Casos de HIV em grávidas negras e pardas aumentaram 64,4% em dez anos
Foto: Mateus Pereira/GOVBA
Foto: Mateus Pereira/GOVBA
Os índices de saúde no Brasil são piores entre pessoas negras. No caso das mortes por aids, os negros e negras também são as maiores vítimas, com números que aumentam significativamente a cada ano. O índice passou de 52,6% em 2011 até chegar a 60,5% em 2021. Isso representa quase dois terços do total de óbitos em relação a pessoas brancas (46,5% de pardos e 14,0% de pretos).
De 2011 a 2021, o número de casos de HIV detectados em grávidas pardas e pretas aumentou ano a ano, evoluindo de 62,4% em 2011 até o percentual de 67,7% em 2021, com maior proporção entre as gestantes de 15 a 29 anos, que representaram 69,6% destas notificações. É isso que indica o segundo volume do Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra, divulgados pelos ministérios da Saúde e da Igualdade Racial.
O documento do Ministério da Saúde, lançado nesta semana durante Seminário Vigilância em Saúde da População Negra, servirá como ferramenta de monitoramento dos indicadores de saúde entre as pessoas negras para nortear políticas públicas de combate ao racismo, redução das desigualdades e promoção da saúde ao longo dos próximos anos, em mais um passo pela igualdade racial no país, uma das prioridades do governo federal.
No Brasil, a notificação de gestantes, parturientes e puérperas com HIV é obrigatória desde 2000, com o objetivo de prevenir a transmissão vertical, ou seja, a passagem da infecção da mãe para o bebê. Ainda assim, o boletim epidemiológico indica que, em 2021, a proporção de pessoas negras com menos de 14 anos notificadas com aids ultrapassa 70% (com 6,3% de pretos e 64,9% de pardos). O documento também aponta aumento de 12% na proporção de pessoas pretas e pardas testadas com HIV ou aids entre 2011 (50,3%) e 2021 (62,3%).
A secretária executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênio, representou a ministra Anielle Franco na abertura do 1º Seminário Vigilância em Saúde da População Negra, ao lado da Ministra da Saúde, Nísia Trindade, para discussão dos desafios no avanço da implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). É a primeira vez na história que a saúde do povo negro, 57% da população, será uma das prioridades da pasta da Saúde.
O Boletim Epidemiológico “Saúde da População Negra’, retoma a análise histórica de dados com perspectiva étnico-racial após 8 anos sem atualização. A ministra Anielle Franco assina o prefácio do Boletim, que considera ser uma “ferramenta estratégica para o enfrentamento às desigualdades de raça e gênero na saúde, e documento de valorização da ciência e do protagonismo de ativistas em saúde da população negra, que constroem o diagnóstico da realidade a ser enfrentada”.
Sífilis adquirida tem cenário semelhante
O cenário é semelhante ao da sífilis adquirida. Para essa doença, a proporção de casos em pessoas negras é maioria em todas as faixas etárias, com destaque para indivíduos de até 14 anos, com 64,6% de negros, sendo 53,4% pardos e 11,2% pretos. A menor proporção de negros está na faixa de idade de 50 anos ou mais (56,1%) e indivíduos de 30 a 39 anos (59,8%).
Em todo o período abrangido pela pesquisa, mais de 60% das gestantes diagnosticadas com sífilis eram negras. No entanto, houve uma pequena redução na proporção de mulheres autodeclaradas pretas, que passou de 14,5% em 2011 para 12,7% em 2021. Entre as gestantes diagnosticadas com sífilis autodeclaradas pardas variou entre 51,6% em 2011 e 56,9% em 2021.
Racismo como determinante social da saúde
Foto: Walterson Rosa/MS
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), instituída em 2009, marca um importante avanço do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos movimentos sociais no enfrentamento ao racismo. Alinhada com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a política reconhece o racismo como um determinante social da saúde, o que quer dizer que a maior parcela da população brasileira se encontra vulnerabilizada, por conta das múltiplas desigualdades raciais enfrentadas historicamente por estas pessoas pretas e pardas.
A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, declarou que o boletim epidemiológico é um primeiro passo para a construção de uma linha de base. “Algumas políticas já estão em andamento, outras em recuperação. A saúde da população negra é uma prioridade do governo federal, que compreende os determinantes sociais que causam muitos obstáculos de acesso à saúde desta população”, disse.
Esse cenário de desigualdade impacta nos índices das chamadas doenças socialmente determinadas, como é o caso da infecção por HIV e da tuberculose, que apesar de possuírem tratamento gratuito pelo SUS, representam as causas de grande número de mortes entre homens e mulheres negras no Brasil.
Nesse sentido, o assessor para Equidade Racial em Saúde do Ministério da Saúde, Luís Batista, destaca que essa edição especial do boletim epidemiológico serve para elaboração de uma linha de base para ações, programas e políticas intersetoriais, mas também representa uma forma de diálogo com a sociedade sobre os problemas que mais afetam a saúde da população negra. “A próxima etapa é que todos os nós críticos identificados possam compor a estratégia e os indicadores do Plano Nacional de Saúde”, explica.
