Governo recebeu cinco vezes mais lobistas que ONGs em reuniões sobre Reforma Tributária
Foto: Jose Fernando Ogura/AEN-PR
A plataforma Agenda Transparente, desenvolvida pela Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas, apurou e publicou dados que demonstram um imenso fluxo de lobistas junto aos altos escalões do governo federal e divulgou a agenda secreta do Planalto com lobistas da indústria de alimentos.
De acordo com apuração da agência, divulgada por meio da news letter Don’t LAI to me, durante o período de discussão da Reforma Tributária, entre janeiro e outubro de 2023, autoridades do alto escalão do Executivo federal receberam lobistas da indústria de alimentos, bebidas e supermercados em agendas oficiais quase cinco vezes mais do que representantes de associações da sociedade civil organizada ligadas ao setor.
Ao todo, foram 69 registros de agendas com lobistas frente a 14 com integrantes da coalizão Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, integrada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), ACT Promoção da Saúde, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Associação Brasileira de Nutricionistas (Asbran). Houve ao menos 16 tentativas de reuniões da Aliança não atendidas pelo governo.
Além disso, dos 1.810 registros de compromissos que citam o tema da Reforma Tributária na descrição, entre janeiro e outubro deste ano, 22% (390) ocorreram em junho. Aquele mês antecedeu a aprovação da PEC 45/2019 na Câmara dos Deputados. Outros 18% (326 encontros) ocorreram em março.
“Metade das reuniões de órgãos do governo federal com lobistas em março envolveram agentes da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) ou da Associação Brasileira da Indústria e Comércio de Ingredientes e Aditivos para Alimentos (ABIAM). A Reforma Tributária mobilizou o setor devido à proposta de sobretaxar produtos nocivos à saúde, como é o caso de ultraprocessados”, aponta o Fiquem Sabendo.
Os dados fazem parte do primeiro relatório do projeto Lobby na Comida,lançado pela FS no dia 30, em debate com especialistas no tema representando a imprensa e o terceiro setor.
O estudo de caso problematiza a relação entre representantes de grandes corporações do setor de alimentação e o poder público, com destaque para o embate entre interesses empresariais e saúde coletiva na elaboração de políticas de segurança alimentar e nutricional quando evidências científicas revelam doenças provocadas pelo consumo de ultraprocessados. O projeto Lobby na Comida tem apoio dos institutos Ibirapitanga e Serrapilheira.
Confira os destaques dos achados no gráfico produzido pela Gênero e Número a partir dos dados da Agenda Transparente:
Arte: Gênero e Número/ Divulgação
Arte: Gênero e Número/ Divulgação
Sem atas nem registros
No projeto Lobby na Comida, foram feitos ainda 13 pedidos de informação com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) solicitando atas, vídeos e outros registros de reuniões realizadas com agentes privados que representam as indústrias de alimentos, bebidas e supermercados, encontrados via Agenda Transparente, além de registros de entrada na Câmara e no Senado.
A justificativa-padrão adotada pelo Ministério da Fazenda, comandado pelo ministro Fernando Haddad, e pelo MDIC, chefiado pelo ministro e vice-presidente da República Geraldo Alckmin, é de que o órgão “não detém ou produz esse material em reuniões”.
A Câmara dos Deputados primeiro negou a concessão da informação com base na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que foi a mesma justificativa usada na resposta do Senado Federal ao negar o fornecimento dos registros de entradas.
No entanto, a Câmara indicou em sua resposta à agência que “poderão ser fornecidos os registros de acesso às dependências da Câmara dos Deputados de pessoas nominalmente identificadas. Para tanto, é necessário encaminhar uma nova solicitação por meio de sua página pessoal do Fale Conosco no Portal da Câmara, informando o(s) nome(s) e o(s) CPF(s) do(s) visitante(s)”.
A partir de buscas em bases de dados públicas, a Fiquem Sabendo informou o nome e CPF dos lobistas mapeados e incluído no recurso. A resposta: no período indicado, houve somente um registro de entrada de João Galassi, representante da Abras, no dia 05 de julho, uma quarta-feira, no Anexo IV, no gabinete do deputado federal Coronel Ulysses (União-AC).
Essa reunião ocorreu às vésperas da votação da Reforma Tributária em primeiro turno na Câmara dos Deputados, o que ocorreu na noite do dia seguinte, quinta-feira, 6 de julho.
Nos dois turnos, Coronel Ulysses votou contra a Reforma, que foi aprovada por 382 deputados no primeiro turno e por 375 no segundo. Policial militar da ativa, o deputado federal acreano pretende se candidatar à prefeitura de Rio Branco nas eleições municipais de 2024.
*Com informações da Fiquem Sabendo.