Apagão de dados dificulta tomada de decisões sobre pandemia
Foto: Fiocruz/ Banco de Dados
O Boletim do Observatório Covid-19 Fiocruz, divulgado nesta quinta-feira, 23, apresenta um balanço da pandemia de covid-19 em 2021 no Brasil. A análise ressalta que o país termina o ano com mais de 600 mil óbitos e 22 milhões de casos registrados, em um cenário de incertezas para a tomada de decisões com o objetivo de controlar a covid-19. Diante do chamado “apagão de dados”, que deixou a ciência e a saúde “às escuras”, os pesquisadores do Observatório, responsáveis pelo documento, alertam que, na ausência de informações, as imprecisões são exponencialmente ampliadas, impedindo a adoção de medidas adequadas, baseadas em evidências.
“A informação é fundamental para a soberania nacional e crucial para apontar diretrizes para combate da covid-19”, afirmam os cientistas. O Boletim destaca três grandes desafios para o enfrentamento covid-19 em 2022 no Brasil – um dos epicentros da pandemia no mundo.
Um deles é o surgimento de novas variantes, que pode conduzir a cenários “inesperados e indesejáveis”. Neste momento, a principal preocupação é a propagação da Ômicron.
Os pesquisadores alertam que, combinada com a maior circulação de pessoas nas férias e festas de fim de ano, o crescimento de casos, internações e óbitos podem se potencializar, culminando em crises e colapso do sistema de saúde, a exemplo do vivenciado no final de 2020, quando a variante Gama foi identificada.
Outro desafio é a vulnerabilidade atual dos sistemas de informações em saúde, “que constituem um bem público e um patrimônio da sociedade brasileira”, conforme preconizado pela Reforma Sanitária.
Segundo os cientistas, as falhas na divulgação de dados sobre a pandemia não são apenas decorrentes do ataque hacker sofrido pelos portais e sites do Ministério da Saúde. “Mas combinam vulnerabilidades e fragilidades em todo o processo, que se inicia com o preenchimento dos formulários nos estabelecimentos de saúde e municípios. Além disso, atrasos ou interrupções na divulgação de dados impedem a produção de informações que são vitais para tomadas de decisões”.
Finalmente, o terceiro desafio é referente ao processo de politização das medidas de enfrentamento da pandemia para a proteção da saúde e da vida da população brasileira. Na visão dos cientistas, esse processo tem combinado a desvalorização de medidas preventivas fundamentais com a propagação organizada de fake news e a criação de um clima de descrédito e desconfiança em relação às vacinas.
Cabe ressaltar que desde o registro dos primeiros casos e óbitos por covid-19 o governo federal criou obstáculos e censurou informações sobre casos e mortes, alimentou falsas polêmicas sobre eficácia e efetividade das vacinas, mobilizou a opinião pública contra a ciência, os pesquisadores e as medidas de isolamento e higiene, além de retardar a aquisição das vacinas e o início da campanha de imunização, entre outras práticas que agravaram os efeitos da pandemia.
Vacinação em crianças contra a covid-19
A vacinação das crianças contra a covid-19, vista como fundamental para os pesquisadores, também ganhou destaque no Boletim. No Brasil, desde o início da pandemia houve 301 óbitos por Covid-19 na faixa etária de 5 a 11 anos. Cerca de 32% da população mundial é de indivíduos com menos de 19 anos. Aproximadamente, essa mesma proporção é observada no Brasil. Trata-se de um contingente essencial para que se consiga controlar a transmissão da doença e que precisa ser protegido.
Segundo o Boletim, embora o quadro da covid-19 para as crianças seja de sintomas mais leves e com risco mais baixo que em outras faixas etárias, como a acima de 60 anos, não se deve desconsiderar a ocorrência de quadros mais graves, como a Síndrome Inflamatória Multissistêmica em Crianças (MIS-C) e outras manifestações da covid longa, condição já evidenciada nesse grupo etário. Por outro lado, a vacinação nessa faixa tem um papel importante na cadeia de transmissão. A ampliação da cobertura vacinal, além de reduzir o número de casos graves, reduz a circulação do vírus, o que leva a menor chance de surgimento de novas variantes.
