POLÍTICA

A nova cruzada da extrema direita: eventos religiosos preparam jovens para o poder

Extrema direita religiosa forma jovens para ocupar espaços de poder e impor pautas ultraconservadoras, aumentando a influência do fundamentalismo cristão na estrutura do Estado laico
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 3 de fevereiro de 2025
A nova cruzada da extrema direita eventos religiosos preparam jovens para o poder

Foto: The Send Brasil/ Reprodução

O bispo Robson Rodovalho, da Igreja Sara Nossa Terra, em uma performance para 80 mil jovens no The Send Brasil, realizado no Morumbi, em 2020: “hoje 31% de evangélicos no Brasil, mas não estamos satisfeitos”, disse ao convocar os jovens a tomarem as instâncias de poder

Foto: The Send Brasil/ Reprodução

Eventos religiosos organizados por pastores ultraconservadores têm reunido milhares de jovens Brasil afora em um verdadeiro trabalho de base, segundo lideranças evangélicas progressistas. Sob o pretexto de debater “família, educação e liberdade”, esses encontros promovem a ideia de que mulheres devem abandonar o mercado de trabalho para se dedicar ao lar e cuidar dos filhos, que escolas e universidades são “campos de doutrinação marxista” e que jovens cristãos devem ocupar cargos políticos para impor a “verdade do Evangelho”.

O fenômeno se intensificou nos últimos anos, especialmente desde 2020, e ocorre em diversas cidades do país. Segundo o pastor Filipe Gibran, de Belo Horizonte, parte da esquerda e do campo progressista da sociedade “nem sabe que existem”, declara preocupado.

“Meu amigo Zé Barbosa Júnior (teólogo pós graduado em Ciências Políticas e pastor da Comunidade de Jesus em Campina Grande, PB) já fala disso há muito tempo. Eventos estão acontecendo no Brasil o tempo inteiro. Estão alugando estádios de futebol, indo para as escolas, indo para as igrejas, conversando com as crianças, com os adolescentes, dizendo que eles têm que ocupar os espaços de poder, porque eles têm, de fato, que defender o legado cristão”, expõe.

Para Gibran, “o levante cristão ultraconservador, fascista está chegando todos os dias. Com financiamento estrangeiro; com financiamento indireto de emendas parlamentares. Nós precisamos entender que é necessário aprender, dar voz, apoiar o campo progressista evangélico. Sob pena da gente perder, de fato, a possibilidade democrática no Brasil”, alerta.

O termo levante cristão usado pelo pastor mineiro é bem apropriado, quando nos últimos 17 e 18 de janeiro foi realizado no Memorial da América Latina, e São Paulo, ocorreu o 2º Congresso Internacional do Legado Cristão.

O Evangelho para orientar políticas públicas

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Foto: The Send Brasil/ Reprodução

Culto-festival evangélico no Mineirão, o The Send que tem como símbolo uma seta apontando para a direita, reúne missionários e líderes de igrejas brasileiras e dos Estados Unidos em sua cruzada fundamentalista

Foto: The Send Brasil/ Reprodução

No evento, figuras proeminentes da extrema direita como os deputados Ana Carolina Campagnolo (PL/SC), Nikolas Ferreira (PL/MG) e o ex-procurador da República Deltan Dallagnol (Novo) tiveram participações de destaque.

Nada que chocasse tanto quanto a participação do pastor Rodrigo Mocellin da Igreja Resgatar, de Guaratinguetá. Defensor e promotor de cursos homeschooling, Mocellin é armamentista e afirma que o feminismo é um braço do comunismo e da esquerda.

Não por menos, entre os principais organizadores do Legado Cristão, figuraram o Simpósio Online de Educação Domiciliar (Simeduc), um dos maiores eventos de Educação Domiciliar do mundo, e a Famílias Educadoras do Estado de São Paulo (Faedusp).

Dados coletados e apresentados por Gibran em um vídeo dão conta de que o discurso de que “o sistema jurídico e político do Brasil é de esquerda” foi reiterado ao longo do congresso. Neste contexto, fala o pastor, lá se defendeu a necessidade de modificar esse sistema para que “as verdades do Evangelho” orientem as políticas públicas.

