POLÍTICA

Legalização de cassinos, bingos e jogo do bicho pode ser votada até quarta no Senado

Parlamentares contrários ao texto afirmam que o projeto pode incentivar o vício em jogos, prostituição e crimes, como lavagem de dinheiro e tráfico
Por César Fraga / Publicado em 3 de dezembro de 2024
Senado pode votar legalização de cassinos, bingo e jogo do bicho nesta quarta

Foto: Leonardo Sá/Agência Senado

O projeto de legalização de cassinos, bingos e jogo do bicho, se aprovado no Congresso, deverá ser sancionado sem vetos pelo presidente Lula

Foto: Leonardo Sá/Agência Senado

Está na pauta do Senado a votação em Plenário do projeto de lei que autoriza o funcionamento de cassinos e bingos no Brasil, legaliza o jogo do bicho e permite apostas em corridas de cavalos. O texto, colocado na pauta pelo presidente da casa Rodrigo Pacheco, deve ser votado até quarta-feira, 4. Também estão na pauta projetos sobre: incentivos a produtores de cana-de-açúcar para biocombustíveis; penas para quem facilita o turismo sexual; e defesa cibernética. A sessão está marcada para as 14h. O texto põe fim a uma proibição, prevista numa lei de 1946, à exploração de jogos de azar em todo o território nacional.

PL 2.234/2022 (PL 442/1991 na Câmara) foi apresentado em 1991 pelo então deputado federal Renato Vianna. Aprovado pela Câmara mais de 30 anos depois, em 2022, o projeto foi enviado ao Senado, onde foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em junho de 2024. A inclusão na pauta do Plenário era uma reivindicação de parlamentares, justificou Pacheco.

“É algo que já veio da Câmara, conta com apoio do governo, apoio de diversos segmentos. E o Senado precisa decidir se aprova ou não. Por isso, diversos senadores pediram, na reunião de líderes, que possa ser submetido ao Plenário, até porque já foi apreciado pela CCJ”, explicou Pacheco em entrevista na última semana.

Já o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou em junho passado, que o Palácio do Planalto não tem uma posição definida sobre o projeto. Mesmo assim, o presidente Lula (PT) teria sinalizado que não deve vetar a proposta, caso ela receba aval do Congresso.

Parlamentares contrários ao texto afirmam que o projeto pode incentivar a ludopatia (vício em jogos) e crimes, como lavagem de dinheiro, tráfico e prostituição.

O projeto prevê a criação de dois impostos cuja arrecadação será compartilhada com estados, Distrito Federal, municípios, a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e fundos de esporte e cultura.

De acordo com o relator, senador Irajá (PSD-TO), os vários tipos de jogos atualmente considerados ilegais teriam movimentado algo entre R$ 14,3 bilhões e R$ 31,5 bilhões em 2023. A estimativa considerou como base dados do ano de 2014 com a atualização da inflação. Com a legalização, haveria arrecadação por parte do governo.

As regras previstas são específicas para diferentes tipos de jogos. De acordo com o relator, ao estabelecer limites de quantidade numérica para os estabelecimentos comerciais que podem oferecer cassinos, bingos e jogos do bicho, o projeto “facilita a fiscalização pelo Ministério da Fazenda e permite o maior controle do Estado de eventuais externalidades negativas”.

O texto autoriza a instalação de cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer, sob o limite de um cassino em cada estado e no Distrito Federal, com exceção de São Paulo, que poderia ter até três cassinos, e de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará, nos quais o limite previsto para cada estado é de dois cassinos. De acordo com a proposta, também poderão funcionar casas de jogos em embarcações marítimas e fluviais, que seguirão regras específicas. O cassino deverá comprovar capital social mínimo integralizado de, pelo menos, R$ 100 milhões e poderá ser credenciado por 30 anos.

A proposição também estabelece regras para o jogo de bingo em modalidades de cartela e eletrônica, e permite em cada estado o credenciamento de uma pessoa jurídica a cada 700 mil habitantes para a exploração do jogo do bicho. Nesse caso, as autorizações terão validade de 25 anos, renováveis por igual período. As corridas de cavalos poderão ser exploradas por entidades turfísticas (ligadas ao turfe) credenciadas no Ministério da Agricultura, que também poderão explorar, ao mesmo tempo, jogos de bingo e videobingo.

