30 milhões de brasileiros podem ficar sem medicamentos
Foto: Mateus Pereira/GOVBA
O ministério da Saúde suspendeu, no final de junho, relações contratuais importantes com laboratórios públicos e privados responsáveis pela fabricação de 18 medicamentos e uma vacina destinados a distribuição gratuita à população. A medida recai especialmente sobre medicações que combatem ou atenuam os efeitos de insuficiências renais, diabetes, imunização tetraviral, Parkinson e até câncer. Também, sobre os preventivos (vacinas) contra rubéola, caxumba, sarampo e catapora. Para Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob), que congrega laboratórios públicos do Brasil, há risco de 30 milhões de pacientes serem vitimados pela iniciativa. O governo justifica a medida com recomendações do Tribunal de Contas da União e outros órgãos fiscalizadores e declara que está em processo de licitação para comprar os medicamentos.
A Alfob manifestou, nesta terça-feira, 16, em nota pública, que a suspensão unilateral dos contratos “não apenas coloca em risco o abastecimento de medicamentos estratégicos para pelo menos 30 milhões de pacientes, mas também configura um ataque sem precedentes contra a soberania nacional na área da produção pública de medicamentos”. A Associação ainda informou que deve recorrer na Justiça contra a suspensão dos contratos.
Outra reação no horizonte da decisão do ministério da Saúde é que estados mantenedores de laboratórios e institutos de pesquisa que compõem a Rede Brasileira de Produção Pública de Medicamentos (RBPPM) já avaliam o ressarcimento do governo federal por seus investimentos jogados por terra por causa da decisão.
Para o presidente da Alfob, Ronaldo Dias, os laboratórios públicos brasileiros nunca foram pegos até agora “de surpresa dessa forma unilateral”. Ainda segundo Dias, que também preside a Fundação Baiana de Pesquisa Científica e Desenvolvimento Tecnológico, Fornecimento e Distribuição de Medicamentos (BahiaFarma), a suspensão dos contratos é o desmonte de milhões de reais de investimentos que foram feitos pelos laboratórios ao longo dos anos, além de gerar insegurança jurídica. “A insegurança que isso traz é o maior golpe da história dos laboratórios públicos”, afirma ao registrar que “os ofícios dizem que temos direito de resposta, mas que a parceria acabou”.
De fato, o documento assinado por Denizar Vianna Araujo, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, no dia 26 de junho passado, não deixa dúvidas. Além de romper a relação com sete laboratórios públicos nacionais para a produção dos 19 medicamentos distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), deve paralisar contratos com oito laboratórios internacionais detentores de tecnologia de ponta e com laboratórios particulares nacionais.
Para esta quarta-feira 17, está prevista uma reunião entre parte dos laboratórios e o ministério da Saúde, que alega que as parcerias continuam vigentes e que somente foi enviado aos laboratórios um ofício que solicita “manifestação formal sobre a situação de cada parceria”. Para a pasta, o chamado “ato de suspensão” se dará em um período transitório, enquanto ocorre “coleta de informações”.
Desabastecimento e desemprego
Para o presidente da Alfob, o que considera uma “canetada pura e simples”, além de poder gerar sérios desabastecimentos, agravando a situação, por exemplo, de transplantados, e penalizar a população, o segundo impacto está na cadeia econômica. “Quantas pessoas vão ser demitidas?”, questiona.
Mas, a preocupação imediata é o agravamento do desabastecimento já apontado em reportagem do Extra Classe em 4 de junho passado, A insegurança diária dos transplantados no Rio Grande do Sul, e no último dia 5 de julho, Medicamentos para transplantados continuam em falta no estado Para Dias, não existe tempo hábil para o ministério iniciar o processo de “uma compra pública hoje e fornecer em setembro”.
O presidente da Alfob ainda entende que haverá impactos nos preços fora das parcerias. “Você tira a garantia de abastecimento a um preço que o SUS possa pagar”, analisa. “O impacto disso é prioritariamente o paciente”.
