Repercussão negativa esvazia pedido de CPI contra padre Júlio Lancellotti
Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil
Pelo menos sete vereadores que assinaram o requerimento para a “CPI das ONGs” da Câmara de Vereadores de São Paulo retiraram seus nomes após a lista depois que suas identidades foram expostas publicamente. Na quinta-feira, 4, quatro vereadores anunciaram a desistência e outros três nomes informaram, na tarde desta sexta-feira, 5, que também voltaram atrás e não querem mais a CPI.
Após a forte repercussão do requerimento para que o padre Júlio Lancellotti e seu trabalho de assistência da população em situação de rua na capital paulista fossem investigados, os parlamentares alegaram que foram enganados pelo autor da iniciativa e recuaram.
Vereadores que retiraram apoio ao pedido de CPI
Dos 23 vereadores que inicialmente apoiavam o requerimento, restaram apenas 16 na tarde desta sexta-feira, 5, mas novas desistências não estavam descartadas.
Já desistiram Thammy Miranda (PL), Sandra Tadeu (União Brasil), Xexéu Tripoli (PSDB), Sidney Cruz (Solidariedade), Milton Ferreira (Podemos), Nunes Peixeiro (MDB) e Beto Social (PSDB). A desistência de sete nomes inviabiliza a votação. Pelo regimento da Casa, são necessários pelo menos 19 assinaturas para ir a plenário.
O filho da Gretchen
Thammy Miranda, filho da cantora Gretchen, chegou a fazer uma live para “esclarecer” o ocorrido. Ele chegou a ser um dos trend topics das redes sociais, sendo questionado fortemente por pessoas que lembraram que uma vez o padre já o defendeu contra ataques transfóbicos.
O vereador voltou atrás e alegou que jamais assinaria um requerimento no qual figurasse o padre Lancellotti como suspeito, pois diz respeita e defende sua atuação do religioso.
Miranda deu a entender que a própria mãe o teria acionado, quando relatou que ela teria registrado que nas redes uma corrente para ampliar as doações para as obras sociais do padre circulavam fortemente na internet.
Recuo geral
A tendência é cair ainda mais o número de assinaturas diante da repercussão negativa. Até o vice-presidente da Câmara de Vereadores, João Jorge (PSDB) disse que a casa não quer brigar com a Arquidiocese de São Paulo.
Ele se diz contrário à CPI. Só que seis dos oito votos que endossam a proposta são da bancada do PSDB.
A manifestação de Jorge se deu após a Arquidiocese ter emitido uma nota na qual se diz perplexa e salienta que o padre Lancellotti “exerce importante trabalho de coordenação, articulação e animação dos vários serviços pastorais voltados ao atendimento, acolhida e cuidado das pessoas em situação de rua na cidade”.
O clima na Câmara está pesado desde que o vereador Rubinho Nunes (União), autor do pedido de CPI, como presidente de Frente Parlamentar em Defesa do Centro, convocou o padre para esclarecer seu trabalho na Cracolândia.
Com seis vereadores, o PSol diz que vai intensificar seus questionamentos sobre a política para a população de rua do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Nunes conta com o apoio de Rubinho para a reeleição.
O PT, com oito parlamentares, prometeu obstruir a proposta de CPI e registrou em nota que a ideia do requerimento é uma perseguição ao padre “símbolo da luta pelos direitos humanos, que tem sido uma voz incansável na defesa dos mais vulneráveis”.
Solidariedade a Lancellotti
O padre Júlio Lancellotti disse que está recebendo mensagens de apoio do Brasil inteiro e que seu telefone está “atolado”. “Ontem à noite (dia 4), o ministro Alexandre de Moraes me ligou, eu fiquei muito sensibilizado com essa ligação. Ele manifestou solidariedade, apoio”, registrou o religioso.
Lancellotti diz conhecer o ministro do STF há mais de 30 anos e que o magistrado afirmou que irá fazer contato com o presidente da Câmara, o vereador Milton Leite (União).
O padre ressaltou que vem recebendo inúmeras manifestações de solidariedade nas redes sociais, de artistas, líderes sociais e parlamentares de outros estados.
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), também manifestaram apoio ao religioso, além da Comissão de Direitos Humanos da OAB e do Ministério dos Direitos Humanos.
Vereador que pediu CPI gastou R$ 1,09 milhão em festas
Foto: André Bueno / Rede Câmara
Rubinho Nunes foi denunciado em 2022 pelo site The Intercept por ter destinado R$ 1,09 milhão em emendas parlamentares para a realização de três eventos do Instituto Mensagem de Paz: a Festa da Paz, Tô de Volta 01 e o Aviva Music 2.
Ao contrário do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto que o vereador elenca em sua proposta de CPI por ser, na sua opinião, próximo da atuação do padre Lancellotti, o Mensagem de Paz é um instituto privado que, apesar de se dizer católico, não tem qualquer relação com a hierarquia da Igreja Católica no país.
Tanto o instituto quanto a empresa Elous Organização e Promoção de Eventos são registrados em nome do empresário Fernando Batista.
Os dois CNPJs dividiram a verba destinada pelo vereador. O Mensagem da Paz ficou com R$ 700 mil e a Elous, com R$ 390 mil.
Tanto o instituto quanto a empresa de eventos foram denunciados pelo colega de Rubinho, o vereador Fernando Holiday (União) por ter participado de um esquema de desvio de verbas públicas entre 2018 e 2020.
O MBL e Mamãe Falei
Rubinho Nunes é um dos fundadores do MBL, mas desde 2022 diz não integrar mais o movimento.
Ele tem vínculos com o ex-deputado estadual de São Paulo Arthur do Val, o Mamãe Falei, (União) cassado por unanimidade em 2022.
O então chefe de gabinete de Nunes, o advogado Paulo Henrique Franco Bueno, defendeu Val na ocasião.
Não adiantou. Mamãe Falei foi o primeiro deputado de São Paulo cassado após 23 anos, depois que áudios de seu WhatsApp foram vazados.
Ele que fez uma viagem à Ucrânia dizia para amigos que as refugiadas daquele país eram lindas e “fáceis porque são pobres”.
Rubinho Nunes segue a linha de do Val que em 2020 também atacou o padre Lancellotti na tentativa de viabilizar sua candidatura a prefeito de São Paulo.
Com os mesmos argumentos, do Val chegou a chamar o sacerdote de “cafetão” da pobreza, foi condenado pela Justiça Eleitoral por difamação e teve que apagar suas publicações.
Nunes não respondeu aos pedidos de entrevista do Extra Classe. Ele tem seis telefones no gabinete, mas nem o parlamentar nem seus assessores atendem as ligações. Eles também não responderam às indagações feitas por e-mail.