O que está por trás das críticas de Leite aos vetos de Lula no Propag
Foto: Ricardo Stuckert/PR
A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de vetar partes do projeto de renegociação das dívidas dos estados, o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), gerou forte reação de governadores de estados superendividados. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), criticou duramente os vetos do governo Lula ao Propag e tem sua postura questionada por quem o vê querer se posicionar como líder da oposição.
“Ficamos nós, do governo gaúcho, horrorizados com o veto presidencial dos artigos que beneficiam o estado do Rio Grande do Sul. Esse é o termo”, afirmou o vice-governador do Estado, Gabriel Souza (MDB), durante ato de transmissão do cargo de governador ao presidente da Assembleia Legislativa.
Já o governador gaúcho, em férias, se manifestou nas dedes sociais: “Recebemos com extrema preocupação e indignação. Os vetos trazem um prejuízo inaceitável para o povo gaúcho, gerando uma perda de cerca de R$ 5 bilhões dos valores que deveriam ficar aqui para investimentos na reconstrução após as enchentes”.
Para Leite, o governo federal desrespeitou compromissos firmados durante a tramitação do projeto no Congresso. Ele também anunciou uma articulação com a bancada federal gaúcha para tentar derrubar as medidas que considera “inaceitáveis”.
A crítica de Leite se soma a um sentimento generalizado de descontentamento entre os estados em situação financeira mais delicada, que consideram os vetos uma barreira para o equilíbrio das contas públicas e a recuperação econômica.
Por outro lado, há quem interprete a posição mais como uma questão política, ligada à filiação partidária dos governadores, do que a uma preferência pelas regras atuais.
“O sistema que o Brasil tem adotado ao longo das últimas décadas, com as regras da lei de responsabilidade fiscal, contém dispositivos bastante draconianos do ponto de vista fiscal”, afirma o doutor em economia Paulo Kliass, integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
Na opinião do economista, permanecer nas condições atuais seria mais oneroso para os estados do que aderir ao novo programa, mesmo com os vetos. “Aderir ainda é uma situação melhor do que não aderir”, entende Kliass.
Líder da oposição
As declarações de Leite foram alvo de críticas de representantes do governo federal e até dentro do próprio parlamento gaúcho que as consideraram exageradas ou politizadas.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, considerou “deselegante” a postura do governador e sugeriu que Leite poderia ter expressado gratidão ao presidente por medidas que beneficiam o Rio Grande do Sul.
“Poderia ao menos ligar para agradecer ao presidente Lula por zerar os juros da dívida do Estado (que, na época de FHC, eram de 6%) e garantir mais de R$ 55 bilhões para o Rio Grande nos próximos anos”, declarou o ministro.
Há quem questione o tamanho das perdas mencionadas por Leite e o impacto fiscal direto do veto que o governador aponta, deixando de lado os potenciais benefícios do Propag no longo prazo para se ater ao curto prazo.
Em nota, o líder da bancada PT-PCdoB na Assembleia Legislativa, deputado Miguel Rossetto, se refere a possibilidade de juros zerados, mediante contrapartidas.
“É mais do que um bilhão de reais por ano que fica no Rio Grande do Sul e não vai pra Brasília”, afirma o deputado. O documento ainda ressalta que os valores estarão corrigidos pelo índice oficial de inflação, o IPCA.
A possibilidade de redução de juros se o Estado entregar ativos ou direcionar recursos do pagamento para investimentos nas áreas de educação e segurança pública também é outro destaque trazido à tona na nota.
É aí que entra, em especial, a tese de politização da questão. Analistas políticos como o jornalista e advogado Esmael Moraes entendem que Leite tenta se posicionar como uma alternativa de centro para romper a polarização entre Lula e Bolsonaro.
Nesta lógica, o Propag seria uma situação explorada para reforçar sua posição como líder de oposição ao governo federal.
Sob a ótica da oposição, as declarações de Leite são vistas como uma tentativa de responsabilizar o governo Lula por problemas estruturais históricos dos estados, como o alto endividamento e a dependência de programas de socorro.
