“‘Não bato mais ponto, não estarei mais todos os dias com meus colegas. E agora? Ela se deu conta que estava com sessenta e alguns, e havia tanta coisa pela frente…”, Odair Perugini de Castro, coordenadora da Universidade para a Terceira Idade (Uniti).
A observação da psicóloga, gerontóloga e professora aposentada da Ufrgs cai como uma luva na realidade dos aposentados dos dias de hoje. Com o aumento da longevidade, as pessoas estão cada vez mais chegando ao fim da vida laboral com boa saúde, muita disposição e um longo caminho a trilhar. “Aquele mito de que a aposentadoria é uma antessala para a morte, acabou”, afirma Odair, que com seus 80 e alguns tem uma rotina que deixa muitos trabalhadores jovens para trás. Ela coordena há 20 anos a Uniti, um projeto de Extensão do Instituto de Psicologia da Ufrgs, viaja por todo Brasil ministrando palestras, mora sozinha e dirige.
Dados do IBGE apontam para um Brasil que caminha rapidamente rumo a um perfil demográfico cada vez mais envelhecido. Em 2008, ano do levantamento, para cada grupo de cem crianças (0 a 14 anos) existiam 24,7 idosos (65 anos ou mais). A projeção para 2050 é de 172,7 idosos para cada cem crianças. Os avanços da Medicina e as melhorias nas condições de vida da população são fatores que influenciam diretamente no aumento da longevidade. Em 1940, a expectativa de vida do brasileiro era de 45,5 anos, em 2008 subiu para 72,7 anos. Em 2050, o país deve alcançar o patamar de 81,29 anos, estima o IBGE, basicamente o mesmo nível atual da Islândia (81,80), China (82,20) e Japão (82,60).
No entanto, o aumento da população com mais de 60 anos – em decorrência de vários fatores, entre eles a queda da taxa de natalidade – pegou de surpresa o poder público e a sociedade em geral. “O Brasil, que estava no auge do jovemcentrismo, onde a mocidade é que importava, o jovem é que aparecia na TV, se deu conta que estava envelhecendo, que as pessoas estavam se aposentando cedo e com grande expectativa de vida pela frente. Então começaram a surgir projetos voltados para pessoas nessa faixa etária”, observa Odair de Castro.
A professora, que coordena um grupo de quase 150 pessoas com mais de 60 anos, fala pela experiência profissional e por sua própria trajetória de vida. “O aposentado começou a entender que a vida não parava na aposentadoria. Não há mais tarefas profissionais, mas há a vida pela frente. Então é preciso estabelecer um novo cronograma, uma nova rotina. É preciso se autodescobrir”, diz ela. Ao longo desse processo da autodescoberta, segundo Odair, as mudanças de comportamento mais frequentes são uma maior atenção à saúde e uma melhor interação com os jovens.
“Há pesquisas que comprovam que as avós se relacionam melhor com os netos do que as mães com os filhos”, completa.
Diante dessa nova realidade – de um país com um grande contingente de pessoas aposentadas e com considerável expectativa de vida – as universidades e outros setores da sociedade entraram em ação. Vale citar instituições como Sesc, Sesi e Senac, consideradas pioneiras na oferta de atividades para o público acima dos 60.
E o engajamento do aposentado em ações promovidas por universidades e outras instâncias trouxe ganhos para ambas as partes, na visão de Odair Perugini. “O aposentado tira lições da sociedade. Porque não é só a pessoa que envelhece, a sociedade também envelhece. E a sociedade ganha porque há muita gente nessa faixa etária envolvida com trabalho social voluntário”, justifica.
Sobre a Uniti
A Universidade para a Terceira Idade (Uniti) é um projeto de Extensão do Instituto de Psicologia da Ufrgs que existe há 20 anos. Idealizada pela professora Odair Perugini de Castro, que com mais de 80 anos até hoje se mantém na coordenação, a Uniti funciona com uma equipe multidiscisplinar e intergeracional. São psicólogas, psicopedagogas e enfermeiras, professoras e alunas, de todas as idades. Ao longo de duas décadas, o projeto tem servido como base para inúmeras pesquisas, apresentadas em eventos nacionais e internacionais. Também gerou livros sobre o tema do envelhecimento.
Mas quem comanda a Uniti de verdade, garante Odair, são os participantes. Eles escolhem os temas a serem debatidos a cada semestre e conduzem as discussões, sempre orquestrados pela mestra Odair de Castro.
Atualmente há 142 inscritos, sendo 137 mulheres, todos com mais de 60 anos. Como não há exigência de nível de escolaridade, o grupo é bem heterogêneo no que diz respeito a experiências de vida e formação. Sobre a quase ausência de homens, Odair explica: “Os homens têm uma enorme dificuldade de deixar de fazer o que faziam quando trabalhavam. Em geral, seguem na mesma profissão quando se aposentam. Eles são mais resistentes às mudanças”.
As reuniões acontecem todas as segundas à tarde, no auditório da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico/ Ufrgs), no Campus Saúde. O grupo, que se subdivide em outros dez para debater temas nas áreas de cultura, saúde, informática, entre outros, também viaja, vai ao teatro, ao cinema e a concertos. Funciona quase como uma grande família.
“É preciso se criar condições para uma boa aposentadoria”
Tânia Regina Moreira, 65 anos, professora do estado aposentada, começou a dar aulas muito cedo, por isso também parou cedo, aos 51 anos. Havia uma demanda reprimida na vida de Tânia, uma espécie de lacuna a ser preenchida. Por causa do ofício, dos filhos, da casa, ela deixou de fazer muitas coisas que lhe dariam prazer. Então, assim que se viu livre do compromisso de bater ponto na escola se entregou às tecelagens, aos bordados e às cerâmicas, entre outros hobbies.
Mas aí veio o divórcio, os filhos cresceram e tomaram seus caminhos. Tânia conta que passou a viver a chamada síndrome do ninho vazio. Estava então com 53 anos. Isso foi no final de 1999, ela viu um cartaz chamando para as matrículas na Universidade para a Terceira Idade (Uniti) e enxergou ali um novo caminho a seguir. “O mundo se abriu para mim”, recorda a professora, que garante ter verdadeira paixão pelo magistério, profissão que escolheria novamente se tivesse que recomeçar.
Sobre a experiência de dez anos na Uniti, onde coordena um grupo cultural, Tânia tenta resumir em uma frase: “A Uniti qualifica e dá oportunidade a seus integrantes de terem uma excepcional qualidade de vida”. A convivência na Uniti com pessoas da mesma geração – apesar das diferenças – e o trabalho voluntário em asilos têm sido para Tânia uma forma de construir uma vida boa e útil. As reuniões semanais, viagens, concertos, peças teatrais, entre outras atividades, promovem uma transformação através da aprendizagem, acredita. Faz com que o aposentado tenha melhor convívio com filhos e netos. “Somos velhos atualizados”, brinca.
Para a professora, o trabalhador de hoje não pode ter medo da aposentadoria. Ele precisa criar condições, tanto financeiras, quanto emocionais, para quando chegar esse momento. E tirar bom proveito do muito tempo de vida que ainda pode ter.