Retirada de direitos é ponto central para o governo
Foto: Alan Santos/PR
Na semana passada o Congresso Nacional aprovou a toque de caixa, sem muito debate, duas medidas provisórias (MPs) do Governo Federal. Elas flexibilizam ainda mais os direitos trabalhistas.
O Senado aprovou na quarta-feira, 3, o projeto de lei de conversão (PLV) 21/2022, originário da MP 1.108/2022, que regulamenta o teletrabalho e altera regras do auxílio-alimentação (o popular vale-refeição ou vale-alimentação). O texto segue para sanção presidencial.
Outra matéria aprovada foi a MP 1.109/2022 define regras trabalhistas alternativas para vigorar em períodos de calamidade pública. Entre essas regras estão férias antecipadas, teletrabalho e suspensão de recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Como o texto da MP não sofreu mudanças, será promulgado pelo Congresso Nacional.
As duas matérias foram colocadas em votação na Câmara e no Senado em menos de três dias a partir de manobras dos presidentes das casas, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, para evitar que as MPs caducassem com o final do prazo para avaliação, que seria no dia 7 de agosto.
Ambas servem de exemplo de como a gestão de Bolsonaro tem atuado em conjunto com parlamentares tanto governistas, quanto de matiz liberal para a qualquer pretexto extrair direitos históricos dos trabalhadores nos últimos quatro anos.
O jornalista Alexandre Haubrich, que lançará entre o final de agosto e meados de setembro o livro Direitos Golpeados – Os ataques aos trabalhadores brasileiros de 2016 a 2022, pela editora Insular, analisa mais estas duas flexibilizações que se somam as reformas realizadas recentemente.
Ele é jornalista, doutor em Comunicação e Informação pela Ufrgs e também escreveu os livros Mídias Alternativas – A Palavra da Rebeldia (Editora Insular) e Nada será como antes – 2013, o ano que não acabou na cidade onde tudo começou (Editora Libretos).
Para Haubrich – que se especializou no tema a partir de sua tese de doutorado há dois anos – os quatro anos de governo Bolsonaro tiveram momentos de maior ou de menor aceleração do desmonte de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
“Mas desde o início esse é um ponto central do projeto de país aplicado por ele, uma continuidade acelerada do que foi aplicado por Michel Temer desde o golpe. E, embora façam críticas a outros aspectos do governo Bolsonaro, amplos setores das elites tocam junto esse projeto – basta ver como votaram nessas MPs os partidos ultraliberais que não se dizem necessariamente governistas, ou como dão suporte a propostas assim os grandes meios de comunicação”, contextualiza.
Foto: Bruna Andrade/Editora Insular/Divulgação
Modernização como pretexto
De acordo com Alexandre, o discurso, mais uma vez, é o da “modernização” e “criação de empregos”, como ocorreu no contexto da reforma trabalhista de 2017 e cujo resultado foi desastroso: desemprego altíssimo e precarização crescente, com informalidade explodindo e postos de trabalho com péssimas condições para os trabalhadores e alta margem de lucro para os grandes empresários.
“Especificamente sobre as duas MPs, a primeira delas, que trata do teletrabalho, faz por Medida Provisória uma regulamentação que de fato precisa ser feita, mas não nessa correria, sem debate, sem ouvir a sociedade”, explica.
Sem debate e sem direitos
No entendimento do jornalista, essa é a prática recorrente do atual governo: apresentar projetos sem qualquer debate com a população, sem ouvir ninguém, e buscar aprovações no tempo mais breve possível. “Com o mínimo barulho possível, vão desmontando os direitos dos trabalhadores”, diz.
“Essa MP é mais um exemplo disso. Deixa o trabalhador na mão de acordos individuais, que sabemos que são quase sempre imposições dos patrões, e não resguarda os direitos de quem passa ao teletrabalho”, argumenta.
Ele entende que o crescimento do trabalho remoto é um tema muito delicado, que precisa ser tratado com muita responsabilidade e profundidade para que se construa uma legislação que proteja os trabalhadores e faça desse mecanismo um instrumento de melhor usufruto do tempo e da vida, não um acelerador da exploração.
Calamidade pública
“Sobre a segunda MP, da calamidade pública, o absurdo já está na origem, na ideia de que, para resguardar a economia, é preciso retirar direitos em momentos de crise. Isso não faz sentido, não favorece a economia, serve apenas como mais um pretexto para deixar os trabalhadores mais desprotegidos. O que é ainda mais cruel em situações críticas como estados de calamidade. Trata-se, aqui, de mais uma desculpa esfarrapada para precarizar o trabalho e aumentar a taxa de lucro”, conclui.
ENTREVISTA – Alexandre Haubrich será o entrevistado da edição de setembro do Jornal Extra Classe. Ele falará sobre seu livro e analizará o impacto dos anos Temer e Bolsonaro nos direitos trabalhistas e sobre como as grandes empresas de mídia se comportaram durante a cobertura desses eventos, a partir de seus próprios interesses políticos e financeiros.
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