SUS é essencial para garantir assistência geral e gratuita a transplantes
Foto: Igor Sperotto
No Brasil, 96% das cirurgias de transplantes são realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que garante também a assistência integral ao paciente transplantado. Trata-se de uma área médica/hospital de alta complexidade que enfrenta desafios, como a falta de uma política consistente para a captação de órgãos em todas as regiões do país e o subfinanciamento. Embora os transplantes não tenham parado totalmente durante a pandemia da Covid-19, houve interrupções devido à demanda hospitalar com o crescimento da infecção no país.
Como consequência, 2020, que começou com um aumento, em janeiro e fevereiro, superior às doações de órgãos e transplantes em relação ao mesmo período em 2019, a partir de março apresentou uma baixa em várias regiões. Para discutir este e outros desafios, o projeto Cultura Doadora da Fundação Ecarta promoveu em 15 de dezembro o painel Os transplantes e o SUS, que pode ser acessado na íntegra no canal da Fundação no Youtube.
Marcos Fuhr, presidente da Fundação Ecarta, contextualizou o debate com o lançamento da campanha O Brasil precisa do SUS, da Frente pela Vida, formada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre outras entidades. “Certamente, a sociedade brasileira se deu conta, neste ano de pandemia, da relevância do SUS “, destacou.
Atualmente, a lista de espera por um transplante tem 42.023 pacientes ativos e 1.120 pacientes pediátricos, de acordo com a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). Até setembro de 2020, foram realizados 5.357 transplantes de órgãos sólidos, chegando a 12.310 com os de córneas e medula. “O Brasil só perde para os Estados Unidos em volume de transplantes, e o sistema é acessível graças ao SUS”, afirmou a médica Daniela Salomão, coordenadora do Sistema Nacional de Transplantes. “É um sistema transparente e com credibilidade”, assegurou.
Foto: Fundação Ecarta/Divulgação
Desigualdades regionais e educação
“Nós, como sociedade civil, o que queremos com os transplantes?”, indagou o médico Valter Garcia, diretor da Unidade de Transplante Renal da Santa Casa de Porto Alegre, que atua na área deste os anos 1970. “Nós queremos aumentar as doações de órgãos e tecidos e o número de transplantes; queremos melhores resultados e justiça na locação de órgãos; prevenir qualquer forma de transplante ilegal ou antiético; proteger os doadores vivos e diminuir as desigualdades entre as regiões e estados”, destacou. “Talvez esteja aí a nossa maior dificuldade”.
Foto: Igor Sperotto
De 2000 a 2018, segundo Valter Garcia, aumentou quatro vezes o número de doadores no país, quatro vezes o número de transplantes de rim, três vezes o número de transplantes de pulmão e quase cinco vezes o de fígado. “A locação de órgãos e tecidos é adequada, mas pode ser melhorada. Para isso, um dos aspectos importantes é discutirmos um novo regulamento técnico para transplante porque o nosso já tem 11 anos”, explicou.
Valter Garcia observou que os transplantes se mantém sobre quatro pilares: financiamento, legislação, organização e educação. “Os pilares financiamento e legislação são os mesmos para todas as regiões do Brasil. O que difere é a organização e a educação”, relatou. “E nós temos o Norte, com dez vezes menos doadores que na região Sul, cinco vezes menos que no Brasil, dez vezes menos transplante de rim. E não falo dos outros órgãos porque só transplantam fígado no Acre, e nenhum estado da região Norte faz transplante de coração, pulmão e pâncreas”.
O médico enfatizou a necessidade de se construir um projeto para melhorar a organização e a capacitação de profissionais nestes locais para aumentar as doações e os transplantes. “É mais barato fazer um programa de transplantes no estado do que o Governo enviar os pacientes para outras regiões”, destacou.
A educação também foi destacada pelos painelistas. Para aumentar a doação de órgãos é preciso disseminar informação em escolas, universidades, no trabalho, em centros religiosos, disse a coordenadora do Sistema Nacional de Transplantes. Valter Garcia observou que, diante da dificuldade de incluir transplantes nos currículos das faculdades de Medicina, foram criadas disciplinas optativas em algumas universidades. José Huygens Parente Garcia, presidente da ABTO, enfatizou o papel das Ligas de Transplantes, que organizam cursos e mobilizam a comunidade acadêmica.
Foto: Arquivo Pessoal
Financiamento
A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ligia Bahia, mestre e doutora em Saúde Pública pela Fiocruz, ressaltou que o financiamento do SUS não é compatível com sua importância, e no Brasil há uma disputa com o setor privado pelos investimentos em saúde.
“O SUS está sempre ameaçado, inclusive no que tem de melhor. Há economistas que são contra os transplantes e contra o gasto com medicamentos de alto custo”, alertou.
Além disso, há mau gerenciamento, segundo Ligia. “Nunca houve tanto recurso público investido no SUS como na pandemia – foram R$ 47 bilhões a mais com o “orçamento de guerra”, o equivalente a 25% do total de recursos para a saúde –, mas uma parte desse dinheiro foi desperdiçada com a compra de cloroquina e ventiladores mal especificados”.
Hoje os gastos com transplantes estão em cerca de R$ 1,3 bilhões, incluindo custos de cirurgias e medicamentos para pós-transplantados. O Governo Federal investe no SUS R$ 160 bilhões, e os Estados, mais cerca de R$ 170 bilhões. Portanto, o valor para transplantes não chega a 1% dos recursos públicos. “O último reajuste no pacote dos transplantes de órgãos foi em maio de 2012”, denunciou o presidente da ABTO, José Huygens Parente Garcia. É preciso retomar essa discussão com o Ministério da Saúde, afirmou.
Os transplantes e o SUS
Acesse a íntegra do painel no canal da Fundação Ecarta no Youtube.