Argentina em Crise: Milei, a $Libra e a revolta popular nas redes
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Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
O terremoto político sobre a indicação da criptomoeda $Libra pelo presidente da argentina Javier Milei não está só rendendo uma série de questionamentos sobre a postura do autointitulado anarco capitalista.
Movimentos no Congresso Nacional para o impeachment do mandatário e até uma investigação aberta pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos coroam a indignação nacional que tem sido expressa nas redes sociais com a #MileiEstafador.
Em espanhol, a palavra estafador significa golpista, fraudador; e trapaceiro, em português. Especificamente se refere a alguém que engana outras pessoa para obter vantagens financeiras de forma desonesta.
Não é à toa que um dos vídeos que circulam nas redes sociais no país do Prata mostra um deputado com dedo em riste falando para Milei: “Me escuta, cara, nem pensa em fazer besteira com esse negócio de criptomoedas só para ganhar um dinheirinho, hein…”.
O vereador da cidade de Moron Marcelo González em suas redes sociais é enfático:
“Ninguém pode pensar que Milei é ignorante no assunto. Ele conhece o mundo financeiro em geral e o mercado cripto em particular. Antes mesmo de ser presidente, já havia se envolvido na recomendação de investimentos em criptomoedas que acabaram sendo golpes (Vulc e Coinx). #MileiEstafador”.
Conhecedor da matéria
Na realidade, o próprio presidente em sua campanha para deputado pela cidade de Buenos Aires lançou um Non-Fungible Token (NFT) próprio para arrecadar fundos para sua campanha.
As NFTs e as criptomoedas usam a tecnologia blockchain para garantir segurança, autenticidade e descentralização. Ambas representam ativos digitais negociáveis, mas diferem na fungibilidade: enquanto criptomoedas são intercambiáveis, NFTs são únicas e insubstituíveis, funcionando como itens colecionáveis digitais.
Fora do ambiente conceitual e tecnológico, o caso está sendo tratado na Argentina como uma Pirâmide que tem como divulgadores, além do presidente, pelo menos uma parlamentar, Romina Díez.
Ela é deputada nacional por Santa Fé e, segundo um post indignado no perfil Equilíbrio Mental-Moral-Fiscal no X, “assim como Milei, Romina diz ser economista e, até 2022, dava conselhos financeiros no Ámbito, com o mesmo papo furado de Milei para a CoinEx”, afirma.
Âmbito é um importante noticioso econômico argentino e a CoinEx, uma exchange de criptomoedas que listou a $Libra propagandeada por Milei e Romina. A $Libra teve sua permissão de negociação na plataforma em 15 de fevereiro de 2025.
Economista, pero no mucho
Na semana passada, a FM Radio Con voz, de Buenos Aires, entrevistou a uma série de ouvintes que se sentiram enganados por Milei.
O primeiro ouvinte, Lucho, disse ser seguidor de Milei, e destacou que, se um economista recomenda uma empresa de investimentos, ele entendia que uma análise importante para sustentar sua recomendação teria sido feita.
“Decidi seguir adiante e os resultados são os que hoje em dia estão aparecendo”, lamenta.
Uma mulher que preferiu não falar seu nome registrou que sua família há alguns meses começou a investir na $Libra.
“Tomamos essa decisão ao ver que muitas pessoas conhecidas, incluindo Milei, falavam sobre essa empresa e transmitiam confiança”, declarou.
No entanto, ela disse que a partir do mês de maio, “eles começaram a não cumprir os pagamentos da rentabilidade do investimento e, até hoje, continuam sem dar uma resposta”.
Depois, continuou a ouvinte, vieram as promessas de pagamentos em prazos de seis até 12 meses.
“Mesmo que alguém aceite, depois disso eles simplesmente param de responder e não cumprem nenhuma de suas promessas. Acreditávamos que Milei era um especialista em economia, mas acabamos sendo enganados”, lamenta a ouvinte indignada.
Vídeo vazado mostra entrevista combinada
Na publicação que está rendendo toda essa dor de cabeça ao presidente argentino foi dito: “Tive o prazer de conhecer os escritórios da CoinEx World e sua equipe. Eles estão revolucionando a forma de investir para ajudar os argentinos a escapar da inflação. Escrevam para eles em meu nome”.
Um comentário, antes do texto ser apagado, dizia “38.252 pessoas curtiram essa publicação e muitos confiaram suas economias na plataforma promovida por esse charlatão”.
Milei já em sua candidatura à deputado era defensor das criptomoedas. Na ocasião chegou a declarar: “Argentina é terra fértil para o bitcoin… porque o peso, basicamente, não vale nem excremento.”
Era o começo de suas críticas a moeda argentina e o controle cambial: “A Argentina perdeu a reserva de valor e a unidade de conta. As transações importantes são feitas em dólares, não em pesos”, declarou quando candidato à Câmara Nacional Argentina.
O presidente está tentando de todas as formas contornar a situação em que se meteu. Ontem, no entanto, vazou a versão não editada de uma entrevista onde Milei tenta minimizar sua responsabilidade no colapso da criptom.
Ele afirmou que apenas divulgou o projeto em suas redes sociais, sem promovê-lo oficialmente. Também comparou o investimento na criptomoeda a jogos de azar, sugerindo que os investidores estavam cientes dos riscos envolvidos.
O trecho que não foi ao ar, mas vazado nas redes sociais, mostra o assessor presidencial Santiago Caputo interrompendo a gravação para evitar declarações que poderiam implicar problemas judiciais.
Para especialistas tudo indica que as perguntas foram previamente combinadas com o canal de televisão Todo Notícias do Grupo Clarín.