SAÚDE

O Setembro Amarelo também passa pela saúde mental dos trabalhadores

A OMS estima que 14 mil brasileiros tiram a própria vida a cada ano, o que corresponde a 38 pessoas por dia
Por César Fraga / Publicado em 10 de setembro de 2024

O Setembro Amarelo também passa pela saúde mental dos trabalhadores

Foto: Ministério da Saúde/Divulgação

Foto: Ministério da Saúde/Divulgação

A terceira maior causa de afastamentos por auxílio-doença acidentário, segundo dados da Previdência Social, está relacionada aos transtornos mentais. A Norma Regulamentadora – NR-01 (Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais) introduziu a identificação e gestão de riscos psicossociais no ambiente de trabalho.  O destaque é da Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) voltada para o estudo e pesquisa das condições dos ambientes de trabalho vinculada ao Ministério do Trabalho, por conta da promoção da campanha do Setembro Amarelo nos ambientes de trabalho.

A campanha do Setembro Amarelo é voltada para a conscientização e prevenção do suicídio, e sua relevância no mundo do trabalho, segundo a Fundacentro, precisa ganhar mais espaço.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, todos os anos, mais de setecentas mil pessoas no mundo tiram a própria vida.

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil registra aproximadamente 12 mil suicídios por ano, uma estatística alarmante, com destaque para a crescente incidência entre os jovens. Entre pessoas de 15 a 29 anos, o suicídio é a quarta principal causa de morte, perdendo apenas para acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal.

Já  a OMS fala em 14 mil ocorrências/ano, o que corresponde a 38 pessoas tirarem a própria vida a cada dia.

Além disso, as taxas de mortalidade por suicídio entre adolescentes de 15 a 19 anos aumentaram 49,3% entre 2016 e 2021, enquanto, na faixa de 10 a 14 anos, o crescimento foi de 45%.

No Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, lembrado nesta terça-feira, 10, a OMS – em parceria com a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP, na sigla em inglês) – alerta para a necessidade de reduzir o estigma e encorajar o diálogo sobre o tema.

Até 2026, a campanha que faz alusão à data – encabeçada por ambas as organizações – tem como tema Mudando a Narrativa sobre o Suicídio. A proposta, segundo a OMS, é romper com a cultura do silêncio e do estigma, dando lugar para a abertura ao diálogo, compreensão e apoio. Números da entidade mostram que o suicídio figura, atualmente, como a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

Em nota, a OMS cita consequências sociais, emocionais e econômicas de longo alcance provocadas pelo suicídio e que afetam profundamente indivíduos e comunidades. Para a organização, uma simples conversa é uma ferramenta com o potencial de contribuir para uma sociedade mais solidária e compreensiva, independentemente do tempo de duração desse diálogo.

Já, no mundo do trabalho, de acordo com o médico psiquiatra Marcelo Kimati Dias, que atua como  assessor da Presidência da Fundacentro,  a discussão também tem muito o que avançar. (Leia entrevista no final desta matéria)

“Ao longo da pandemia vimos algumas categorias profissionais se tornarem mais vulneráveis ao suicídio, como as forças de segurança. Vimos também que alguns elementos comuns a várias categorias, como precarização de vínculos, dificuldade de diferenciar lazer de trabalho, muito comum no home office, também estão associados a sofrimento mental”.

Para o psiquiatra o conjunto de transformações contemporâneas no mundo do trabalho, como a apologia ao empreendedorismo, fragilização do movimento sindical, uberização do trabalho tendem a vulnerabilizar a saúde mental do trabalhador. Desta forma, achamos muito importante a visibilidade dada a este tema em setembro para promovermos o debate entre as mudanças no mundo do trabalho, prevenção e suicídio.

Além disso, o estresse, a pressão por resultados, jornadas excessivas e a falta de reconhecimento são fatores que contribuem para o esgotamento mental, um problema que pode levar ao desenvolvimento de transtornos mentais, incluindo a depressão, ansiedade e, em casos extremos, ao suicídio.

