Governo usa consulta pública para adiar para 2022 decisão sobre vacinação de crianças
Embora dentro da lei, como confirma o jurista Lênio Streck, – “não há vedação”, diz –, o Ministério da Saúde oficializou nesta quarta-feira, 22, uma consulta pública que coletará manifestações da sociedade civil sobre a vacinação contra a covid-19 em crianças com idade de 5 a 11 anos. A decisão contraria a comunidade científica e as orientações da OMS, que defendem a vacinação de crianças.
A vacina da Pfizer para essa faixa etária foi autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na semana passada após exaustivas análises. O período de consulta terá início 23 de dezembro até 2 de janeiro de 2022.
As contribuições devem ser enviadas por meio do endereço eletrônico https://www.gov.br/saude/pt-br. Nessa página, está disponível a documentação relativa à consulta pública, conforme foi publicado no Diário Oficial da União nesta quarta.
Considerando a iniciativa uma parte da campanha antivacina promovida pelo governo Jair Bolsonaro, o ex-reitor da Ufpel, epidemiologista e coordenador da pesquisa Epicovid, Pedro Hallal, foi categórico sobre o fato: “é uma piada de mau gosto”.
Há poucos dias, ouvido pelo Extra Classe sobre o tema, o epidemiologista e pesquisador Fernando Spilki foi afirmativo: “as crianças não estão sendo cobaias. Primeiro porque houve testes até para definição do tamanho da dose. E não só para esta vacina que foi autorizada agora, mas também com outras vacinas, inclusive para faixas etárias mais baixas, com até 3 anos de idade”.
Sobre a consulta pública , Spilki, lembra que “há consenso manifesto das principais sociedades científicas e dos próprios comitês de aconselhamento do governo em prol da vacinação de crianças com a vacina da Pfizer. A consulta é extemporânea e inadequada, coloca um tema que deve ser decidido com base em ciência no fórum da opinião”.
Anvisa foi atacada pelo governo
Após a aprovação da vacina para crianças, diretores e servidores da Anvisa passaram a receber ameaças de morte. Por isso, a agência pediu investigações e proteção policial para os servidores ameaçados.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério Público Federal no Distrito Federal e no Paraná [primeira instância] está atuando no caso, com o apoio da Polícia Federal.
Ainda segundo a PGR, até o momento os procuradores não encontraram indícios do envolvimento de pessoas com prerrogativa de foro, o que levaria o caso para a instância superior, que é a própria PGR.
Presidente ameaçou servidores
Em live em redes sociais, feita no dia 16, o presidente Jair Bolsonaro informou ter pedido o “nome das pessoas que aprovaram a vacina para crianças a partir de 5 anos”. “Queremos divulgar o nome dessas pessoas para que todo mundo tome conhecimento de quem foram essas pessoas e forme seu juízo”, disse o presidente.
Ignorando a comunidade científica e todas as manifestações de entidades médicas e estudos já feitos que recomendam a vacina, no último dia 18, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que a decisão do governo sobre a vacinação de crianças de 5 a 11 anos será tomada somente no dia 5 de janeiro, após audiência e consulta públicas. Em conversa com jornalistas, Queiroga disse que a autorização da Anvisa não é decisão suficiente para viabilizar a vacinação para esse grupo.
“A introdução desse produto dentro de uma política pública requer uma análise mais aprofundada. E, no caso de imunizantes, a análise técnica é feita com o apoio da Câmara Técnica Assessora de Imunizações”, disse Queiroga.
Fiocruz recomenda vacinar
Nesta terça-feira, 21, a Fiocruz divulgou um novo estudo intitulado Como superar a estagnação da curva de cobertura vacinal de primeira dose contra covid-19 no Brasil? que aponta a imunização das crianças contra covid-19 como como sendo uma estratégia importante para aumentar a cobertura vacinal da população brasileira.
A pesquisa, submetida à Revista Brasileira de Epidemiologia, e disponível em formato preprint, analisa a evolução da vacinação no país e observa que a imunização no país estaria com uma tendência já próxima à estagnação.
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