Governadores criticam. Presidente do Congresso elogia
Ao lado de Leite se posicionaram em especial os governadores do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL) e de Minas Gerais, Romeu Zema (MG). Porém, se o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro ameaçam não aderir ao Propag, Minas Gerais avalia a adesão ao confiar em benefícios de longo prazo.
Castro afirmou que os vetos “matam o programa” e atacou o governo federal por “falta de diálogo institucional”. Zema, apesar de criticar o impacto financeiro imediato, estimado em R$ 1 bilhão neste ano para Minas Gerais, destacou um potencial alívio de R$ 288 bilhões em 30 anos.
Se Zema é considerado por muitos uma carta fora do baralho como cabeça de chapa na eleição presidencial de 2026 e o governador do Rio, Castro, é lembrado como um forte aliado do clã Bolsonaro, há quem faça questão de lembrar que Leite está nos planos do PSDB – a partir de uma possível fusão ou incorporação a outro partido.
É o caso do próprio presidente nacional do PSDB, Marconi Perillo, que vê nele o perfil considerado ideal pela legenda para comandar uma candidatura alternativa no cenário político nacional.
No Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), elogiou a sanção do Propag. Ele destacou a redução dos juros da dívida como um ponto positivo. A manutenção de trechos sobre a federalização de estatais para abater dívidas, como defendido por Pacheco, ainda foi vista como uma concessão política do governo, apesar de ter gerado divisões internas na equipe econômica.
Com o prazo para adesão ao programa encerrando-se em 31 de dezembro, governadores articulam derrubar os vetos no Congresso, buscando reverter o impacto negativo para os estados mais atingidos.
Lula questionado por “privilegiar” adversário
Curiosamente, há os que criticam o governo federal por uma decisão que acreditam privilegia o estado comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), adversário político de Lula e potencial candidato à Presidência da República.
A referência é direta ao fato do presidente ter vetado a possibilidade de estados no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) continuarem tendo apoio da União para honrar dívidas com instituições financeiras e organismos multilaterais ao aderir ao Propag. O RRF foi criado em 2017 para entes federativos em grave situação financeira.
Hoje, o governo federal paga as prestações desses contratos e incorpora o valor ao estoque da dívida com a União. O Legislativo chegou a prever a manutenção desse mecanismo no texto do Propag, porque desobriga os estados de um desembolso imediato. O trecho, no entanto, foi vetado por Lula sob recomendação da equipe econômica.
São Paulo, apesar de deter a maior dívida com a União, paga suas prestações em dia, sem descontos. Isso pode, com o Propag, trazer ao estado benefícios na redução dos encargos futuros da dívida.
A postura discreta de Tarcísio
Os vetos questionados de Lula se resumem basicamente a dois trechos do Propag e foram feitos sob alegação de impacto fiscal elevado e inconstitucionalidade.
Ao impedir que estados no RRF mantenham o apoio federal para pagamento de dívidas contraídas, a ideia é ampliar os custos da União sem garantias sustentáveis. Já, o segundo veto mais crítico, derrubou a possibilidade de usar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).
O FNDR foi criado na reforma tributária para abater parte da dívida com a União. Recursos bilionários serão repassados a partir de 2029 para que os estados promovam com o fundo atividade produtiva em regiões menos desenvolvidas. O texto autorizava a entrega dos direitos sobre esses valores futuros para deduzir parte do saldo devedor e obter o desconto máximo nos encargos da dívida.
Bloquear a utilização antecipada de repasses futuros do FNDR para abater dívidas , de acordo com o veto presidencial, tem o objetivo de preservar a função original do fundo que é o de promover o desenvolvimento regional a partir de 2029.
Ainda analisando os benefícios da redução de encargos futuros, o governo paulista trata a questão com cautela e discrição. De um lado, representantes de Tarcísio, acreditam que esse veto reduziu a atratividade do programa para o governo paulista.
Analistas políticos, por outro lado, veem a postura de um governador que ainda não tem claro os seus rumos políticos. Se concorre à reeleição para o Palácio Bandeirantes ou se lança candidato à presidência em 2026.