Estudo da Universidade Federal do Mato Grosso associa câncer a agrotóxicos
Foto: Mano Piovano/ SES/ Arquivo
Um estudo realizado pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) aponta a alta incidência de câncer em diversos municípios do estado de Mato Grosso e estabelece uma relação entre a doença e o uso de agrotóxicos pelo agronegócio nessas localidades.
Os pesquisadores ressaltam que a maioria desses municípios mato-grossenses é produtora de commodities agrícolas para exportação e concentra um grande contingente de pessoas envolvidas na agricultura e pecuária. Nessas localidades, a baixa escolaridade dos trabalhadores do setor dificulta o manejo adequado de agrotóxicos e maior exposição ocupacional e ambiental aos venenos.
O estudo, denominado Ambiente, saúde e agrotóxicos: desafios e perspectivas na defesa da saúde humana, ambiental e do(a) trabalhador(a) tem por objetivo tratar do cenário atual das contaminações por agrotóxicos no ambiente, nas águas, nas populações e classe trabalhadora. O trabalho foi organizado por Pablo Roccon, Haya Del Bel, Alane Souza Costa e Wanderlei Pignati.
Os pesquisadores da Federal também propõem desafios para atuação do poder judiciário e do Ministério Público e a produção de uma vigilância popular; as contribuições de saberes plurais, ancestrais e originários para o enfrentamento da realidade de destruição socioambiental analisada.
Em um trecho, os pesquisadores questionam o forte apelo em torno do agronegócio, com discursos que defendem a atividade como sendo o melhor negócio para seus países, apresentando alta do Produto Interno Bruto (PIB) e avanços tecnológicos como algumas de suas vantagens.
“De fato, o Brasil é um dos maiores produtores agropecuários do mundo e o segundo maior exportador de commodities, mas a que custos social e ambiental?” indaga o trabalho.
Em uma reportagem publicada em maio deste ano, a Mídia Ninja apontou que o Mato Grosso, além de ser o maior produtor do agronegócio do país, também é o estado com maior incidência de acidentes envolvendo agrotóxicos. O setor, afirma, se tornou completamente dependente do veneno para ser produtivo.
“Eu chamo esse modelo econômico de modelo químico dependente de fertilizante. Isso leva ao risco sanitário, alimentar, ambiental. É claro que Mato Grosso é campeão nacional de produção de soja, de milho, de algodão, mas também é campeão nacional de consumo de agrotóxico”, destacou o professor Wanderlei Pignati, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso.
Acidentes de trabalho
A publicação da Universidade Federal do Mato Grosso aponta ainda que o Mato Grosso é também campeão nacional de acidentes e mortes no trabalho, com 70% dos casos relacionados à agropecuária, frigoríficos, usinas de açúcar e álcool, madeireiras e transporte e silagem de grãos.
“Em 2020, por exemplo, o Brasil plantou 75,6 milhões de hectares de lavouras em 21 dos maiores tipos de cultivos, nos quais foram pulverizados um total de 1,2 bilhão de litros de herbicidas, inseticidas e fungicidas e usados 7 bilhões de quilos de fertilizantes químicos. Destes agrotóxicos, 15% eram extremamente tóxicos, 25% altamente tóxicos, 35% medianamente tóxicos e 25% são pouco tóxicos na classificação de toxicidade aguda para humanos”, revela o estudo.
A contaminação por venenos ocorre principalmente pelo manuseio e aplicação mecânica inadequados e contaminação no próprio consumo.
Os autores da pesquisa afirmam que as maiores taxas de câncer estão concentradas em município das zonas Norte, Centro e Sul do estado.
“A exposição ambiental e ocupacional por agrotóxicos pode estar relacionada, pois os municípios da região Norte, Centro e Sul do estado com maior concentração de casos são também os maiores produtores agrícolas do Centro-Oeste e com alto consumo de agrotóxicos”, resume.
O estado registrou quase 11 mil internações hospitalares por câncer infantojuvenil. Desse total, 30% eram crianças de zero a quatro anos.
Câncer infantojuvenil
Os dados já expostos em outro estudo da mesma universidade intitulado Câncer Infantojuvenil: nas regiões mais produtoras e que mais usam agrotóxicos, maior é a morbidade e mortalidade no Mato Grosso revelam ainda que 406 jovens com idades até 19 anos morreram por câncer. Em um terço desses casos as vítimas tinham de 15 a 19 anos.
Mais de 50% dos pacientes desenvolveram leucemias e 37,2% das mortes foram causados pela leucemia linfóide, caracterizado pelo surgimento de linfócito (célula de defesa do organismo) com mutação. De acordo com o estudo, há uma correlação entre o uso médio de agrotóxicos em litros e a média de mortes e internações por câncer infantojuvenil.