SAÚDE

Código que classificaria velhice como doença foi excluído pela OMS

Nova CID que entraria em vigor neste ano provocou reações adversas na sociedade e comunidade científica e acabou sendo substituído por “declínio da capacidade intrínseca associado ao envelhecimento”
Por Gilson Camargo / Publicado em 10 de fevereiro de 2022

Foto: USP Imagens/ Marcos Santos

As professoras Maria Lúcia Lebrão e Yeda Duarte, do Projeto Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento, na Faculdade de Saúde Pública da USP, coordenado pela Opas para coletar informações sobre as condições de vida dos idosos. Relacionar envelhecimento a doenças é preconceito, diz Yeda

Foto: USP Imagens/ Marcos Santos

Organização Mundial da Saúde (OMS) é responsável por divulgar a Classificação Internacional de Doenças (CID), que serve de parâmetro mundial e conta com aproximadamente 55 mil códigos. A causa de morte, por exemplo, pode ter diversos códigos. Um desses códigos, a “senilidade”, seria trocada pelo termo “velhice” na nova edição de 2022, a 11ª elaborada pela OMS, para atestar que as pessoas morrem disso como causa oficial.

A proposta previa a substituição do termo “senilidade” (código R-54) por “old age” (código MG2A), que significa velhice. A alteração que integra a nova edição da CID, adotada em 2019 na Assembleia Mundial da Saúde e prevista para entrar em vigor a partir de 2022 acabou rechaçada pela sociedade, parlamentares e comunidade científica e a OMS recuou.

“A confusão que pode causar ou a indução, mesmo sem ser este o objetivo, de profissionais em sociedades especialmente em que ainda predominam o estigma e o preconceito em relação às pessoas idosas não nos parece ser a melhor escolha”, afirmou em julho do ano passado a Representante da Coordenação de Saúde do Idoso do Ministério da Saúde, Maria Cristina Hoffmann.

À época, houve uma mobilização de parlamentares contra a alteração que, para Maria Cristina poderia levar a registros nos atestados de óbito sem a garantia de investigar a causa real das mortes, o que prejudicaria a elaboração de políticas públicas.

Processo de vida

Yeda Duarte, professora da Escola de Enfermagem (EE) e da Faculdade de Saúde Pública (FSP), ambas da USP, e coordenadora do estudo Sabe – saúde, bem-estar e envelhecimento, da FSP, explica por que a mudança do protocolo foi rejeitada e quais seriam as consequências dessa classificação.

“Foi uma troca infeliz, porque senilidade é ruim, mas bem ou mal está associada a doenças relacionadas ao envelhecimento. Velhice não tem nada a ver com isso. Velhice é um processo de vida, é uma fase da vida. Só isso”, ressalta.

Quando um novo código CID é criado ou adotado, passa a identificar um problema de saúde e necessitará de um tratamento, esclarece a professora. Quando não se atesta corretamente a causa de morte, fragiliza-se “as pesquisas sobre melhores tratamentos e o preparo dos profissionais para atuarem com as pessoas idosas”, pondera.

Depois da pressão da sociedade civil, a OMS recuou e trocou o código “velhice” por “declínio da capacidade intrínseca associado ao envelhecimento”, um eufemismo que para muitos críticos continua identificando o processo de envelhecimento como doença.

Porém, Yeda destaca que o processo de envelhecimento “é resultado não só do que acontece intrinsecamente, mas também do que acontece extrinsecamente – as condições de vida em que eu vivi, as condições sociais nas quais eu nasci”, esclarece.

Logo, seria necessário aprofundar o debate para encontrar o termo adequado. “As pessoas precisam entender do que você está falando para que possa ser utilizado. Essas coisas são modificadas com o tempo. O site da Organização Mundial da Saúde permite que você faça sugestões”, completa.

Velhice com qualidade de vida

O envelhecimento saudável relaciona-se diretamente com os hábitos no decorrer da vida – o que descarta o preconceito de que a passagem do tempo relaciona-se a doenças. Mas esse peso não está apenas nas decisões individuais.

Yeda explica que a cultura tem grande peso nos hábitos que influenciam a saúde no decorrer dos anos. A título de exemplo, as pessoas que hoje têm 60, 70, 80 anos viveram em uma época na qual fumar era algo socialmente valorizado. Como consequência, sofrem de problemas relacionados a esse hábito, não à idade. “Hoje vivemos a geração Fit. Veremos daqui a pouco o efeito dos esportes de alto impacto na sobrevida das pessoas mais velhas”, compara.

Segundo ela, a qualidade de vida dos idosos é influenciada pela qualidade das relações sociais que conseguem manter. Pessoas que vivem até próximo dos cem anos chegam a essa idade com qualidade de vida graças às redes de amizades, exemplifica. “Renove a sua rede. Isso vai te manter ligado à vida e com melhor qualidade”, aconselha.

*Com informações do Jornal da USP.

Comentários