Em seu relatório, Irajá afastou como “conceito jurídico indeterminado” o da ofensa à moral e aos bons costumes, usado como argumento contra os jogos de azar, e destacou que o projeto trata de passar ao controle do Estado uma prática que hoje constitui contravenção. Citando estatísticas sobre o mercado de apostas legais ou ilegais, Irajá conclui que “os jogos de azar já constituem uma atividade econômica relevante”. O relator rejeitou as emendas oferecidas pelos senadores e ofereceu emenda de redação substituindo as menções a “Ministério da Economia” por “Ministério da Fazenda”.

Quando submetido à CCJ, em junho deste ano, a aprovação foi apertada. Votaram a favor 14 deputados contra 12 não favoráveis.

A FAVOR

  1. Sergio Moro (União-PR)
  2. Marcelo Castro (MDB-PI)
  3. Jayme Campos (União-MT)
  4. Cid Gomes (PSB-CE)
  5. Weverton (PDT-MA)
  6. Omar Aziz (PSD-AM)
  7. Angelo Coronel (PSD-BA)
  8. Irajá (PSD-TO)
  9. Fabiano Contarato (PT-ES)
  10. Rogério Carvalho (PT-SE)
  11. Ana Paula Lobato (PDT-MA)
  12. Jaques Wagner (PT-BA)
  13. Ciro Nogueira (PP-PI)
  14. Tereza Cristina (PP-MS)

CONTRA

  1. Oriovisto Guimarães (Podemos-PR)
  2. Marcos do Val (Podemos-ES)
  3. Plínio Valério (PSDB-AM)
  4. Izalci Lucas (PL-DF)
  5. Alessandro Vieira (MDB-SE)
  6. Flávio Bolsonaro (PL-RJ)
  7. Carlos Portinho (PL-RJ)
  8. Marcos Rogério (PL-RO)
  9. Magno Malta (PL-ES)
  10. Janaína Farias (PT-CE)
  11. Vanderlan Cardoso (PSD-GO)
  12. Esperidião Amin (PP-SC)

Tema marcado por divergências

Em agosto passado, a sessão de debates temáticos do Senado sobre o projeto foi marcada pela divergência entre os participantes. Enquanto representantes do governo e da indústria de turismo e eventos, além do relator da matéria, defenderam a aprovação da proposta, com o argumento da geração de emprego e renda no país, outros senadores e debatedores alertaram para o risco de a atividade ser usada pelo crime organizado na lavagem de dinheiro e agravar o vício em jogos, a ludopatia. A sessão ocorreu nesta quinta-feira (8), no Plenário.

Na avaliação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a matéria (PL 2.234/2022) é abrangente e complexa. Por um lado, busca regulamentar atividades que estão há mais de 30 anos na ilegalidade, gerando arrecadação ao Estado; por outro lado, desperta preocupações legítimas da sociedade em relação à ludopatia e suas consequências na saúde mental e financeira da população, ponderou Pacheco. Para ele, o Senado precisa analisar todas as facetas da proposta considerando os impactos para a sociedade brasileira. 

“Devemos avaliar cuidadosamente eventuais benefícios, como geração de empregos e receitas para o Estado brasileiro, mas também os riscos e desafios, incluindo prevenção da lavagem de dinheiro e combate ao crime organizado, além do problema social e de saúde pública relativo à ludopatia”, ressaltou o senador. 

O relator alegou que países que já regulamentaram os jogos e apostas cresceram socialmente e economicamente após a decisão. Na opinião dele, é estratégico e necessário buscar colocar o país na rota do turismo no mundo, “dizendo não ao jogo ilegal e clandestino” e impondo limites, regras e fiscalização. 

“Se nós compararmos com o G20, que são os países das 20 maiores economias mundiais, em que o Brasil é a oitava maior economia hoje, apenas a Indonésia e o Brasil ainda não legalizaram os jogos e as apostas. Até a Arábia Saudita, que é um país muçulmano, o fez agora, recentemente; um país com restrição quase absoluta. Nem bebida alcoólica se admite vender na Arábia Saudita, para vocês terem uma ideia. E eles também fizeram a regulamentação dos jogos e das apostas responsáveis”, comparou Irajá. 

Hoje o Brasil recebe anualmente cerca de 6 milhões de turistas estrangeiros, ficando atrás de países da América Latina como a Argentina, que recebe 7,4 milhões turistas por ano. Os defensores da legalização dos jogos argumentam que o turismo brasileiro ganharia importante impulso.