“Os estudos recentes mostram evidências robustas de segurança da vacina para crianças. As vacinas contra a covid-19 também estão sendo monitoradas quanto à segurança. No Brasil, tanto a Anvisa como o Programa Nacional de Imunização acompanham e investigam as notificações de eventos adversos e informam que eventos graves são raros. O fato é que são bem menos frequentes do que os casos de complicações da covid-19 e podem ser clinicamente tratados de modo adequado”, ressalta o comunicado.
Nos Estados Unidos, onde mais de 5 milhões de crianças de 5 a 11 anos receberam a primeira dose do imunizante Pfizer contra a covid-19 e mais de 2 milhões têm o esquema vacinal completo, 97% dos eventos não foram graves. Todas estas evidências apontam que os benefícios de tomar a vacina superam o risco de covid-19 em quadro grave e possíveis complicações futuras.
Foto: Peter Iliciev/Icict/Fiocruz
Pesquisa
Metade das crianças e adolescentes brasileiros mortos por covid-19 em 2020 tinham até 2 anos de idade. Um terço dos óbitos até 18 anos ocorreram entre os menores de 1 ano, e 9% eram bebês com menos de 28 dias de vida. Essas são algumas das conclusões de uma pesquisa do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz. O estudo analisou mais de 1,2 mil óbitos de crianças e adolescentes para mensurar o impacto e as características da doença nessa faixa etária.
O coordenador da pesquisa, Cristiano Boccolini, alertou em entrevista à Rádio Senado que em maio ocorreu uma morte por dia de criança nessa faixa etária. Ele reiterou que a sociedade deve confiar na decisão dos pesquisadores e explicou que vacinar as crianças dos 5 aos 11 anos representa proteger as de menor idade, inclusive bebês, para as quais ainda não existe vacina, os idosos imunossuprimidos.
Casos e óbitos
As falhas nos sistemas de informação vêm apresentando problemas na coleta, digitalização e disponibilização de registros de casos e óbitos, que se refletem ora muito abaixo do esperado, ora apontam para um aumento abrupto no número divulgado de casos de covid-19, “o que prejudica o acompanhamento da pandemia e a avaliação dos possíveis impactos nas medidas de flexibilização”.
Nos últimos dois meses, de outubro a novembro, foram registrados uma média de 10.200 casos e 260 óbitos por dia. No entanto, nas duas últimas Semanas Epidemiológicas (SE) 49 e 50 (5 a 18 de dezembro), se observou uma maior oscilação no número de casos e de óbitos, o que se deve em parte a problemas no fluxo de dados por toda a rede de atenção e vigilância do SUS. A queda observada do número de casos registrados (5 % ao dia) é incompatível com a dinâmica de transmissão da doença. Isso se pode confirmar pelo aumento abrupto da taxa de letalidade, que saltou de 2,5% para 4,2%, o que indica uma queda no número de casos, não acompanhada pelo número de óbitos, o que é resultado da subnotificação de grande parte dos casos nas últimas semanas.
Dados obtidos em 20 de dezembro de 2022 mostram taxas predominantemente baixas e sugerem o gerenciamento de leitos de disponíveis, com a manutenção da tendência da retirada paulatina em alguns estados (Acre, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Goiás) e reabertura de leitos em Rondônia e Pará, que, respectivamente, saíram da zona de alerta intermediário para fora da zona de alerta, e da zona de alerta crítico para a zona de alerta intermediário. Além do Pará, somente o Distrito Federal aparece esta semana na zona de alerta intermediário.
Síndrome Respiratória Aguda Grave
A análise sobre o monitoramento e a retrospectiva sobre os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) considerou os dados obtidos somente até a SE 48. A partir desse período, os dados da base Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), do Ministério da Saúde, passaram a ficar indisponíveis, impossibilitando a realização do estudo e do Boletim InfoGripe da Fiocruz.
Em outubro, verificou-se uma desaceleração da taxa de incidência de SRAG, que pode estar ligada a várias atividades presenciais, como escolas e eventos, entre outros. Até a o final de novembro e início de dezembro, este movimento levou a uma ligeira tendência de aumento, com taxas de incidência muito menores que no primeiro semestre, mas ainda altas – entre dois a cinco casos por 100 mil habitantes.
*Com informações da Fiocruz e Agência Senado.