Profissionais da Saúde lutam contra o vírus e contra a falta de condições
Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília
Quem abrisse, em meados de abril, o site do Sindisaúde, entidade que representa trabalhadores da área da Saúde, com sede em Porto Alegre, era informado sobre a falta de atendimento devido ao adoecimento de vários dos seus dirigentes pelo novo coronavírus. De 28 integrantes da diretoria, dez foram contaminados. Um deles, Arlindo Riter, que trabalha no Grupo Hospital Conceição (GHC), após um período hospitalizado, mantém o isolamento em casa para evitar contágio
Ele começou a se sentir mal em 27 de março, mas piorou em poucos dias, quando precisou de internação. Cardíaco, teme pelo que vai acontecer, pois no final de abril está prevista sua volta ao trabalho. “Vou usar o banco de horas para ficar mais um pouco afastado. É uma doença nova, não tem CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho)”. [Nota do editor: conforme Medida Provisória 927, de março de 2020, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia Paulo Guedes, no artigo 29 (parágrafo único), diz o seguinte, “os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.]
Foto: Sindisaude/Arquivo
Como ele, outros trabalhadores da Saúde estão assustados com a situação. Claudete Miranda, também diretora do Sindicato, faz seus plantões no GHC. Tem diabetes e problemas cardíacos. Ao ver constantemente colegas caírem doentes, está abalada. Ela, assim como muitos outros, não tem condição de estar na linha de frente do atendimento. Mas não tem como se afastar de suas atividades profissionais.
“Estas pessoas enfrentam situações de incertezas, de pânico e se observa maior número de afastamento por doenças psíquicas”, afirma Arlindo. Entidades representativas dos trabalhadores da Saúde, entre elas o Sindisaúde e o Sindicato dos Enfermeiros, tentaram o afastamento imediato de trabalhadores que são grupo de risco do GHC. O pedido foi indeferido pela Justiça do Trabalho.
AFASTAMENTOS – “O GHC não afastou os que são grupo de risco e o resultado é que explodiram os casos de Covid-19 entre os trabalhadores”, denunciou a presidente do Sindicato dos Enfermeiros, Cláudia Franco, em uma live promovida pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 24 de abril. Formado por quatro hospitais (Conceição, Cristo Redentor, Femina e Hospital da Criança Conceição), o GHC possui cerca de 8 mil trabalhadores de diversas categorias. Por não terem tomado uma providência, a instituição fez crescer o número de profissionais afastados, nos últimos 20 dias. Eram 200 no começo da pandemia. Até a última contagem, no final de abril já contabilizava 865 afastamentos.
EXPOSIÇÃO – Cláudia chama a atenção para a peculiaridade do trabalho desenvolvido e que gera a exposição arriscada: “Cuidado não se faz a distância. Não dá para fazer um atendimento virtual. Estamos falando de segurar o paciente, dar medicação, banho, fazer troca. Como não tocar?”, questiona. “Por isso, o Sindicato está empenhado em assegurar equipamentos de proteção, bem como condições de trabalho com garantia de vida. Quem cuida da vida não pode morrer, mas são estas pessoas que estão na linha de frente”, diz.
TRABALHADORES – Por sua vez, o Sindisaúde estima que mais de 2 mil trabalhadores de sua base estejam com os sintomas e/ou com os testes positivados. A entidade representa em torno de 70 mil trabalhadores na Saúde de Porto Alegre e região Metropolitana, entre técnicos de enfermagem, nutrição, higienização, manutenção, administrativos, entre outros, em hospitais e clínicas.
“A informação oficial, até o momento, dá conta de um óbito por Covid-19, que é a técnica de enfermagem do Hospital Conceição. Ela era linha de frente no atendimento junto ao Serviço de Emergência”, diz Arlindo. Segundo ele, esta foi uma “morte anunciada pela precariedade nas informações de segurança, falta de condições de trabalho e EPI (Equipamento de Proteção Individual) adequados.
O Sindisaúde/RS realizou diversos atos de protestos em frente aos maiores hospitais de Porto Alegre: Conceição, Hospital de Clínicas, Santa Casa de Misericórdia, Instituto de Cardiologia, Hospital da PUC, Presidente Vargas e Pronto Socorro. “Em praticamente todos a situação é de extrema gravidade”, relata Arlindo.
