Servidores da Anvisa receberam mais de 150 ameaças
De acordo com o blog de jornalismo on-line Congresso em Foco, desde o final do mês de outubro, quando se iniciaram os estudos sobre a utilização de vacinas para covid-19 em crianças, as ameaças de morte são parte da rotina dos servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A agência já contabilizou 150 e-mails contendo ameaças, com um pico após a conclusão do estudo no último dia 17. Mas, além do aumento na quantidade de ameaças, a forma como essas acontecem também mudou desde então.
A diretora-geral da Associação dos Servidores da Anvisa (Univisa), Yandra Torres, relatou que os servidores recebem e-mails e mensagens nas redes sociais contendo ameaças; e que caso dos diretores, as ameaças já começaram a chegar por telefonemas. “São ameaças de todo tipo. Desde ‘vocês vão pagar pela vida’ a ‘cada servidor deveria ser enterrado junto a cada criança que morrer em função das vacinas’”.
Uma pesquisadora da Anvisa que participa dos estudos com vacinas chegou a receber um e-mail afirmando que “os servidores estão fazendo coisas completamente antiéticas semelhantes ao que os nazistas fizeram, e serão julgados em tribunal semelhante ao de Nuremberg”.
O pico de ameaças é visto por essa servidora, que pediu para não se identificar, como resultado direto da fala do presidente Jair Bolsonaro, que se pronunciou contra a postura da Anvisa em sua live transmitida na última quinta-feira, ameaçando divulgar o nome dos servidores envolvidos na autorização da vacina para da Pfizer para crianças.
Entenda o caso
Na live, o presidente Jair Bolsonaro disse que pediu extraoficialmente o “nome das pessoas que aprovaram a vacina para crianças a partir de 5 anos”. “Queremos divulgar o nome dessas pessoas para que todo mundo tome conhecimento de quem foram essas pessoas e forme seu juízo.”
No dia seguinte, 17, a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou nota rebatendo questionamentos do presidente Jair Bolsonaro acerca da decisão de autorizar a vacinação em crianças com o imunizante da Pfizer-BioNTech.
“A Anvisa está sempre pronta a atender demandas por informações, mas repudia e repele com veemência qualquer ameaça, explicita ou velada que venha constranger, intimidar ou comprometer o livre exercício das atividades regulatórias e o sustento de nossas vidas e famílias: o nosso trabalho, que é proteger a saúde do cidadão”, conclui a nota.
Nota dos servidores
A Associação dos Servidores da Anvisa (Univisa) também publicou nota reconhecendo o trabalho dos técnicos do órgão e lembrou que a avaliação teve a participação de especialistas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
“A intenção de se divulgar a identidade dos envolvidos na análise técnica não traz consigo qualquer interesse republicano. Antes, mostra-se como ameaça de retaliação que, não encontrando meios institucionais para fazê-lo, vale-se da incitação ao cidadão, método abertamente fascista e cujos resultados podem ser trágicos e violentos, colocando em risco a vida e a integridade física de servidores da Agência”, classifica a entidade.
Manifestos pró-Anvisa
Conforme nota no site da Univisa, a aprovação do uso de vacina para imunização contra covid-19 em crianças de 5 a 11 anos de idade desencadeou uma onda de ataques contra a Anvisa, seus diretores e seu corpo técnico. Os mesmos grupos políticos e milícias digitais que, desde o início da pandemia, vêm contribuindo para o trágico desfecho de mais de 600 mil mortos ao propagar desinformação, combater o uso de máscaras, o distanciamento social, a vacina, além de promover o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19, agora voltam suas baterias contra servidores e diretores da Anvisa na forma de ameaças, ataques virtuais e incitação ao ódio.
Diante disso, entidades, políticos, cientistas, professores e profissionais independentes subscrevem Manifesto de Apoio aos Técnicos da Anvisa pela Independência Técnica de Atuação no Combate à Pandemia de covid-19. Entidades do setor de saúde também emitiram outro manifesto.
“A Univisa acolhe essa importante manifestação de apoio com gratidão e esperança, pois demonstra a confiança da sociedade civil no trabalho realizado pelos servidores e marca uma posição em defesa da vida, da ciência, do Sistema Único de Saúde e, acima de tudo, da democracia! Importante contraponto que mostra que os defensores da necropolítica, do negacionismo científico e do terrorismo digital como método político não são a maioria da sociedade e não irão prevalecer”, diz a nota.
Esforço é coordenado
O diretor de comunicação da Univisa, Fabio Rosa, observa atentamente o conteúdo das mensagens que chegam aos servidores desde o início das ameaças. Segundo ele, não se trata simplesmente de pessoas ameaçando a agência por iniciativa própria, mas sim de um esforço coordenado a fim de intimidar os pesquisadores.
“Percebemos que há uma semelhança no conteúdo das ameaças que chegam a nós. Vemos uma certa convergência na estrutura discursiva, no tipo de ameaça, o tipo de discurso colocado ali é muito similar, é nitidamente algo orquestrado. (…) É uma operação sistêmica, que tenta fragilizar a instituição”, relatou o diretor. Mensagens de teor semelhante foram percebidas durante o andamento da CPI da Covid no Senado Federal.
Fabio Rosa considera que esse direcionamento dos ataques parte do próprio presidente Jair Bolsonaro. “Existe um método de enfrentamento do governo contra o Estado, e o método utilizado é esse insuflar da população contra os servidores para parecer que foi algo espontâneo”.
Uma servidora diz ser visível o esforço coordenado na propagação das ameaças. “Tivemos o caso de um colega que teve seu nome exposto em todas as redes como um dos diretores da Anvisa, sendo que ele não é diretor ou sequer tem relação com a aprovação das vacinas. Espalharam o nome e foto desse colega em grupos afirmando que existe um pedido de prisão dele”.