Pessoas negras e pardas afetadas pela tuberculose
O relatório retrata ainda as consequências do racismo na saúde das pessoas pretas e pardas. Foi o que destacou a ministra Nísia Trindade, que comentou o estudo.
“Nossa ideia é para que para todas as ações do Ministério da Saúde, do Mais Médicos ao complexo econômico industrial da Saúde, a dimensão étnico-racial seja, de fato, vista como um determinante social da saúde.”
A tuberculose atingiu 78 mil pessoas em 2022. Entre os novos casos, 49 mil eram de pardas e pretas, o que representa 63% dos casos.
Já a mortalidade materna por hipertensão é crescente entre mulheres pretas. A morte nesses casos aumentou 5%, entre 2010 e 2020.
Entre os fatores de risco da tuberculose, estão a falta de acesso à alimentação de qualidade e más condições de moradia, o que pode ser evidenciado pela prevalência de casos entre pessoas de baixa renda. Entre 2010 e 2022, foram notificados, em média, 73 mil novos casos por ano, com concentração de pessoas negras em aproximadamente 60% dos casos.
Somente em 2022, 78 mil pessoas foram diagnosticadas e, dentre esses novos casos, 49.381 eram pardas e pretas, o que representa 63,3% dos casos. Além disso, entre 2010 e 2020, o Brasil registrou uma média de 4,5 mil óbitos, com pico de 5.072 em 2021, e percentual de 64,4% de pessoas negras mortas pela doença no período. Nesse contexto, também chama atenção a predominância de desistências em relação ao tratamento preventivo de tuberculose entre este grupo social: apenas 60,3% das pessoas pretas e 64,3% das pardas finalizaram o tratamento.
Tuberculose e coinfecção com HIV
Outro fator importante de destaque é a expansão da testagem para HIV/aids em novos casos de tuberculose, que passou de 62,1% em 2010 para 79,7% em 2022. Isso é reflexo das orientações realizadas pelo Ministério da Saúde, que estimula a testagem de HIV entre todos os que recebem diagnóstico de tuberculose, o que é justificado pelo alto índice de pessoas infectadas pelas duas doenças e pela possibilidade de cura por meio do tratamento precoce. Na série histórica, 5.938 pessoas negras receberam diagnóstico de coinfecção tuberculose-HIV.
Essas doenças afetam em maior parte a população negra, uma vez que sua incidência está associada ao acesso limitado de indicadores como educação, saneamento básico, segurança alimentar, emprego e renda. Apesar do estigma que o HIV e a tuberculose ainda carregam, o SUS oferece gratuitamente prevenção, diagnóstico e tratamento.
Teste rápido inédito no SUS
Como mais uma alternativa de diagnóstico, um teste rápido com capacidade para identificar, ao mesmo tempo, as infecções por sífilis e HIV, será ofertado no SUS. O Ministério da Saúde vai investir R$27 milhões na aquisição da nova tecnologia, inédita na rede pública, também chamada de duo teste, resultando em 4 milhões de unidades. A expectativa é que a distribuição para os estados ocorra ainda em 2023. A iniciativa vai possibilitar um tratamento mais ágil para a população e é mais um passo do governo federal para atender à meta de eliminar ou controlar, até 2030, 14 doenças com elevada incidência em regiões de maior vulnerabilidade social, como é o caso do HIV e da sífilis.
A pasta também incorporou ao SUS, em setembro, um tratamento inovador e mais rápido para a tuberculose resistente: a pretomanida. Segundo estimativas, o medicamento pode reduzir de 18 para seis meses o tempo de tratamento das pessoas – uma queda de quase 70%. Entre os benefícios, também está a administração via oral, o que facilita a adesão dos pacientes e exige menos visitas de acompanhamento.
As ações fazem parte das estratégias do governo federal para eliminar doenças que acometem, de forma mais intensa, as populações de maior vulnerabilidade social. Esse também é o caso do Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente (CIEDDS), uma iniciativa inédita, que reúne nove ministérios e vai funcionar até janeiro de 2030 sob coordenação do Ministério da Saúde.
Dados da pasta apontam que, entre 2017 e 2021, as doenças determinadas socialmente foram responsáveis pela morte de mais de 59 mil pessoas no Brasil. O plano de trabalho inicial inclui enfrentar 11 dessas enfermidades – como malária, esquistossomose, doença de Chagas e hepatites virais – além da transmissão vertical de sífilis, hepatite B, HIV e HTLV. Essa estratégia está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidades (ONU).
Especificamente sobre a sífilis, o objetivo é eliminar a sífilis congênita como problema de saúde pública. A sífilis congênita é consequência da transmissão da sífilis durante a gestação e/ou parto. Já sobre o HIV, a meta é ter 95% das pessoas vivendo com HIV diagnosticadas, destas, 95% em tratamento e 95% com carga viral controlada.
A instalação do CIEDDS parte da premissa que garantir o acesso apenas ao tratamento em saúde não é suficiente para atingir essas metas. É preciso propor políticas públicas intersetoriais que sejam voltadas para a equidade em saúde e para a redução das desigualdades sociais, fator diretamente ligado às causas do problema.