Foto: Sindisaúde/Divulgação
“Nas manifestações, mostramos a necessidade de termos condições de trabalho, EPI para todos: máscara, luvas, protetor facial, aventais impermeáveis etc”. O sindicalista acrescenta que os gestores precisam garantir testes em todos os profissionais e afastar os trabalhadores do grupo de risco: aqueles com mais de 60 anos e trabalhadores com doenças crônicas, segundo orientação do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde. “Poucos vinham cumprindo estas questões básicas e muitos ainda continuam resistentes”.
A enfermeira Cláudia Franco, que tem participado de diversas mesas de negociação com representantes das instituições hospitalares, considera que o crescente e assustador número de contaminados entre profissionais de Saúde é consequência do descaso. “Entramos com várias liminares solicitando o afastamento dos que são grupos de risco e por EPI adequados. Mas especialmente o GHC vem dificultando”.
Foto: Igor Sperotto
DESFINANCIAMENTO – Ela ainda aponta que a crise sanitária acontece em um momento de desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). A Emenda Constitucional (EC) 95, aprovada em dezembro de 2016, congela gastos da União com despesas primárias de saúde por 20 anos (leia páginas 4,5,6 da entrevista desta edição). “Não há recursos suficientes para fazer frente ao necessitado. Aí empresas estão doando (equipamentos) para os serviços de saúde, mas sem certificado. Estão levando os trabalhadores para a morte”, aponta, ao acrescentar que 61% dos casos notificados com a doença, hoje, são de profissionais da Saúde.
Cláudio Augustin, presidente do Conselho Estadual de Saúde (CES/RS), concorda que a pandemia desnudou as consequências financeiras negativas para o SUS. “É sabido que o congelamento de recursos traria prejuízos nefastos. Há uma ausência de investimentos para atender às necessidades”. Segundo ele, este é um momento fundamental para reforçar não só o SUS, mas todo o conceito de seguridade social (saúde, previdência e assistência). Ele denuncia que “há uma falta gritante de EPIs e não existe produção, não tem testagens nem hospitais com UTIs em quantidade suficiente para enfrentar a pandemia”.
Amarildo Cenci, presidente da CUT, ressalta que não considerar a exposição ao Covid-19 como acidente de trabalho “é um crime”. E afirma que “quem está arriscando a vida dos outros, relativizando o que está acontecendo, terá que ser responsabilizado”. Cenci anunciou que a entidade está elaborando um documento para denunciar os riscos a que estão expostos os trabalhadores, não só da Saúde, mas de outras áreas, como transporte e comércio. “Exigimos mais protocolo por proteção. Estamos falando de preservar vidas”.
PRECARIEDADE – Com a falta de proteção adequada e os crescentes adoecimentos de trabalhadores, inclusive da rede privada, a tendência é um afastamento ainda maior de profissionais, avalia Arlindo Riter. No Rio Grande do Sul o número de trabalhadores contaminados já passa de 2 mil. “Como ainda não atingimos o pico da doença e como o setor Saúde é o que mais absorvia mão de obra, mesmo antes da pandemia, tememos pela falta de pessoal no mercado, isso para toda equipe multiprofissional”. Para garantir condições adequadas de trabalho, o Sindisaúde encaminha as denúncias ao Ministério Público do Trabalho. Já passaram de 800. Casos graves e coletivos são levados à Justiça do Trabalho.
Foto: Igor Sperotto
MORTES ANUNCIADAS – O ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, hoje deputado federal (PT/SP), anunciou na live organizada pela CUT que o Brasil enfrenta um “risco real, sério e grave” de genocídio, pois não vê o governo federal disposto a se articular globalmente para enfrentar a pandemia. “Ao contrário, este é um governo que considera suportável morrerem 40 mil pessoas, 70% dos infectados”. Padilha, que é infectologista, alertou que o extremo sul do país ainda nem viveu o epicentro da crise, o que deve acontecer com a chegada do inverno. “Será o pior inverno da saúde pública no Brasil”. Conforme ele, a previsão mais otimista aponta que uma vacina para combater a Covid-19 só chegará em maio do ano que vem.