humanidade.

Nos mesmos dias, incrivelmente, chegou ao Brasil a notícia que o município italiano de Anguillara Veneta, na Diocese de Padova, decidiu conceder a cidadania honorária a Jair Bolsonaro, cuja família tem origem naquela localidade.

A Igreja local precisa distanciar-se desta decisão, que é uma afronta às mais de 600 mil vítimas da Covid, aos povos indígenas e às comunidades tradicionais desrespeitados e perseguidos, aos 20 milhões de pessoas que estão passando fome no Brasil pelo descaso e a política de um governo que está sacrificando os pobres.

Não aconteça que, mais uma vez, a Igreja venha a ser manipulada pelos interesses e a falsidade religiosa, oportunista, do presidente Bolsonaro.

O que é de César a César, e o que é de Deus a Deus.

26 de outubro de 2021

Padres da Caminhada & Padres contra o Fascismo

Obs: Os Padres da Caminhada e os Padres contra o Fascismo são dois grupos de 445 pessoas, entre presbíteros, religiosos e também 17 bispos, auto-organizados, em busca de uma pastoral e de um serviço evangelizador que promovam também a democracia, a dignidade humana, a justiça social e o respeito da Criação.

 

 

LINK

 

Site da Diocese de Pádua com a nota contra Bolsonaro

 

Nota della Chiesa di Padova: legami con il Brasile, appello a Bolsonaro

 

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