POLÍTICA

Regulamentação do streaming no Brasil cria guerra de contradições

Propostas de taxação de plataformas de streaming para financiar a produção audiovisual brasileira ganha guerra de narrativas contraditórias entre bolsonaristas do Senado e da Câmara
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 28 de maio de 2024
Regulamentação do streaming no Brasil cria guerra de contradições

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Audiência pública do Conselho de Comunicação Social (CCS) no dia 6 tratou sobre a Regulação dos Serviços de Streaming

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Cada vez mais presente na vida do país, serviços de streaming fomentam no momento guerras de versões e manifestações de apoio e repúdio nas duas casas do parlamento brasileiro (Câmara e Senado). Se na câmara alta, o senador bolsonarista Eduardo Gomes (PL/TO) conseguiu aprovar seu relatório na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), proposição mais antiga que está em discussão entre os deputados é acusada falsamente pela bancada bolsonarista de PL da Globo.

Os dois Projetos de Lei (PL) – o 8.889/2017 da Câmara e o 2.331/2022 do Senado – seguem a lógica de taxação de grandes grupos para contribuir no fomento de produções nacionais.

Nas internas do parlamento, os relatores dos PLs, o senador Gomes e o deputado André Figueiredo (PDT/CE), operavam uma disputa para ver quem aprovava a matéria primeiro. A tendência legislativa dá prevalência a um texto já aprovado em uma das casas legislativas sobre uma proposta que tramita.

Gomes saiu na frente e seu texto segue para avaliação da Câmara. No entanto, assim, como o deputado Figueiredo, o senador enfrentou uma série de pressões, tanto das plataformas quanto do próprio governo.

Fake news

Regulamentação do streaming no Brasil cria guerra de contradições

Foto: Reprodução

Eduardo Bolsonaro (PL/SP) chegou a dizer que o PL 8.889/2017 tem o objetivo de “incentivar minorias”, dando a senha para os seguidores de seu pai, inclusive Van Hatten, espalhar a mentira de que a ideia seria “doutrinar as pessoas com conteúdo de esquerda”

Foto: Reprodução

Nada perto das já tão conhecidas fake news que inundam todas as camadas sociais do Brasil.

A proposição relatada por Figueiredo, de autoria do então deputado Paulo Teixeira (PT/SP), hoje ministro do Desenvolvimento Agrário de Agricultura Familiar do governo Lula recebeu uma série de ataques de parlamentares bolsonaristas e sua claque.

Entre elas um vídeo do deputado federal Marcel Van Hatten (Novo/RS) no qual ele afirmava que o PL 8.889/2017 seria “um projeto de lei da TV Globo para taxar quem usa rede social” e que estabelece um “imposto pra quem usa o Instagram, o Face, o X, o YouTube”.

Segundo o parlamentar, que foi desmentido por agências de checagem, o “dinheiro desse imposto vai para financiar ainda pautas da esquerda do PT na área da cultura”.

Van Hatten não está sozinho neste tipo de ataque à PL relatada por Figueiredo.

A extrema direita em seu conjunto subiu nas redes sociais a tag PL da Globo, não e fez uma enxurrada de mentiras e desinformação sobre o projeto.

Entre as mentiras, a recorrente ideia de que na proposta há embutidas tentativas de censurar a “livre expressão” da cidadania nacional.

Eduardo Bolsonaro (PL/SP) chegou a dizer que o PL 8.889/2017 tem o objetivo de “incentivar minorias”, dando a senha para os seguidores de seu pai, inclusive Van Hatten, espalhar a mentira de que a ideia seria “doutrinar as pessoas com conteúdo de esquerda”.

Regulação das plataformas

Regulamentação do streaming no Brasil cria guerra de contradições

Imagem: Reprodução

A ideia é que as empresas de streaming paguem a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) que foi criada em 2001

Imagem: Reprodução

O PL 8.889/2017 regulamenta plataformas e serviços de consumo de filmes, séries, e vídeos pela internet, o chamado conteúdo audiovisual por demanda (CAvD).

