SAÚDE

Estudantes aprendem a cultura da solidariedade

Publicado em 12 de setembro de 2014
Atividade desenvolvida por alunos para doação de cabelos

Foto: Igor Sperotto

Atividade desenvolvida por alunos para doação de cabelos

Foto: Igor Sperotto

A ideia surgiu na aula de Ciências, em 2009, com a turma da 7ª série. A professora Mariluce Campos, da Escola de Educação Básica Rainha do Brasil, em Porto Alegre, estava ensinando os tipos sanguíneos e um aluno comentou que tinha lido no jornal uma notícia sobre a dificuldade de conseguir doadores de sangue porque as pessoas não queriam doar, ou tinham medo. “Pior do que isso, pensou Mariluce na época, há um agravante que é a falta de doação de órgãos para transplante”. As aulas continuaram com a análise da tipologia de sangue doado voluntariamente por professores. Na amostragem, ficou claro que o tipo O, universal, era o mais raro. A turma decidiu então promover uma campanha de conscienti­zação na escola e na comunidade para estimular a doa­ção. Fizeram uma parceria com o Hemocentro, e quan­do, no segundo evento programado, a unidade móvel de coleta de sangue estragou, ampliaram a proposta para o cadastramento de doadores de medula óssea.

“Fizemos um curso de capacitação para os alu­nos disseminarem a cultura doadora. Profissionais do Hemocentro deram palestras para professores, fun­cionários e estudantes”, conta Mariluce. No Labo­ratório de Informática da escola, os próprios alunos tiveram a ideia de criar um folheto com os dizeres: “Você pode ser a peça que está faltando”. Em 2011, foram para o Parque da Redenção divulgar e sensibi­lizar doadores. E desde então a história se repete, al­ternando campanhas de doação de sangue e medula.

Muitos pais e mães foram pegos de surpresa. No início, diziam que não tinham tempo para “tirar a medula”. Foi preciso explicar o que é a medula, e que, num primeiro momento, para se cadastrar basta doar sangue. Como a idade mínima para doação de sangue é 16 anos de idade, desde que acompanhado por um adulto, e para medula é 18 anos, os jovens, estimulados pelas campanhas, agora ficam ansiosos esperando para contribuir.

Desde 2013, uma nova ideia sugerida por duas alunas começa a tomar forma. O desafio é ampliar a cultura doadora. Até o final de 2014, elas vão mobili­zar o Grêmio Estudantil, a banda da escola, imprimir camisetas e fazer vídeos para engajar o maior número de pessoas no desenvolvimento da consciência de que é importante doar órgãos e tecidos. “Queremos que os alunos sejam os protagonistas e participem de todo o processo”, incentiva Mariluce. Ao que tudo indica, a lição está sendo bem aprendida. No colégio com uma população de 1 mil estudantes, até as crianças do turno integral estão engajadas no espírito de solidariedade.

Isabela Silva da Cunha, 11 anos, viu uma reporta­gem na televisão sobre doação de cabelos para quem tem câncer, e comentou na aula da professora Luciana Ribeiro do Carmo. A professora gostou da ideia e re­solveu cortar seu próprio cabelo. Em seguida, 11 meni­nas e outra colega a imitaram. Descobriram que cortar cabelo não só não dói, e cresce rápido, mas principal­mente que uma mecha de apenas 10 centímetros unida a outras mechas pode virar peruca e colorir com um sorriso o rosto de quem sofre com uma doença cujo medicamento pode provocar a perda dos pelos.

DOAÇÕES – Os cabelos doados pelas crianças que estudam na Escola Rainha do Brasil são recolhidos pela ONG Cabelaço (https://pt-br.facebook.com/cabelacors). Unindo mechas, esta ONG propicia a criação de perucas que são doadas a jovens com câncer cujos cabelos caíram com o tratamento. A foto que abre a página do Cabelaço no Facebook dá uma ideia de como um ato solidário simples como esse pode ser tão gratificante para quem recebe a doação.

Cultura doadora começa na escola
 “Meu cabelo é melhor que doce”, diz uma das men­sagens das placas de papelão escritas a mão e mostradas com orgulho por um grupo de meninas com cabelo na altura dos ombros. Para Ana, Maria Fernanda, Isabela, Maria Julia e Mariana, que estudam na Escola Rainha do Brasil, cabelo é só cabelo, que pode mesmo dar tanto prazer para outras crianças como doce e beijinho. “Pre­cisa de muitas mechas para fazer uma peruca”, explica Isabela, a mentora da ideia de doar para outras crianças, inspirada pela mãe, que trabalha num hospital. Dela, fo­ram cortados 35 centímetros de cabelo. Ana Carolina Leal da Silva, cinco anos, pediu para cortar bem curti­nho. No salão de beleza, outras moças viram e quiseram também doar, conta Ana, que pretende repetir no ano que vem. Maria Fernanda, dez anos, doou suas tranças de dread, feitas na viagem para Porto Seguro, na Bahia. Maria Julia La Rocca Felqe, sete anos, conclui: o mais bacana disso tudo é poder ajudar quem tem câncer.

Estudantes do Rainha do Brasil incentivaram doação de cabelos para confecção de perucas para pacientes com câncer

Foto: Igor Sperotto

Estudantes do Rainha do Brasil incentivaram doação de cabelos para confecção de perucas para pacientes com câncer

Foto: Igor Sperotto

Doar é superar medos
Para Fernanda Minuto, 17 anos, fazer parte do projeto Cultura Doadora é tão natural como aprender Português, Matemática, História. Fernanda já fazia doações de roupas e objetos de higiene aos morado­res do Asilo Padre Cacique, em Porto Alegre, ativi­dade na qual se engajou desde a 2ª série. Com o tem­po, passou a participar periodicamente de bingos e chás no local. Neste ínterim, cultivou amizades e um carinho pelas pessoas com quem interage. Este ano, entrou para o projeto de doação de sangue e medula óssea da Escola Rainha do Brasil.

Quando surgiram as campanhas para doação na escola, Antonio Garavello Neto e Lucas Sica, ambos com 17 anos, logo se engajaram. “Estava no Grêmio Estudantil e resolvi participar, primeiro auxiliando com lanches, depois vi que era um gesto simples que podia auxiliar tanta gente que precisa…”, conta Anto­nio. “Não tem dinheiro que pague a sensação de ser solidário”, completa Lucas. “Quanto mais se falar no assunto, mais se vence os tabus”, acredita.

No dia 24 de julho de 2014, Betina D’Ávila mal completou 16 anos e doou sangue pela primeira vez. Fez questão de mandar uma cópia do comprovante para a professora. “Tinha vontade de doar desde os dez anos, porque sempre fiz trabalho voluntário no colégio e sei que é um gesto pequeno, mas muito im­portante, salva uma vida”, argumenta. Juliana Moras, 16 anos, tinha medo da agulha. “No Hemocentro é legal, eles ficam conversando, brincando, ajudou”, conta. Ela venceu o medo e o desconhecimento.

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