O que é qualidade de vida? As respostas para essa pergunta podem ser tantas que não caberiam neste caderno. Não temos a pretensão de oferecer aos leitores todas elas, mas acreditamos ter evoluído muito na qualidade e na quantidade das nossas perguntas.
A expressão “qualidade de vida” é comumente atribuída ao presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, quando em 1964 declarou que “os objetivos não podem ser medidos através do balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas”. Porém, antes disso, conceitos de qualidade de vida já despertavam o interesse de cientistas sociais, filósofos e políticos. O termo ipsis literis já havia sido mencionado em 1920 pelo economista inglês Arthur Cecile Pigou, em um livro sobre economia e bem-estar. Na obra ele discutiu o suporte governamental para pessoas de classes sociais menos favorecidas e o impacto sobre suas vidas no orçamento do Estado. Porém, nessa época o termo não se popularizou e acabou esquecido. Já o “estado de bem-estar social” foi o modelo seguido no pós guerra, justamente baseado em conceitos como esse.
O irônico é que um termo cravado pelo presidente belicista dos EUA, que potencializou, inclusive, a guerra do Vietnã, descolou-se de sua origem e do pensamento político que o originou, para justamente ressurgir nos anos 80 e 90, o auge do encolhimento do Estado e ascensão do pensamento neoliberal. Seria o antídoto natural ao mal-estar da pós-modernidade? Muito se diz e já foi dito sobre esse tema, e de vários pontos de vista: econômico, político, médico, sociológico, psicológico e um sem-número de outras lógicas, porém, todas elas e a sabedoria popular buscam por ciência ou por instinto pelos pontos de equilíbrio, em que os indivíduos e a sociedade possam se apoiar para seguir nesse difícil exercício que o existir nos impõe, passando pela convivência entre as pessoas e por sua relação com o ambiente em que habitam.
A Organização Mundial da Saúde, por sua vez, conceituou o termo em 1994 como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.
Desde então, cientistas sociais, filósofos e políticos tentam medir com números, pesquisas e índices o quanto os seres humanos estão vivendo ou não com qualidade. A Associação Brasileira de Qualidade de Vida – ABQV, com sede em São Paulo, não adota formalmente uma definição, porém divulga e estimula a realização de ações que contemplem todas as dimensões do homem: a física, a espiritual, a emocional, a ocupacional, a social, a intelectual e a ambiental.
“A percepção de qualidade de vida irá depender das hierarquias de valores, necessidades e expectativas individuais. Sendo assim, o aspecto mais importante é o “termômetro” interno de cada um. Se você está bem consigo mesmo, sentindo-se equilibrado e feliz, então você tem qualidade de vida”, afirma Eliete Bernal Arellano, doutora em Psicologia e diretora técnica da ABQV.
Esse conceito de que qualidade de vida é muito mais que uma soma de requisitos a serem atingidos colabora para a mudança de foco das pesquisas. “As pessoas estão vivendo mais, mas a expectativa de vida já não é o único desfecho que interessa. Não adianta só viver mais, mas saber como as pessoas estão vivendo”, explica o Dr. Marcelo Pio de Almeida Fleck, professor associado do Departamento de Psiquiatria da Ufrgs e coordenador do Grupo WHOQOL no Brasil, grupo da Organização Mundial da Saúde (OMS), que há três anos estuda a qualidade de vida das pessoas.
O grupo desenvolve pesquisas com diferentes recortes da população, tais como os portadores de doenças como câncer, HIV, deficientes físicos e mentais, entre outros. Um destes estudos constatou que a percepção sobre qualidade de vida de pessoas que utilizam cadeira de rodas é muito semelhante à percepção das pessoas que não usam, só para dar um exemplo.
“Olhando de fora pode parecer que elas vivem muito mal, mas não é o que elas percebem. E examinando o porquê, essas pessoas diziam viver bem, uma das coisas que elas se orgulhavam era de poder viver com dignidade e enfrentar a condição de adversidade”, conta Fleck. O que mais uma vez comprova a subjetividade do conceito e o quanto ele está ligado ao que cada um entende de sua vida. Segundo o psiquiatra, esta não é uma área em que se possa fazer um teste onde ao somar X pontos significa estar bem.
Expediente
EXTRA CLASSE – CADERNO QUALIDADE DE VIDA – OUTUBRO/2008
Coordenação-geral: Valéria Ochôa
Edição: César A. Fraga
Redação e reportagem: Clarinha Glock e Grazieli Gotardo
Fotografia: René Cabrales e Thaís Brandão
Edição de arte: Luciano Lobelcho
Projeto gráfico: Luciano Lobelcho – Rodrigo Vizzotto / D3
Diagramação: Rodrigo Vizzotto – D3 Comunicação
Revisão: Lígia Halmenschlager
Comercialização: Rosane Costa