Revelações sobre cúpula do golpe impactam relações entre civis e militares
Fotos: Agência Brasil
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A recente operação da Polícia Federal (PF) que trouxe à tona detalhes inéditos sobre os atos antidemocráticos para manter Jair Bolsonaro (PL) na presidência da República coloca o país em um momento crítico e decisivo na opinião do historiador Paulo Ribeiro da Cunha e dos juristas Antônio Carlos de Almeida Castro e Gisele Guimarães Cittadino.
Seja pela análise detalhada da Professora Associada da PUC-Rio e sócia fundadora da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), pelo otimismo cauteloso de Castro, mais conhecido como Kakay, criminalista de renome, ou pela visão histórica de Cunha, o consenso é claro: em jogo o aprimoramento ou não da democracia no Brasil.
Revelações recentes da PF que mostram um plano em curso para o assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), fizeram o experiente Kakay até rever posicionamentos que sempre teve arraigados.
“Eu era contrário, como advogado, à prisão nesse momento, porque sempre definia que não tem contemporaneidade em casos como esse. Porém, tendo em vista a gravidade enorme do que li ontem, eu acho que é motivo, sim, de prisão preventiva. E é quase inexplicável que esse general que foi preso ontem fique na cadeia e não esteja na cadeia aqueles superiores a ele, que participaram dessa trama como um todo”, declara.
Para o criminalista, é um momento grave da história do Brasil e pessoas que tiveram e que ainda têm muito poder certamente estão se articulando. “Devem estar à beira da exaustão e do desespero. Imagina um ex-presidente da república sabendo que a possibilidade de ele ser preso é enorme”, avalia Kakay.
Bolsonarismo em desespero
Gisele Cittadino vê o bolsonarismo em franco desespero. Para a professora da PUC-Rio isto ficou demonstrado na recente manifestação do filho 01 do ex-presidente, o senador Flavio Bolsonaro (PL/RJ), que pediu urgência para uma anistia geral para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, incluindo para o seu pai e até para o ministro Alexandre de Moraes, considerado por ele um criminoso.
O mesmo Flávio Bolsonaro, um dia após, lembra Gisele, chega a sugerir na plataforma X que Lula forjou um plano de morte contra si.
Isso, além de o senador também ter sugerido que somente cogitar a morte de uma pessoa não seria crime, para ela reforça o descontrole do bolsonarismo.
Sobre o plano contra Moraes, Gisele reforça que houve, sim, o início da execução. Segundo ela, agentes já estavam prontos para sequestrar e explodir o ministro. Foram impedidos apenas por circunstâncias fortuitas. “Dizer que não há nenhum ato executório é uma loucura. Eles estavam a poucos metros da casa do ministro. Ele correu um seríssimo risco de vida.”
Etapa para pacificar o país
Kakay elogiou o trabalho técnico da PF. Em especial na operação que culminou na prisão de um general e outros militares de alta patente envolvidos, além de um membro da própria PF.
Ele destaca a importância do relatório final da PF sobre os eventos de 8 de janeiro que, em sua opinião não deve incluir somente o indiciamento de Bolsonaro, do seu núcleo duro, militares de alto escalão.
Para Kakay, o relatório será essencial para responsabilizar os envolvidos e pacificar o país: “Enquanto as coisas não acontecerem, essas pessoas que ainda têm poder continuarão se articulando. Com certeza têm aí, senadores, deputados e financiadores de tudo o que aconteceu após a eleição de 2022”, declara.
“Eu tenho dito há muito tempo que o país só vai ser pacificado com o relatório sobre o 8 de janeiro, porque após a entrega dele é que nós podemos de fato cobrar o Procurador Geral da República (Paulo Gonet) para a formalização de uma denúncia criminal”, lembra Kakay.
Gisele acredita firmemente que o processo legal será respeitado e que o Procurador-Geral da República (PGR) apresentará denúncia contra Jair Bolsonaro pela tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Ela destaca que crimes como esse são complexos porque envolvem múltiplos agentes. Gisele destaca que o tempo da Justiça não é igual ao tempo da política.
“Claro que tem muita gente já querendo ver essa gente condenada e presa, mas o
processo exige análise minuciosa de provas e o rigor do direito, que segue um tempo diferente do da política.
Um marco nas relações civis-militares
O historiador Paulo Ribeiro da Cunha é professor da Unesp e especialista em história dos militares no Brasil.
Ele acredita que, se as investigações e punições contra cerca de 40 militares, incluindo generais e Bolsonaro, forem até o fim, o Brasil poderá alcançar uma mudança histórica nas relações civis e militares.
Cunha compara os eventos atuais a episódios passados, como planos de assassinatos de Juscelino Kubitschek e João Goulart, o Jango.
A possibilidade de punições agora poderia romper o padrão de impunidade que sempre poupou as altas patentes e militares de direita, enquanto punia apenas “bagrinhos” e militares progressistas.
Ele destaca que os fatos recente já sepultaram a proposta de anistia para os atos de 8 de janeiro e que isso indica um avanço no enfrentamento à cultura de impunidade.
Cunha vê o momento como um divisor de águas, com potencial para redefinir as relações civis e militares e impor um novo paradigma de responsabilização, especialmente diante da gravidade das provas e da tentativa de implementar uma ditadura por meio de violência extrema.
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