Confira a íntegra da nota pública da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob)
A suspensão unilateral, por parte do Ministério da Saúde, de 19 contratos de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) celebrados por laboratórios públicos brasileiros não apenas coloca em risco o abastecimento de medicamentos estratégicos para pelo menos 30 milhões de pacientes, a valores, em média, 30% menores que os cobrados no mercado, mas também configura um ataque sem precedentes contra a soberania nacional na área da produção pública de medicamentos e produtos para a saúde e contra o próprio Sistema Único de Saúde (SUS).
A política de fomento aos laboratórios públicos e ao desenvolvimento de PDPs, que preveem a incorporação, por parte dos laboratórios farmacêuticos oficiais brasileiros, da tecnologia empregada para fabricação de medicamentos, vacinas e outros produtos para a saúde, foi desenvolvida como forma de prover sustentabilidade de longo prazo ao SUS. Ao adquirir tecnologia e ser capaz de produzir, por conta própria, insumos estratégicos para abastecer o mercado nacional de saúde, a rede de laboratórios públicos deixa o SUS menos exposto a eventuais problemas de fornecimento e a variações inesperadas de preços de medicamentos no mercado internacional – bem como à manipulação de valores por parte dos laboratórios privados.
Celebrado internacionalmente, o SUS é considerado o maior e mais complexo sistema de saúde pública do mundo. Parte importante de seu sucesso está calcado na previsibilidade média de alocação de recursos públicos – um dos pilares da importância dos laboratórios oficiais para a saúde pública brasileira. Ao atacar as PDPs consolidadas pelos laboratórios públicos, o Ministério da Saúde causa insegurança jurídica, põe em risco centenas de milhões de reais investidos em plantas industriais, pesquisa e equipamentos e, em última análise, prejudica a assistência farmacêutica a milhões de pacientes que dependem de medicamentos de uso contínuo fornecidos pelo SUS para sobreviver.
Como órgão representante dos laboratórios públicos, a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob) critica veementemente o ato unilateral promovido pelo Ministério da Saúde – que não foi formalmente notificado aos laboratórios públicos e que está desalinhado, inclusive, com os esforços de outros ministérios do mesmo governo, como o de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e o da Economia, que têm promovido esforços no sentido de aquisição de tecnologia por parte da indústria nacional.
A Alfob salienta que:
1. As PDPs, nos últimos oito anos, resultaram em mais de R$ 20 bilhões em economia para o Tesouro Nacional. Elas constituem fator de Soberania Nacional, ao reduzir a dependência tecnológica e vulnerabilidade do Brasil perante a indústria farmacêutica internacional. Defender as PDPs é defender o Direito Constitucional à Saúde, por meio do acesso a vacinas e medicamentos de última geração para o tratamento de câncer, hepatite, diabetes, artrite reumatoide, e outros produtos relevantes para a saúde dos brasileiros e brasileiras;
2. A Portaria 2531, de 12 de novembro de 2014, determina, de forma inequívoca, que a suspensão das PDP’s pelo Ministério da Saúde será submetida a posterior análise das Comissões Técnicas de Avaliação e decisão do Comitê Deliberativo (Art. 64);
3. Em seus artigos 18 e 19, a Portaria estabelece que o Comitê Deliberativo será interministerial e que poderá contar com a participação de outros órgãos públicos e privados e especialistas para tomadas de decisão que afetam a toda a cadeia produtiva do Complexo Industrial da Saúde;
4. A interrupção das PDP’s e a realização de “compras por pregão” no mercado privado constitui flagrante irregularidade perante o estatuto legal – e contraria, inclusive, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que assegurou a legalidade e inviolabilidade das Comissões e Comitês Públicos;
5. A Portaria 2531, em seu Artigo 10, esclarece que, em sua Fase II, ocorre “início da fase de implementação da proposta de projeto de PDP aprovada”. Em termos concretos e exatos, a Fase II requer investimentos vultosos e irreversíveis, gerando a quebra de contratos prejuízos financeiros e obstáculos para a realização de novos investimentos em unidades de produção.
Diante do exposto, a Alfob decidiu contestar juridicamente a iniciativa do Ministério da Saúde pelo seu caráter impróprio, atemporal e unilateral, contrariando frontalmente o disposto em legislação federal. Estados afetados pela decisão também já começaram promover ações jurídicas buscando reparação junto ao governo federal quanto aos investimentos em estrutura, pessoal e pesquisa realizados em torno das PDPs firmadas.