Netflix, AppleTV, Amazon Prime Video, Globoplay, YouTube e TikTok estão entre as empresas que trabalham com CAvD e que seriam atingidas pela lei.

A ideia é que as empresas de streaming paguem a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) que foi criada em 2001 para cobrar a veiculação de obras audiovisuais da mesma forma que emissoras de TV por assinatura já pagavam.

O dinheiro recolhido se destina ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para o financiamento de ações de fomento ao setor.

Para a pesquisadora coordenadora do Direito à Comunicação e Democracia (DiraCom) e conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil,  Bia Barbosa, há nítida má-fé por parte de políticos que distorcem o teor do projeto do streaming.

Segundo ela, é um método para fazer uma confusão proposital entre o PL 8.889/2017 e o PL 2630, de regulação das redes sociais.

Bia é categórica: Não existe semelhança e se está aproveitando a ocasião “para reforçar o discurso contra a regulação de plataformas, que interessa muito a atores que fazem uso político das redes ultrapassando muitas vezes os termos de uso e até incorrendo em violações de direitos”, afirma.

Contra na Câmara, a favor no Senado

Para se ter uma ideia do tamanho do estrago causado, o vídeo de Van Hattem que foi publicado em 14 de maio chegou a acumular 2,7 milhões de visualizações em dez dias.

No mesmo dia da publicação do vídeo, o relator Figueiredo solicitou a retirada do PL da pauta por falta de consenso entre os parlamentares.

O problema é que uma taxação para as grandes plataformas de streaming como Netflix, Prime e Amazon também está presente na proposição relatada e aprovada no Senado exatamente por um bolsonarista. O detalhe da taxação é que tem alimentado os argumentos dos bolsonaristas de que o PL beneficiaria a Globo.

Aprovado por unanimidade na CAE no último dia 22 de maio, o PL 8.889/2017 foi uma proposição do também bolsonarista Nelsinho Trad (PSD-MT).

O projeto determina que empresas de streaming e VoD (Vídeo Sob Demanda) que tenham faturamento anual acima de R$ 96 milhões paguem 3% à Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine).

Já as que faturam de R$ 4,8 milhões a R$ 96 milhões, segundo o PL do Senado recolherão a metade, 1,5%. Empresas com arrecadação menor do que R$ 4,8 milhões estarão isentas.

O PL aprovado ainda prevê que a Condecine tenha a alíquota reduzida para a metade quando uma empresa tiver pelo menos metade do seu conteúdo com produções nacionais.

Incentivo para empresas nacionais

Já a proposição do então deputado Teixeira diz que a contribuição terá uma alíquota máxima de 6% sobre a receita bruta das plataformas e que este índice pode se reduzir à metade, 3%, se a empresa usar o valor devido em conteúdos nacionais.

A lógica servirá para provedores de TV por aplicação de internet e plataformas de compartilhamento de conteúdos audiovisuais, como o Youtube.

Para plataformas com ao menos 50% do seu catálogo composto por conteúdos brasileiros, o valor da alíquota cai pela metade, passando para 3%.

O imposto pode zerar no caso as plataformas invistam o valor da alíquota na produção de conteúdo audiovisual nacional, capacitação de mão de obra voltada para a cadeia produtiva do Brasil e implantação de infraestrutura para o mercado brasileiro.

Vem daí a gritaria dos bolsonaristas na Câmara. Mas, se é o caso do serviço de streaming do Grupo Globo, o Globoplay, também é o caso do PlayPlus, da Rede Record.

Segundo analistas, o PL que tem oposição dos bolsonaristas, poderia incentivar o surgimento de outras plataformas nacionais que não conseguem competir com as grandes multinacionais. Um exemplo é do SBT e da própria Record que penam para manter suas plataformas.

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