O que é a NR-01

A NR-01 (atualizada em seu Capítulo 1.5, em março deste ano pelo governo federal) trata do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), considerada a “norma mãe” das regulamentações laborais, fundamental para a proteção dos trabalhadores no Brasil.

De Acordo com o diretor do Departamento de Segurança no Trabalho, da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Rogério Araújo, trata-se de um marco significativo para a segurança e saúde no trabalho.

Segundo o diretor, a nova atualização, ocorrida em agosto, introduz, pela primeira vez, a identificação de riscos psicossociais no ambiente de trabalho no texto da NR-01.

Apesar de não haver consenso na inclusão pela representação dos empregadores, a representação do Governo, composta por quatro Ministérios e a de trabalhadores concordaram com a inclusão e com o avanço que a nova redação traz no sentido da melhor promoção de ambientes de trabalhos seguros e sadios.

Esses riscos, que incluem fatores como assédio moral e sexual, são causas significativas de adoecimento entre os trabalhadores, gerando grandes prejuízos sociais e econômicos, especialmente no contexto pós-pandemia. “Os riscos psicossociais têm causado enormes impactos na saúde mental dos trabalhadores. Essa atualização da Norma é um passo importante para lidar com essa realidade”, afirmou Rogério Araújo.

A nova redação da norma obrigará as empresas a implementarem medidas para gerenciar esses riscos, garantindo que os colaboradores não adoeçam mentalmente devido à sobrecarga ou a ambientes tóxicos. As empresas deverão realizar avaliações contínuas dos riscos e estabelecer estratégias para prevenir situações de assédio e violência no trabalho.

“A partir de agora, as empresas terão que fazer a gestão desses ambientes de trabalho para que eles não adoeçam o trabalhador mentalmente. Para que não haja excesso de sobrecarga de trabalho e para que seja garantido um ambiente de trabalho saudável”, explicou o diretor do Departamento de Segurança no Trabalho.

A NR-01 exige que as empresas elaborem e mantenham documentos de gestão de riscos e programas de gerenciamento de riscos à disposição para fiscalização. Esses documentos devem ser elaborados e estar disponíveis para a fiscalização quando solicitados, seja pela Inspeção do Trabalho, seja pela representação dos trabalhadores ou outros atores que atuam na fiscalização de segurança do trabalho.

A entrada em vigor da nova NR-01 está prevista para ocorrer nove meses após sua publicação, permitindo tempo suficiente para que as empresas se adaptem às novas exigências. “Esse prazo permitirá que as empresas ajustem seus processos e implementem as avaliações necessárias para garantir a saúde e a segurança de seus trabalhadores”, destacou Rogério Araújo.

A questão do assédio moral e sexual nas empresas está em alta, com um número crescente de denúncias. A saúde mental dos trabalhadores também tem ganhado importância. “O governo tem uma preocupação muito grande com a segurança e a saúde do trabalhador, especialmente a saúde mental. Recentemente, a lista de doenças relacionadas ao trabalho foi atualizada pelo Ministério da Saúde, incluindo problemas de saúde mental”, disse o diretor do Departamento de Segurança no Trabalho.

 

“Cuidados com a saúde mental dos trabalhadores precisa avançar”

O Setembro Amarelo também passa pela saúde mental dos trabalhadores

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Marcelo Kimati Dias é médico psiquiatra e assessor da Presidência da Fundacentro

Segundo dados oficiais, o Setembro Amarelo é a maior campanha antiestigma do mundo. Em 2024, o lema é “Se precisar, peça ajuda!”

Marcelo Kimati Dias, responde, em forma de questionário, a várias questões levantadas sobre o tema. O material foi produzido pelo setor de comunicação da Fundacentro e conduzida pela jornalista Débora Maria Santos.

Kimati possui graduação em medicina pela Universidade Estadual de Campinas, mestrado em Ciências Médicas e doutorado em Ciências Sociais.

