Médica antivacina participa de câmara técnica do Ministério da Saúde a convite do governo
Foto: Pedro França/Agência Senado
Uma das principais lideranças do movimento antivacina brasileiro, a médica integrativa Maria Emília Gadelha Serra participou de ao menos duas reuniões promovidas pelo Ministério da Saúde para discutir e revisar políticas públicas implementadas no SUS.
Nos dias 20 de setembro de 2021 e 30 de maio de 2022, Maria Emília Serra atuou como “especialista convidada” da pasta em sessões da Câmara Técnica Assessora em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (CTA-PICS).
A indicação é prerrogativa exclusiva da Secretaria de Atenção Primária do ministério.
Em transmissões e vídeos postados nas redes sociais, a médica já comparou a vacinação de crianças contra a covid-19 a um “assassinato em massa” e espalhou a mentira de que a imunização contra o HPV pode causar “sequelas neurológicas” em adolescentes.
Ciência suja
Na sua clínica de medicina integrativa localizada no bairro Cidade Jardim, em uma das áreas mais nobres da capital paulista, a médica cobra R$ 1,8 mil por consulta para aplicar uma terapia de “reversão vacinal” para anular supostos “efeitos adversos” de vacinas, segundo reportagem do podcast Ciência Suja em parceria com o Instituto Questão de Ciência.
A participação da médica nas reuniões do Ministério da Saúde consta em atas e listas de presença das sessões da Câmara Técnica obtidas pelo Extra Classe por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Atualmente, ela lista o cargo de “consultora ad hoc” da CTA-PICS do Ministério da Saúde em seu currículo ao se defender de ações movidas por sociedades médicas insatisfeitas com suas publicações antivacina nas redes sociais.
Além disso, em julho deste ano, a Maria Emília promoveu um evento chamado Invisíveis Experimentais, destinado a dar “visibilidade” a supostas vítimas de imunizantes.
Com ao menos quatro reuniões já realizadas desde setembro de 2021, a CTA-PICS presta consultoria à Secretaria de Atenção Primária para “avaliar, discutir e propor critérios e ações integradas para as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS)”, conforme a portaria que criou a Câmara Técnica em julho de 2021.
Nem Maria Emília Serra ou o Ministério da Saúde responderam aos pedidos de posicionamento enviados pelo Extra Classe até o fechamento desta reportagem.
Ozonioterapia e charlatanismo
Desde 2006, o Ministério da Saúde tenta disponibilizar uma série de terapias alternativas no SUS por meio de uma política voltada às Práticas Integrativas e Complementares.
Uma delas é a ozonioterapia, que é defendida por ela no tratamento de supostas “sequelas vacinais” e ofertada em sua clínica particular.
Sem eficácia comprovada, a ozonioterapia aplica o gás no corpo humano para combater doenças, mas não é usada no SUS, apesar de integrar a política pública.
Isso porque é considerada experimental e vedada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), e só pode ser usada para tratar doenças no âmbito de testes clínicos aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
A médica é presidente da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia (Sobom).
Por falta de evidências de sua segurança e eficácia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só autoriza o uso do ozônio em humanos para fins estéticos ou odontológicos.
Ainda assim, ao longo da pandemia de covid-19, a consultora do Ministério da Saúde promoveu o uso da ozonioterapia retal, terapia em que ozônio é insuflado no ânus do paciente, como possível tratamento contra a doença – foi ela a responsável por usar o gás em Regina Hang, falecida mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang no caso que veio à tona durante a CPI da Covid.
Fake news antivacina
A consultora do Ministério da Saúde também é uma das coordenadoras do Médicos Pela Vida (MPV), grupo que defendeu o uso de coquetéis de remédios sem eficácia contra a covid-19, como ivermectina e cloroquina.
Atualmente, a entidade se opõe à imunização no combate ao coronavírus.
Em um vídeo publicado em dezembro de 2021 no canal do Telegram do MPV, por exemplo, Maria Emília afirmou que vacinados podem transmitir doenças priônicas, um tipo de infecção causada por proteínas deformadas, a pessoas não vacinadas por meio da respiração e do suor.
Embora não existam evidências de que vacinas interfiram na produção regular de proteínas pelo corpo humano, discurso antivacina da médica tem lá seus seguidores – são 77,5 mil em apenas dois perfis que a médica mantém no Instagram.
Com a notoriedade conquistada entre bolsonaristas ao longo da pandemia, Maria Emília Serra se candidatou a deputada federal pelo PRTB em São Paulo nas eleições deste ano.
Em sua plataforma política, trazia três propostas: a incorporação da ozonioterapia no SUS, a proibição do passaporte vacinal e a regulação das agências de checagem de fatos, que ao longo da pandemia desmentiram diversas de suas declarações antivacina. Não foi eleita, mas recebeu 14,1 mil votos.