Segundo o secretário nacional de Infraestrutura, Crédito e Investimentos do Ministério do Turismo, Carlos Henrique Sobral, a expectativa, caso a proposta se torne lei, é que o Brasil gere mais de 650 mil empregos com a atividade e tenha um incremento de R$ 74 bilhões na receita. 

“Vamos ter um investimento de R$ 66 bilhões, mais de 1.000% de aumento de investimento. E o PIB, de 8%, nós chegaremos a 9,2% ou talvez aos dois dígitos, que é a nossa meta. A tendência é, com esses destinos com resort integrado, atingir desenvolvimento econômico, sendo emblemáticos Las Vegas, Macau e Singapura”, pontua. 

Ludopatia, suicídio e outras consequências

Outros participantes do debate se colocaram contrários à legalização. Para o senador Eduardo Girão (Novo-CE), a matéria é nociva para a sociedade por “devastar completamente” valores e princípios dos cidadãos. Ele chamou de falácia as expectativas de crescimento do turismo com a autorização da atividade de jogos e citou pesquisa feita nos Estados Unidos, pelo professor Earl Grinols, indicando que a cada U$ 1 tributado com o jogo, foram gastos pelo Estado U$ 3 com as consequências sociais geradas a partir da autorização da jogatina. 

Ele ainda citou pesquisa do Datafolha mostrando que os beneficiários do programa Bolsa Família já destinam cerca de R$ 100 para realizar apostas esportivas de cota única, as chamadas bets, já autorizadas e regulamentadas no Brasil. Para o senador, o projeto vai estimular ainda mais o vício em apostas, comprometendo a saúde mental e financeira dos brasileiros.  

“Vocês sabem o que é que acontece com o suicídio em relação a jogo de azar? Os índices são 12 vezes maiores nas pessoas que têm o vício da ludopatia. A ludopatia é o grande faturamento: cerca de 40% do faturamento dos cassinos são dos ludopatas. Como é que eles vão abrir mão disso? Não vão! Isso é para inglês ver. Isso é o faturamento. O que está aqui em jogo é dinheiro”, protesta.

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e o pastor Silas Malafaia manifestaram a mesma preocupação. Eles ainda alertaram para o risco das facções criminosas e bicheiros usarem recurso gerado por meio de atividades ilegais e da criminalidade para “lavar dinheiro” na atividade regulamentada. A falta de estrutura para fiscalização e controle no Brasil também foi citada. 

“O que mais me traz para este debate é a questão da corrupção, da lavagem de dinheiro. Temos notas técnicas da PGR [Procuradoria-Geral da República] e da PF, de 2017, que apontavam essa preocupação. Acho que elas ainda têm validade e podemos voltar a perguntar a esses órgãos se eles mudaram a posição, se o Brasil melhorou os seus órgãos de controle. Essa preocupação ainda é muito atual”, destacou Damares. 

Avanços e controle 

O senador Irajá informou que a ludopatia e a criminalidade foram levadas em consideração na construção da proposta. Pensando nisso, o projeto estabelece que as apostas serão feitas somente por meio de pagamento via Pix ou cartão na modalidade de débito. Além disso, traz regras para impedir o empréstimo bancário para essa finalidade. 

Sobre a questão da sonegação e lavagem de dinheiro, o relator esclareceu que o método de aposta será passível de auditagem por meio de conta digital, sem permissão para pagamentos em espécie.

Para você participar de um cassino, você precisa abrir uma conta digital com o seu CPF; não é admitida nem a possibilidade de abrir no CNPJ. Todas as apostas que você efetuar, o movimento de apostas e prêmios que você venha a receber, serão transacionados também nessa conta digital na pessoa física. Portanto, todo o processo é passível de auditagem, porque ele tem um lastro, podendo ser fiscalizado pelos órgãos de controle, como a Receita Federal, a Polícia Federal e todos os demais órgãos que desejem, de alguma forma, estabelecer uma relação de transparência com o que está acontecendo nessa movimentação financeira”, explicou o relator. 

Especialista em regulação de jogos e apostas, Leonardo Henrique Benites de Prado disse que o ludopatismo é um problema grave, que deve ter cuidado especial, mas ressaltou que a própria indústria do setor tem se preocupado em auxiliar o Estado a propor uma regulamentação séria, preocupada com a segurança jurídica e com a proteção ao praticante. 