Ele também é especialista em antropologia, saúde mental, saúde coletiva, gestão em saúde pública e política de álcool e drogas. Atuou como assessor na Coordenação de Saúde Mental no Ministério da Saúde – MS.

Qual é a importância do setembro amarelo na conscientização sobre a saúde mental no ambiente de trabalho?
Marcelo Kimati Dias – A discussão de suicídio em setembro tem sido adotada há aproximadamente 10 anos por iniciativa de entidades médicas, reproduzindo no Brasil uma mobilização existente nos Estados Unidos da América – EUA desde a década de 1990. Esta perspectiva médica de abordagem do suicídio tende a simplificar um conjunto de fenômenos complexos e tende a homogeneizar um conjunto de fenômenos diferentes; os fatos sociais associados às altas taxas de suicídio de população indígena no Brasil, por exemplo, têm origem muito diferente do aumento de taxas entre adolescentes nos últimos anos.

E no campo do trabalho?
Kimati – No campo do trabalho, temos uma discussão que precisa avançar muito. Ao longo da pandemia vimos algumas categorias profissionais se tornarem mais vulneráveis ao suicídio, como as forças de segurança. Vimos também que alguns elementos comuns a várias categorias, como precarização de vínculos, dificuldade de diferenciar lazer de trabalho, muito comum no home office, também estão associados a sofrimento mental. Um conjunto de transformações contemporâneas no mundo do trabalho, como a apologia ao empreendedorismo, fragilização do movimento sindical, uberização do trabalho tendem a vulnerabilizar a saúde mental do trabalhador. Desta forma, achamos muito importante a visibilidade dada a este tema em setembro para promovermos o debate entre as mudanças no mundo do trabalho, prevenção e suicídio.

Como o estresse e a pressão no trabalho podem contribuir para o desenvolvimento de problemas de saúde mental entre os trabalhadores?
Kimati – Existem várias evidências epidemiológicas de que situações de pressão, vulnerabilização de vínculo de trabalho, assim como pouco envolvimento do trabalhador em decisões que envolvem sua própria atividade estão relacionadas a mais sofrimento mental. Há situações de sofrimento que são específicas de cada atividade, como exposição à violência com pessoas que trabalham na área da segurança. Entretanto, algumas outras, como baixos salários, carga horária excessiva, assédio e conflitos no trabalho, são situações geradoras de sofrimento em qualquer atividade.

De que forma as empresas podem promover um ambiente de trabalho que priorize a saúde mental dos funcionários?
Kimati – É muito importante afirmar que boas condições de ambiente de trabalho não substituem a necessidade de se ter boas condições estruturais de trabalho. Isto implica dizer que um ambiente de trabalho climatizado não substitui uma vinculação precária, o fornecimento de alimentos em local de trabalho não substitui uma boa remuneração com a qual o trabalhador pode alimentar bem a si e a sua família. Uma empresa que oferece um aplicativo de cuidados psicológicos aos trabalhadores pode ter ainda assim um ambiente de trabalho autoritário e abusivo e com muito sofrimento mental.

Superficialidade piora a situação?
Kimati – É bastante perigosa esta tendência atual de abordar superficialmente a prevenção ao sofrimento mental a partir da observação de ofertas em ambiente de trabalho. A discussão feita com este referencial não contempla grandes vulnerabilidades ao sofrimento e adoecimento mental promovidas por empresas, como assédio, cargas de trabalho excessivas e formas precárias de vinculação. A superficialidade do foco exclusivo no ambiente de trabalho funciona muitas vezes como uma cortina de fumaça para questões estruturais e muito sérias.

Como a cultura organizacional pode influenciar a percepção dos trabalhadores sobre buscar ajuda para problemas de saúde mental?
Kimati – Uma cultura organizacional que de fato se preocupa com a saúde mental dos trabalhadores tende a criar formas de gestão participativa. Da mesma forma, proteger a saúde mental em ambiente de trabalho é combater um modelo de produção baseado na alienação das práticas cotidianas, com a repetição de processos que não fazem sentido ao sujeito e da fragmentação do processo de trabalho. Este modelo, empregado desde o início do século passado em indústrias, expropria do sujeito alguns elementos essenciais no trabalho: o desenvolvimento de práticas coletivas e o sentido necessário ao que se faz. Esses elementos são fundamentais para a promoção de saúde mental.

