Nova molécula ataca células de câncer de mama
Foto: CQMED/Divulgação
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Artigo publicado este mês na Nature Chemical Biology apresenta uma molécula com atividade antitumoral para o câncer de mama triplo negativo, o subtipo mais agressivo, com prognóstico menos promissor e poucas terapias eficazes.
Por meio de experimentos de laboratório e análises de bioinformática, os pesquisadores constataram que a molécula encontrada no estudo, a MS023, induz à autodestruição da célula tumoral na medida em que aciona um dos sistemas de defesa das células, o sistema interferon.
A compreensão do funcionamento da molécula abre perspectivas para tratamentos do câncer de mama desse subtipo. O estudo teve a participação de pesquisadores do Canadá, Brasil, China e Estados Unidos.
O câncer de mama é o mais diagnosticado em todo o mundo. O subtipo triplo negativo representa 15-20% dos casos e é responsável por 25% das mortes. A taxa de recidiva é considerada alta (mais de 30%), e ele tem a menor sobrevida após recorrência metastática. Esse subtipo é caracterizado pela ausência de receptor de estrogênio, de receptor de progesterona e fator de crescimento epidérmico humano 2 (HER2), que classificam os outros subtipos.
Nova molécula
A identificação do tipo de receptor na membrana da célula tumoral é fundamental na definição do tratamento. No caso do câncer de mama triplo negativo, ela definição ainda é limitada e demorada.
No trabalho publicado na Nature Chemical Biology, os pesquisadores caracterizaram a proteína PRMT1 como um bom alvo de tratamento para o câncer triplo negativo. Na pesquisa, eles encontraram uma molécula antitumoral e elucidaram o seu modo de ação.
“Conhecer as etapas que estão sendo afetadas nas células durante o câncer é fundamental para que a comunidade científica e as empresas farmacêuticas consigam acelerar o desenvolvimento de novos medicamentos”, explica Katlin Massirer, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp (CBMEG) e do Centro de Química Medicinal (CQMED).
Os pesquisadores testaram 36 compostos que se ligam à proteína-chave metiltransferase 1 (PRMT1), considerada reguladora da proliferação de células no câncer de mama triplo negativo. Destas, 15 moléculas tiveram o melhor desempenho na redução do tumor, sendo que a MS023 foi a que apresentou o melhor resultado. Em seguida, eles inocularam camundongos com células de câncer de mama humano triplo negativo. Assim que os animais manifestaram os sintomas da doença, foram tratados com a molécula MS023. O resultado foi a desaceleração do avanço do tumor nos roedores.
Células tumorais
A mesma aplicação foi realizada em organoides (estruturas celulares de laboratório) derivadas de células tumorais de pacientes portadoras do câncer. Nesse sistema, as células se auto-organizam de forma tridimensional, simulando miniórgãos rudimentares. O resultado também foi a retração do tumor.
Confirmada a hipótese de que a molécula inibidora estava agindo nas células tumorais, buscou-se entender a biologia dos mecanismos afetados em células. Nessa etapa, os pesquisadores fizeram análises de bioinformática das células tumorais e constataram que aquelas tratadas com MP023 apresentavam o sistema de defesa interferon mais ativo.
“Em pessoas saudáveis, a PRMT1 faz com que trechos de DNA sejam lidos de acordo com as necessidades do corpo”, explica Massirer, que estuda o tema há 25 anos. “Entretanto, na presença da MS023, a leitura de algumas regiões do genoma ativa o sistema interferon em decorrência da diminuição de PRMT1.
A ativação desta defesa pode levar a célula doente à autodestruição” explica Felipe Ciamponi, um dos autores do artigo, que desenvolveu a pesquisa em seu mestrado em Genética e Biologia Molecular na Unicamp.
A participação do grupo brasileiro foi decisiva nas análises de bioinformática da pesquisa. Elas ajudaram a identificar regiões do genoma afetadas durante o tratamento com a molécula, um mecanismo ainda pouco conhecido do câncer.
Desafio
“Há centenas de milhares de eventos acontecendo simultaneamente em uma célula. Encontrar os efeitos do inibidor químico é um desafio”, explica Ciamponi. Os pesquisadores se debruçaram sobre 560 eventos celulares de leitura de RNA (chamado de splicing alternativo) que envolviam o mecanismo de inibição do tumor.
Dentre esses eventos, observou-se a relação com o sistema geral de defesa, o sistema interferon.
Além disso, o grupo identificou a ativação do sistema interferon como um biomarcador das células. Isto significa que esse biomarcador poderá indicar se a paciente será responsiva ao tratamento com determinadas moléculas.
“Demos um passo importante em direção à ‘medicina de precisão’, na qual os pacientes são tratados com medicamentos adaptados ao seu tipo específico de câncer”, completa Cheryl Arrowsmith, autora do estudo e pesquisadora no Princess Margaret Cancer Centre (Canadá) e do Structural Genomics Consortium, unidade da Universidade de Toronto.
A pesquisa, que recebe apoio da Fapesp, integra o consórcio internacional Structural Genomics Consortium (SGC), do qual faz parte o Centro de Química Medicinal. O SGC segue o modelo de ciência aberta: toda informação produzida – artigos, bases de dados, linhagens celulares, banco de moléculas – é de livre acesso a pesquisadores do setor público ou privado.
*Com informações do Jornal da Unicamp