Lula recria comissão sobre mortos e desaparecidos da ditadura
Foto: Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência/GOV SP
Apesar de ser considerado um tema controverso na relação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os militares, o governo federal recriou a Comissão Especial sobre Mortos Desaparecidos Políticos (CEMDP). Por meio de despacho publicado no Diário Oficial da União, na semana passada, o presidente Lula, declarou a continuidade dos trabalhos do colegiado interrompidos em 30 de dezembro de 2022, no apagar das luzes do governo Jair Bolsonaro. A tretomada se dá depois de um ano e meio de reivindicações de entidades de direitos humanos e ligadas às famílias das vítimas.
“A recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos é um importante passo na garantia da memória, da verdade e da justiça. Com a reconstituição da comissão, terão continuidade os trabalhos ilegalmente interrompidos pela gestão anterior de buscas e identificação das pessoas mortas e desaparecidas. Agora, após a posse dos integrantes, serão definidos os detalhes de funcionamento, calendário de atividade e plano de trabalho”, antecipa o ministro Silvio Almeida.
Criada há quase trinta anos, instituída pela Lei nº 9.140/1995, a Comissão Especial já foi responsável por reconhecer os desaparecidos políticos, avançar em buscas em áreas como Araguaia, Rio de Janeiro e Foz do Iguaçu, dar continuidade aos trabalhos de identificação de Perus, além de retificar assentos de óbito em cumprimento ao Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, que atuou entre 2012 e 2014.
Presidirá a comissão Eugênia Augusta Gonzaga, que entra na vaga anteriormente ocupada por Marco Vinicius Pereira de Carvalho, um dos responsáveis pelo encerramento da Comissão. Ela é procuradora da República e tem atuação na área de direitos humanos. Também é membro Maria Cecília de Oliveira Adão, na vaga anteriormente ocupada por Paulo Fernando Melo da Costa. Ela já atuou como Pesquisadora Sênior na Comissão Nacional da Verdade (CNV/PR) e como consultora da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O representante do Ministério da Defesa será Rafaelo Abritta, na vaga anteriormente ocupada por Jorge Luiz Mendes de Assis. E completa a lista, Natália Bastos Bonavides, representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, na vaga anteriormente ocupada por Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro.
Entenda
Em 2019, o ex-presidente Jair Bolsonaro já havia alterado a composição de quatro das sete cadeiras da Comissão uma semana depois do colegiado publicar o reconhecimento de que morte de Fernando Santa Cruz, ativista de esquerda desaparecido durante a ditadura, foi causada pelo Estado.
Indicação de Bolsonaro, ao assumir a presidência da comissão, o advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho, então filiado ao mesmo partido político de Bolsonaro, declarou que encerraria os trabalhos do órgão em nome da “reconciliação nacional”.
Retomada
O decreto restabelece a comissão nos mesmos moldes previstos de quando foi criada, em 1995, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, primeira gestão de Lula, a comissão especial passou a examinar e reconhecer casos de morte ou desaparecimento ocorridos até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. E, em 2004, os critérios para reconhecimento das vítimas da ditadura militar foram ampliados para reconhecer pessoas mortas por agentes públicos em manifestações públicas, conflitos armados ou que praticaram suicídio na iminência de serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de torturas.
De acordo com o governo federal a movimentação para a recriação iniciou em 2023, quando Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania adotou medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento da comissão. O Ministério Público Federal também recomendou a reinstalação considerando que a extinção da comissão ocorreu de forma prematura, já que existem casos pendentes de vítimas, incluindo os desaparecimentos da Guerrilha do Araguaia e as valas encontradas nos cemitérios de Perus, em São Paulo, e Ricardo Albuquerque, no Rio de Janeiro.
Em julho do ano passado, a Coalizão Brasil por Memória Verdade Justiça Reparação e Democracia, grupo formado por dezenas de entidades de defesa dos direitos humanos, já havia cobrado do governo federal ações efetivas de políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação.
Até hoje, existem 144 pessoas desaparecidas na ditadura militar.