Vinte falsas notícias velhas e um golpe anunciado
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
O encontro do presidente Jair Bolsonaro (PL/RS) realizado na segunda-feira, 18, para expor notícias falsas já desmentidas para membros do corpo diplomático de países credenciados ao Itamaraty teve forte repercussão na imprensa e nas redes sociais. Duas questões foram evidenciadas: o chefe do executivo ultrapassou todas as barreiras ao expor sem provas as instituições do país a uma plateia constrangida da alta diplomacia internacional e o anúncio de um possível golpe diante de sua inconformidade caso perca a eleição.
Na tarde desta terça-feira, 19, uma representação encaminhada ao procurador-geral Eleitoral, assinada pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão e as procuradoras e os procuradores regionais dos Direitos do Cidadão, integrantes do “Sistema PFDC” do Ministério Público Federal, apresentando Notícia de Ilícito Eleitoral praticado, em tese, pelo presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.
No documento, os procuradores enumeram todas as informações falsas e de pois apontam os ilícitos cometidos, afirmando que “a conduta do Presidente da República afronta
e avilta a liberdade democrática, com claro propósito de desestabilizar e desacreditar o processo e as instituições eleitorais e, nesse contexto, encerra, em tese, a prática de ilícitos eleitorais
decorrentes do abuso de poder, com enfoque na propaganda e na
desinformação praticadas (Resolução TSE nº 23610 de 2019, art. 9ºA)”. Leia na íntegra.
Redes sociais
O debate que tomou conta da sociedade vai da perplexidade a forte indignação; do temor ao convite a mobilização social e da cautela com o que foi dito ao completo descrédito ao que foi visto como um presidente enfraquecido e com a certeza de sua derrota.
Em texto que viralizou, o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares disse que Bolsonaro “deveria ser deposto e preso”. Para Soares, foi feito um evento para anunciar um golpe ao mundo via embaixadores das mais variadas nações. Ele encerrou seu texto defendendo a mobilização da sociedade.
Na tarde desta representação encaminhada ao procurador-geral Eleitoral, assinada pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão e as procuradoras e os procuradores regionais dos Direitos do Cidadão, integrantes do “Sistema PFDC” do Ministério Público Federal, apresentando Notícia de Ilícito Eleitoral praticado, em tese, pelo presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.
O antropólogo traçou um paralelo do Brasil de Bolsonaro com os Estados Unidos de Donald Trump. Lá, lembra Soares, Trump anunciou, antecipadamente, que não aceitaria o resultado das eleições se perdesse. “Bolsonaro acaba de declarar que, se a legislação eleitoral em vigor for mantida, não haverá eleições. Falou na primeira pessoa do plural, se referindo às Forças Armadas. Essa declaração de guerra ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e à Lei, à Constituição, ocorreu dentro do Palácio, com transmissão oficial ao vivo, diante dos Embaixadores convocados”, reclama.
Ex-ministro e ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Ricupero entende que a reunião com os embaixadores foi uma atitude de “querer negar o resultado eleitoral” e uma justificativa para um possível golpe. “Absolutamente sem precedentes”, afirmou.
Filipe Campante, economista e professor Associado da Universidade Johns Hopkins (EUA) vê no evento um marco importante no desenrolar do que considera um golpe. “É absolutamente crucial entender que o golpe não é hipótese nem futuro: está em andamento, em plena luz do dia”, assevera.
Só pose de corajoso que acabará na prisão
Já o jornalista Ricardo Noblat desdenhou da iniciativa presidencial. “Onde muitos viram demonstração de força de Bolsonaro, eu vejo fraqueza”. A reunião que terminou sem aplausos e, conforme relatos, com vários embaixadores deixando o saguão do Palácio do Planalto escolhido para a apresentação sem as despedidas de praxe ao presidente, foi chamada de patética por Noblat. “Golpe não se anuncia, aplica-se. De resto, Bolsonaro sempre foi um frouxo que posa de corajoso”, sentencia.
O presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros vai na mesma linha: “Bolsonaro está desesperado: Vai perder a eleição, não terá apoio suficiente pra um golpe, cometeu tantos crimes e terá tão poucos aliados que será preso”.
Logo após o encerramento da atividade de Bolsonaro com os embaixadores, manifestações começaram a proliferar nas redes sociais.
As primeiras foram dos pré-candidatos à presidência da República Luís Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e André Janones (Avante). As manifestações de políticos culminaram com a nota do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Todos foram enfáticos em condenar o que se classificou como uma atitude que envergonha o país.
Repercussão
Durante essa terça-feira, 19, outras manifestações de peso se somaram. Seguidas a uma nota oficial do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, notas também foram emitidas pela Associação Nacional dos Procuradores da República, pela Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal e pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.
Chama a atenção em especial a nota dos delegados de PF. Bolsonaro em sua exposição chegou a dizer que “a Polícia Federal disse que o TSE é um queijo suíço, como uma peneira”.
Fake news requentada
Bolsonaro mais uma vez não apresentou provas sobre o que disse ser uma tentativa de golpe que está sendo armado para sua derrota nas eleições.
Ele repetiu as mesmas informações apresentadas em live apresentada em 2021. O que disse foi considerado por boa parte da imprensa internacional como teorias conspiratórias sobre fraude nas urnas que já foram desmentidas, ataque a ministros STF e do TSE, além de declarações golpistas com o objetivo de ameaçar a realização das eleições deste ano.
Mais uma vez Bolsonaro obrigou o TSE e agências de checagem esclarecer que não são apenas dois países que usam o sistema eleitoral semelhante ao brasileiro, que os Logs das urnas eletrônicas não foram apagados, que o PSDB não afirmou que as urnas eram inauditáveis, que a justiça não descumpre lei ao não imprimir votos e que a contagem de votos no Brasil não é feita por uma empresa terceirizada.
Vinte mentiras, todas verificadas e desmentidas
No total, 20 mentiras contadas pelo presidente foram rebatidas uma a uma. Em especial ainda foi dito que o Brasil conta com observadores internacionais extremamente especializados que auxiliam no processo eleitoral, que o Tribunal de Contas da União (TCU) atestou o processo das urnas eletrônicas há poucos dias e que a decisão que tornou Lula elegível não foi do presidente do TSE, mas do STF.
Lula teve suas sentenças anuladas dentro do contexto que tirou a legitimidade da Operação Lava jato e a declaração de suspeição do então juiz Sérgio Moro no processo contra o ex-presidente da república.