Indústria farmacêutica descartou avanços na prevenção de Alzheimer
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Um dos medicamentos mais vendidos da multinacional norte-americana Pfizer, o anti-inflamatório enbrel, usado no combate à artrite reumatoide, apresentou resultados benéficos na prevenção de Alzheimer, mas a gigante farmacêutica que já faturou bilhões de dólares com uma descoberta semelhante, envolvendo o viagra, ocultou essa informação e optou por não levar adiante as pesquisas que poderiam confirmar as descobertas dos seus investigadores. Isso porque, neste caso, a descoberta não daria lucro, já que o laboratório estava na iminência de perder a patente do medicamento investigado.
Identificada em 1907 pelo psiquiatra e patologista Alois Alzheimer, o Mal de Alzheimer tem como sintoma inicial mais comum a perda de memória de curto prazo. A doença causa deterioração global, progressiva e irreversível de diversas funções cognitivas, como a memória, a atenção, a concentração, a linguagem e o pensamento.
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De acordo com reportagem publicada pelo jornal norte-americano Washington Post na quarta-feira, 5 de junho, pesquisadores da Pfizer comprovaram, em 2015, que o enbrel é eficaz na redução do risco de doença de Alzheimer em 64% dos casos. Como a patente do anti-inflamatório estava na iminência de ser quebrada, a empresa decidiu não investir no aprimoramento das pesquisas para a comprovação científica desses resultados, pois o negócio não seria lucrativo.
A lógica é inversa ao que ocorreu em 1998 com o viagra, medicamento desenvolvido pela Pfizer inicialmente com o objetivo de reduzir a dor torácica provocada pela angina de peito e que acabou se mostrando eficaz contra a impotência sexual. Nesse caso, a farmacêutica apostou nos efeitos que o remédio produzia para solucionar a disfunção erétil devido ao seu potencial de gerar lucro e mudou a prioridade dos estudos. A droga para a impotência começou a ser vendida nos EUA depois que o laboratório obteve todas as patentes em março de 1998. A projeção do grupo farmacêutico era faturar 100 milhões de dólares por ano com o novo medicamento, mas as vendas mundiais cresceram 30% no mês seguinte ao lançamento, atingindo 1 bilhão de dólares por ano a partir do ano 2000.
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PATENTES – Nas últimas décadas, a multinacional vem perdendo mercado devido à quebra de patentes de medicamentos. Em 2011 perdeu a do lipitor, o redutor de colesterol mais vendido do mundo. Mas o maior impacto foi causado pela perda de exclusividade sobre o viagra, que teve a quebra de patente no Brasil em 2010 e na Europa em 2013. De acordo com o presidente de produtos estabelecidos da Pfizer mundial, John Young, a empresa perdeu até 10% de seu faturamento por ano a partir de 2012. “A Pfizer passou pela maior queda de faturamento por perda de patentes da história da indústria farmacêutica”, afirmou Young após a perda da patente do viagra.
Em 2010, a Pfizer adquiriu, por R$ 400 milhões, 40% do laboratório goiano Teuto, com opção de compra dos outros 60%. Acabou desistindo do negócio e revendeu sua participação em 2017 para os próprios sócios, a família Melo, com a qual estava em litígio. No ano passado, a multinacional norte-americana iniciou uma negociação, que ainda está em aberto, com o laboratório farmacêutico Orygen, de São Paulo, controlado pela Biolab e Eurofarma – para a eventual formação de uma joint venture. O atual presidente do Orygen é o executivo Victor Mezei, que comandou a operação da Pfizer no Brasil por 11 anos até o mal-sucedida aquisição do Teuto. Com 2,1 mil funcionários na sua unidade brasileira, situada em Itapevi (SP), a Pfizer está presente em 175 países, com um total de 96 mil funcionários e investimento global de 8 bilhões de dólares por ano. O último faturamento divulgado pela multinacional é de 2016: 53 bilhões de dólares, sendo R$ 5,2 bilhões na filial brasileira.
MAU NEGÓCIO – No caso do anti-inflamatório Enbrel, a descoberta descartada pela Pfizer resultou de uma análise estatística dos dados fornecidos por seguradoras sobre os efeitos de determinados medicamentos nos consumidores. Como esses dados não servem de evidência científica, foi posteriormente pedido um ensaio clínico que pudesse comprovar os benefícios alegados. “O Enbrel poderia potencialmente prevenir, tratar e retardar a progressão do Alzheimer”, afirmaram cientistas da própria farmacêutica.
O documento interno da empresa, uma apresentação detalhada em power point, está assinado por investigadores do departamento de doenças inflamatórias e imunologia da Pfizer. Os próprios cientistas pediram à empresa que realizasse um ensaio clínico com milhares de doentes para testar a aplicação do enbrel em pessoas com Alzheimer. O projeto, que teria um custo de 71,2 milhões de doláres, não foi aprovado.
Em comunicado, a Pfizer argumentou que a expectativa de que “o enbrel poderia travar a doença de Alzheimer não era, afinal, assim tão alta, dado que o medicamento não atingia diretamente o tecido cerebral” e que os resultados da análise não cumpriam os “rigorosos padrões científicos” da empresa.
Clive Holmes, um dos investigadores da farmacêutica e professor de psiquiatria biológica da Universidade de Southampton, na Grã-Bretanha, afirma que a decisão da Pfizer provocou frustração na comunidade científica. Holmes, que participou das pesquisas feitas em 2015 sobre o efeito do Enbrel na doença de Alzheimer, afirma que a investigação foi de espectro limitado, o que tornou os resultados inconclusivos.
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A justificativa de que a decisão de não levar adiante as pesquisas sobre a eficiência do medicamento na prevenção do Alzheimer teria sido embasada por critérios científicos é contestada pela comunidade científica, especialistas e acadêmicos. Bobbie Farsides, professora de ética clínica e biomédica da Escola de Medicina Brighton & Sussex, em Londres, afirma que “ao adquirir o conhecimento e se negar a divulgá-lo àqueles que poderiam ser beneficiados por seus efeitos prejudica as milhões de pessoas, impedindo que elas pudessem ter um melhor tratamento para os seus casos”.
“Todos os medicamentos têm um ciclo de vida de cerca de 20 anos e o do Enbrel também chegaria ao fim e a empresa passaria a enfrentar a concorrência dos genéricos. A farmacêutica não poderia obter, por isso, grandes lucros a partir desta descoberta, porque não teria direitos exclusivos sobre o medicamento”, explica o jornalista do Washington Post, Christopher Rowland, ao afirmar que a farmacêutica não quis avançar com o ensaio clínico porque não teria lucros com a descoberta. Caso a Pfizer tivesse admitido publicamente a descoberta e divulgado os resultados da investigação, essas informações poderiam ser usadas pela concorrência.
EPIDÊMICA – De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) relativos a 2015, ano da descoberta da Pfizer, dos 47,5 milhões de pessoas com demência em todo o mundo, entre 60% e 70% sofriam da doença de Alzheimer. Não há levantamento estatístico confiável sobre a doença. Segundo projeções da OMS, nos Estados Unidos, seriam mais de 5 milhões de casos de Alzheimer, ante 1,2 milhão no Brasil. Em média, a cada 66 segundos é descoberto um novo caso, o que transforma o Alzheimer em doença epidêmica. A OMS projeta em 75,6 milhões o total de pessoas afetadas por essa doença em 2030 e 135,5 milhões em 2050.