POLÍTICA

Projeto que combate fake news e violência na web sofre ataques das big techs às vésperas da votação

Empresas de tecnologia como o Google e o Twitter são denunciadas por abuso de poder econômico e tecnológico após ataques ao PL das fake news
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 2 de maio de 2023

Foto: Agência Câmara/ Divulgação

Mais de cem deputados já estavam inscritos no início da noite para debater o PL que combate as fake news. Regulamentação é combatida pelas big techs

Foto: Agência Câmara/ Divulgação

A possibilidade da votação do Projeto de Lei que reforça a fiscalização e a regulamentação das redes sociais e plataformas de buscas e comunicação nesta terça-feira, 2, na Câmara dos Deputados acirrou os ânimos entre defensores e opositores da proposição que se tornou conhecida popularmente como o PL das Fake News. Até o início da noite, mais de 100 deputados já estavam inscritos para debater o projeto.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou que só vai colocar o projeto de Lei das Fake News (PL 2630/23) em votação nesta terça-feira se houver votos suficientes para aprová-lo. “Se tiver (votos suficientes), claro que vota. Se não tiver, o meu intuito é que não vote hoje”, disse Lira ao chegar à Câmara.

Se durante o dia não faltaram posicionamentos que denunciaram as big techs de promover abuso de poder econômico e tecnológico contra o PL 2.630, no mesmo período foram ressaltados nos mais variados fóruns os pontos polêmicos que chegaram a dividir até a Bancada Evangélica.

Infográfico: Agência Câmara

Infográfico: Agência Câmara

Os debates se dividem. De um lado, a favor do projeto, que preconiza avanços no combate aos discursos de ódio, à desinformação e outros conteúdos criminosos no ambiente digital. Quem está combatendo a proposta, alega que o PL atinge a liberdade de expressão.

As próprias big techs foram acusadas pelo relator da matéria, o deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), de usar seu peso tecnológico para influenciar opiniões no que que chegou a ser chamado de jogo sujo.

Empresas como Meta, proprietária das marcas Instagram, Facebook e WhatsApp, e o Twitter também ficaram sob fogo cruzado de seus usuários por se utilizarem dos algoritmos para dar mais visibilidade a posts contrários ao PL 2.630 do Senado.

Silva chamou a ação de “sórdida e desesperada” para impedir a votação do texto. “Vamos à luta vencer a batalha contra a mentira e o jogo sujo das big techs!”, disse o deputado em sua conta no Twitter.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que pediria à Secretaria Nacional do Consumidor que investigue possíveis “práticas abusivas” na conduta do Google e do Twitter.

A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) também foi às redes sociais denunciar a ação das empresas de tecnologia. “O Google alterou a página inicial para atuar contra o PL 2630, de combate à desinformação e regulação das big techs. Jogo baixo de quem lucra muito e não quer se responsabilizar pelo que circula em suas plataformas, inclusive conteúdos de ódio e violência”, afirmou.

O líder do governo da Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), defendeu a aprovação do projeto e destacou a denúncia contra as empresas de tecnologia que deverá ser formalizada ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pelo líder no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Aprovar o PL 2630 é proteger as famílias contra ataques na internet”, disse Guimarães na sua conta no Twitter.

Jogo sujo das big techs

Na segunda-feira, 1º, a empresa que administra o Google e o Youtube apresentou na sua página inicial um link que direcionava os usuários para suas considerações contra o PL.

Com o título “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”, o hotsite foi retirado do ar sob uma série de denúncias e uma mediada cautelar da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom) contra a empresa.

O empresário e influenciador Felipe Neto chegou a relatar que produtores de conteúdo estariam recebendo e-mails “alertando” que a aprovação da PL influenciaria em seus rendimentos uma vez que as redes sociais, entre outras ações, deveriam canalizar recursos para o pagamento de conteúdos jornalísticos postados.

Quem se responsabiliza? big techs

Após ser aprovado no Senado, o PL 2.630 tramita na Câmara desde 2020 e tem o objetivo de instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

Sua discussão retomou o fôlego após os recentes atentados violentos protagonizados em escolas e pelos atos antidemocráticos promovidos por bolsonaristas radicais que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.

Em comum, a utilização das redes sociais e plataformas de comunicação como caixa de ressonância e até de recrutamento para atos extremistas.

É na definição do órgão que será o responsável pela fiscalização e a aplicação da lei que há mais intensidade no debate.

Devido à forte resistência de parlamentares bolsonaristas na Câmara, a ideia inicial que dava ao Poder Executivo a prerrogativa de criar uma entidade autônoma foi retirada na última versão do relator, que negocia para que outro órgão seja apontado como responsável pela fiscalização.

Imunidade parlamentar big techs

Outra polêmica está na inclusão no PL de uma proteção especial às manifestações de congressistas nas plataformas digitais, levando em consideração que a Constituição estabelece que “Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

A última versão feita por Orlando Silva prevê que essa imunidade “estende-se aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de redes sociais e mensagens privadas”.

Ramênia Vieira, coordenadora executiva do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), acredita que essa medida criará dificuldades para que as plataformas digitais removam conteúdos indevidos publicados por parlamentares.

“Parece uma autorização para que os parlamentares, que são grandes propagadores de desinformação, continuem usando suas redes para distribuir essa desinformação”, disse à Agência Brasil.

Já para a Coalizão Direitos na Rede, o texto “reitera o princípio da imunidade parlamentar já estabelecido na Constituição que protege deputados e senadores por suas opiniões, palavras e votos. No texto do PL 2630, o relator reitera a imunidade parlamentar material, ou seja, apenas dentro do exercício do cargo”.

Assim, a nova lei “não expande a imunidade já prevista nos termos da Constituição, apenas reitera que as proteções existentes valem também para as manifestações digitais. Além disso, em caso de ação judicial, o alcance dessa proteção fica sujeito à interpretação do STF”, afirmou a Coalizão em nota.

Direitos autorais

A última versão do PL também prevê novas regras para remuneração de conteúdo protegido por direitos autorais, como músicas e vídeos.

Artistas têm se posicionado a favor da aprovação desse ponto que também provocou reação contrária das big techs.

“Quando a profissão dos atores foi regulamentada há 45 anos não existia internet. O ator recebia para trabalhar numa novela, numa série, e isso era exibido uma única vez, ia ao ar, e pronto. E hoje em dia, com a internet, o que acontece é que nosso trabalho fica disponível ad infinitum”, refletiu o ator Caio Blat no canal CNN Brasil.

O PL, no entanto, prevê que “os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do conteúdo nacional, regional, local e independente”, deverão ser abordados em uma regulamentação futura.

A PL ainda prevê o pagamento da utilização de conteúdo jornalístico utilizado da mesma forma que já ocorre em outros países.

Comentários