Lei que torna 8 de janeiro o ‘Dia do Patriota’ em Porto Alegre repercute negativamente
Foto: Fernando Antunes/CMPA
Teve forte repercussão em todo o país a promulgação, pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre (RS), da Lei que inseriu o 8 de janeiro como o Dia do Patriota no calendário comemorativo da capital gaúcha, data dos ataques golpistas às sedes do Três Poderes, em Brasília.
O projeto é de autoria do vereador Alexandre Bobadra (PL), que nesta semana perdeu a cadeira por abuso de poder econômico.
O projeto tramitou regularmente em três comissões no Legislativo, mas pelo teor da matéria ter caráter terminativo não precisou passar pelo plenário. Enviado para sanção do Executivo o prefeito Sebastião Melo (PMDB) que poderia vetar, usou da prerrogativa da abstenção, permitindo assim que se transformasse na Lei 13.530.
“É um deboche contra a democracia, um flerte com o autoritarismo e o golpismo ao celebrar um ataque criminoso à Constituição”, proferiu o presidente da Central Única dos Trabalhadores do RS, Amarildo Cenci.
A presidenta do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors), Laura Santos Rocha, disse que é inadmissível que a sociedade gaúcha acolha esta decisão unilateral de comemoração patriótica quando as instituições e os poderes públicos foram duramente atacados, fragilizando a democracia.
“Não podemos acatar esta determinação e esperamos, realmente, que esse projeto de lei deixe de existir. De nossa memória, essa data jamais será apagada mas pela sua representação antidemocrática e antipatriótica”, pontuou a presidenta do Sindjors.
“É uma lei bizarra e afrontosa. Ao aprovar o projeto, a Câmara entrou numa fria. Motivo de gozação e vergonha. Mas a vergonha também pode ser salvadora. Por isso sugiro revogarem essa coisa ofensiva aos brasileiros democratas”, recomenda o jurista Lênio Streck.
A vereadora Karen Santos (PSol) protocolou, nesta sexta-feira, 25, projeto para revogar a lei
O diretor legislativo da Câmara de Vereadores, Luiz Afonso Peres explica que para revogar a lei é necessário outro Projeto de Lei que passe pelas mesmas comissões pelas quais passou a proposição, mas que diferente do que ocorreu, terá de ser votado em plenário, necessitando metade dos votos mais um para ter aprovação.
Ele explica que, pela Lei Orgânica, projetos como datas comemorativas e nomes de rua não precisam ir a plenário, tendo tramitação terminativa nas comissões.
O jurista Lênio Streck concorda que a revogação dessa Lei pela própria Câmara é o melhor caminho. Ele sublinha a exposição de alguns vereadores que permitiram o avanço desta tramitação que passou por três comissões: de Constituição e Justiça, Educação e Cultura e por fim de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana.
Neste percurso das comissões, a matéria avançou com o apoio dos vereadores Mauro Pinheiro (PL), Gilson Padeiro (PSDB), Giovane Byl (PTB), Alvoni Medina (Republicanos) e Cassiá Carpes (PP).
Com relação à judicialização, o jurista pondera uma Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça do RS com arguição de descumprimento de preceito fundamental.
“Vejo, porém, pouca viabilidade jurídica. Isto porque o Direito ainda não pune burrice e estultices”, ironiza. De outro modo, entende que uma ação judicial teria o condão de trazer a discussão para o âmbito dos noticiários e exporia os vereadores. “E isso seria muito bom para que cause vergonha”.
“É difícil conceber que Porto Alegre, conhecida por ser a capital da Legalidade, do Orçamento Participativo, do Fórum Social Mundial, agora tenha um dia dedicado ao golpismo em seu calendário comemorativo. A situação se agrava ao considerar que, entre as muitas questões que uma cidade precisa enfrentar um prefeito escolha manter viva a chama do golpismo”, registrou Any Moraes, integrante da executiva estadual da Marcha Mundial de Mulheres.
A assessoria da OAB/RS informou, por e-mail, que a entidade mantém a posição emitida em 8 de janeiro em que condena os ataques aos Três Poderes, ação que resultou em quase 1,4 mil presos, sendo mais de 100 gaúchos réus no processo, além de ser alvo de uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional.
Em sua passagem pelo legislativo, Bobadra, o vereador bolsonarista recém cassado ficou marcado por protocolar projetos simplórios, como o dia do acarajé e da salada grega entre outros pratos da culinária, efemérides para o calendário da cidade e homenagens a setores da segurança.