“A grande pergunta é se essas verdades do Evangelho são as de Jesus Cristo ou as de fundamentalistas mais preocupados em manter seu poder e riquezas”, ironiza Gibran.

Financiamento

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Foto: Acervo Pessoal

“O levante cristão ultraconservador, fascista está chegando todos os dias. Com financiamento estrangeiro; com financiamento indireto de emendas parlamentares”, denuncia o pastor Gibran, de Belo Horizonte

Foto: Acervo Pessoal

Segundo o pastor, diversas organizações ligadas ao movimento cristão conservador recebem emendas parlamentares. Ele entende que o fluxo desses recursos públicos jorra de forma indireta para promover a narrativa que define como fundamentalista e perigosa.

Entre as patrocinadoras do último Legado Cristão, por exemplo, a Editora Cristã Evangélica e a Aspen Internacional figuram entre publicadoras de conteúdo que frequentemente são beneficiadas por emendas parlamentares.

Segundo Gibran, a ex-ministra de Jair Bolsonaro (PL) e, hoje, senadora da República Damares Alves (Republicanos/DF) é uma das principais responsáveis por direcionar verbas para a Aliança Pró Evangelização de Crianças (Apec), também indiretamente presente em uma série de eventos e congressos ao estilo do Legado Cristão que ocorrem pelo país.

“É impressionante a capacidade de articulação política dela (Damares)”, exclama Gibran, ao pontuar o alerta sobre o que chama de investida fundamentalista na estrutura do Estado laico brasileiro.

Eventos para impor narrativa fundamentalista

Setores progressistas veem um avanço da extrema direita na disputa pela narrativa cultural e ideológica no Brasil. Gibran e outros pastores reafirmam a necessidade de fortalecer o diálogo com o campo progressista evangélico para se contrapor a essas iniciativas e garantir um debate mais amplo dentro do segmento religioso.

Para essas lideranças, a realização de eventos como o Legado Cristão reforça o alerta sobre o papel crescente de setores ultraconservadores na política nacional e como essas movimentações podem influenciar a próxima geração de lideranças políticas no Brasil.

Outros eventos de porte que preocupam pelo seu caráter fundamentalista são o The Send Brasil, realizado em locais emblemáticos, como o Allianz Parque, o Estádio Nacional de Brasília e o Morumbi, o Ore comigo, em Minas Gerais, e as Cruzadas do pastor André Fernandes, pregador das igrejas Lagoinha de Miami e a Lagoinha Alphaville, em São Paulo.

Conversando com a molecada

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Foto: The Send Brasil/ Reprodução

Com ingressos entre R$ 29,00 e R$ 49,00, o culto do The Send arrasta multidões. Evento passou por diversas cidades, em especial no interior de São Paulo, e teve seu ápice em 2020

Foto: The Send Brasil/ Reprodução

Outra atividade que teve forte apoio de Damares Alves, o The Send é organizado pela Jocum (Jovens com uma Missão), também conhecida pela sigla inglesa YWAM. Ele já passou por diversas cidades, em especial no interior de São Paulo, e teve seu ápice em 2020.

“O próprio logotipo do The Send tem um formato de seta, apontando para a direita”, ironiza Gibran ao entender que a ideia é representar simbolicamente sua inclinação política.

Em Belo Horizonte, nos anos de 2023 e 2024 foi realizado o Festival Ore Comigo, no Mineirão. “É muito parecido com o The Send. Os organizadores, inclusive muitos são os mesmos. Eles chamam de maior festival da América Latina. Tem a bandalheira gospel total e com o mesmo público, a juventude nessa perspectiva de doutrinação política”, registra Gibran.

Já as Cruzadas do Pastor André Fernandes integram um projeto chamado Incendiários, mantendo um tom fortemente fundamentalista, ao estilo do líder mundial da igreja, o pastor André Valadão que, entre uma ou outra pregação homofóbica, tem dito para seus fiéis não mandarem filhos para faculdades.

Só em 2022, o projeto realizou oito cruzadas em sete cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Curitiba, Salvador, Fortaleza e Recife). Foram milhares de jovens lotando espaços “enormes”, lembra Gibran.

“Os caras são tão inteligentes que nem estão conversando mais com gente acima de 30 anos, não. Esse projeto das cruzadas é só molecada. Para fazer a cabeça mesmo”, conclui o pastor mineiro.

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