Quais são as melhores práticas que gestores podem adotar para apoiar funcionários que estão passando por depressão e ansiedade?
Kimati – Quadros de depressão e ansiedade são transtornos particularmente muito comuns, chegando até a 30% em alguns estudos populacionais. Desde novembro de 2023, são consideradas potencialmente doenças ocupacionais. Desta forma, é importante realizar diagnósticos, uma vez que a imensa maioria dos usuários de psicotrópicos não é diagnosticada de forma apropriada. Em segundo lugar, caso seja identificada uma doença, deve haver um plano terapêutico, que envolve a superação de elementos que vulnerabilizaram o sujeito a adoecer. Neste sentido, é fundamental um plano medicamentoso, uma vez que sabemos que, hoje, quase 60% dos usuários de antidepressivos evoluem para uso crônico.

E o diagnóstico?
Kimati – Da mesma forma, é importante a compreensão do que provocou o sofrimento a partir da história e características do sujeito. Um diagnóstico psiquiátrico é um ponto final a um conjunto de diferentes processos que envolvem aspectos externos, mas também subjetividade, história pessoal e vulnerabilidades da pessoa.  Em terceiro, deve haver o entendimento do que de fato aconteceu com o trabalhador em situação de trabalho.

Quais foram os conflitos, as vulnerabilidades associadas ao adoecimento? Em que medida esses fatores envolveram características de trabalho? Esta situação pode ser caracterizada como doença ocupacional?
Kimati – Hoje os chamados riscos psicossociais estão inclusos na NR-1, o que permite a indagação; a instituição associada a este adoecimento está vulnerabilizando o trabalhador promovendo um ambiente com esses riscos.

Como as políticas de prevenção ao suicídio podem ser implementadas de forma eficaz nas empresas públicas e privadas?
Kimati – Em primeiro lugar, ouvir os trabalhadores. Há no cotidiano do trabalho uma rotina que vulnerabilize sua saúde mental? Você ajuda na tomada de decisões que envolvem seu trabalho diário?

Criar espaços coletivos de escuta, de discussão do trabalho e de seu andamento. Implica em desenvolver uma cultura de transparência em relação a mudanças institucionais. Ao mesmo tempo, criar espaços de escuta visa compreender conflitos internos como produto das relações institucionais. A partir daí podem ser identificadas possibilidades de transformação.

O que é a Fundacentro e materiais disponíveis sobre o tema

A Fundacentro, por meio de pesquisas na área de segurança e saúde no trabalho, dissemina estudos que possibilitem a prevenção de doenças, acidentes e mortes nos ambientes de trabalho. A biblioteca da instituição disponibiliza uma série de conteúdos técnico-científicos em SST, acesse o acervo de forma gratuita e também da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional – RBSO.  Leia o artigo “Considerações sobre trabalho e suicídio: um estudo de caso”, disponível gratuitamente.

Pedido de ajuda

As pessoas que querem e precisam conversar, o Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, o atendimento é gratuito a qualquer pessoa, por meio do telefone: 188chat ou e-mail.

Plataforma IdeiaSUS

A Plataforma IdeiaSUS, como parte do Setembro Amarelo, destaca práticas bem-sucedidas do Sistema Único de Saúde (SUS) que focam na prevenção ao suicídio, saúde mental e redução de estigmas. Entre as iniciativas, a Rede de Atenção e Prevenção ao Suicídio de Anastácio, em Mato Grosso do Sul, é um exemplo notável. Criada em 2017, a rede opera com base em três pilares: prevenção, atenção e posvenção. Este e outros 32 projetos são detalhados no livro “Fiocruz é SUS: Rodas de Saberes, Práticas Compartilhadas“, disponível gratuitamente na plataforma IdeiaSUS.

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