“O problema com a ludopatia atinge uma parcela ínfima da sociedade, e nós não podemos cercear a liberdade da grande maioria porque teremos problema com a minoria. Cerca de 12,5% das pessoas que consomem álcool são alcoólatras. Esse número está muitas vezes maior do que a questão do ludopata”, explica. 

Carroça na frente dos bois

O psiquiatra e professor da Universidade de São Paulo (USP) Hermano Tavares, que estuda o tema há 25 anos, disse que apostar impacta o sistema nervoso central, causando dependência no apostador, da mesma forma que o uso de álcool, cocaína e maconha. Ele informou ainda que, no Brasil, 2,5% da população já sofre com dificuldades relacionadas a apostas ou sofreu em algum momento da vida e criticou que a legalização da atividade venha antes da regulamentação, como foi com as bets. 

“O jogo, a aposta on-line esportiva traz consigo a aposta on-line dos cassinos, o tigrinho, o cavalinho, tudo aquilo que vocês já estão escutando na imprensa. Muito bem, para isso é preciso que a gente tenha a disposição da regulação efetiva. O que acontece? Nós estamos botando a carroça na frente dos bois. Estamos legalizando e deixando para regulamentar depois”, pondera o psiquiatra. 

O secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Régis Dudena, defendeu que o texto assegure a possibilidade de uma regulamentação  responsável e técnica, baseada em dados e evidências e no tempo hábil para que a atividade não venha a se desenvolver sem regras efetivas, como ocorreu inicialmente com a atividade de aposta de cota fixa. 

“Temos questões econômicas gerais que devem ser levadas em consideração, como cuidados à captação da poupança popular. Aqui ainda há cuidados específicos relacionados ao setor e sobretudo em sua interação com outros setores econômicos, principalmente o Sistema Financeiro Nacional. Menciono, por exemplo, o cuidado para combate à lavagem de dinheiro, e há sobretudo questões sociais que devem ser endereçadas com cuidados aos apostadores e ao ambiente onde esse jogo irá se dar”, disse.

Outros participantes — como o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Manoel Cardoso Linhares, e o gerente de Relações Governamentais da Associação Brasileira de Promotores de Eventos (Abrape), Lucas Gabriel Barbosa — elogiaram os ajustes já feitos no relatório. Um deles é a alteração proposta pelo senador Irajá que amplia as possibilidades de instalação de cassinos e bingos nas atuais estruturas hoteleiras do país, desde que adaptados para este fim. 

No texto original, os cassinos deveriam funcionar em complexos integrados de lazer ou embarcações especificamente construídos para esse fim, o que impediria o setor hoteleiro brasileiro de poder participar das futuras concessões dos resorts integrados que serão implantados no Brasil, caso o projeto se torne lei.

“Esse é o inciso que traz como condicionante, para o estabelecimento de cassinos no nosso país, que esses estabelecimentos contem com infraestrutura para o recebimento de eventos nacionais e internacionais, sociais, artísticos e culturais de grande porte para que possam receber a sua outorga. Essa garantia se repete no texto ao falar das embarcações, e aí para eventos de pequeno porte. Mas eu gostaria de dizer que é essa garantia que vai trazer todos os benefícios para a cadeia de eventos; é essa garantia que traz o posicionamento favorável e o entusiasmo do setor de eventos brasileiro com a aprovação do PL 2.234”, acrescentou Lucas Barbosa.  

Depoimento de quem sentiu na carne

O empresário André Rolim, que sofreu com o vício em jogos de azar por 20 anos, deu seu depoimento pessoal na audiência. Ele relatou ter perdido todo o seu patrimônio e, por várias vezes, ter pensado em colocar fim à vida. Na visão do empresário, o Brasil já enfrenta uma “pandemia silenciosa”, na qual o paciente viciado não tem noção da doença que o acomete. 

“Eu deixei de pagar conta de luz para fazer aposta esportiva. Eu deixei de pagar colégio do meu filho para jogar roleta. O bolso do brasileiro é um só. O brasileiro não tem um bolso da aposta, da comida, o bolso do parque, não. O bolso é um só. Ele faz a conta e, se der, vai. Quando a gente está na ativa do vício, ele não faz conta. Eu só queria saber se eu tinha dinheiro para comprar a próxima ficha”, confessou. 

* Com informações da Agência Senado.

 

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