Organização criminosa atuava em gabinete de Flávio Bolsonaro, diz MP
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O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apontou indícios de que um esquema de corrupção foi montado no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL) na época em que ele era deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Um grupo identificado pela Promotoria teria “clara divisão de tarefas” para desviar recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). De acordo com relatório vazado para a revista Veja, os promotores afirmam que o ex-motorista Fabrício Queiroz tentou assumir a responsabilidade sozinho “para desviar o foco”. Flávio e Fabrício negam as acusações. Na quarta-feira, 15, parte do relatório liberado pelo MPRJ para a Veja detalha indícios de lavagem de dinheiro com imóveis. O relatório foi usado pelos procuradores para embasar um pedido à Justiça de quebra de sigilo bancário e fiscal de 95 pessoas e empresas relacionadas a Flávio Bolsonaro. A investigação está sob sigilo, portanto, sua divulgação à imprensa está restrita a vazamentos dos próprios procuradores. A TV Globo também teve acesso ao documento. De acordo com os investigadores, Flávio Bolsonaro investiu R$ 9,4 milhões na compra de 19 salas e apartamentos na Zona Sul e na Barra da Tijuca, no Rio, entre 2010 e 2017.
De acordo com o documento, uma suposta organização criminosa atuava em paralelo ao mandato do então deputado estadual. O esquema para desviar recursos públicos “era formado, desde o ano de 2007, por dezenas de integrantes do gabinete de Flávio Bolsonaro e outros assessores nomeados por ele na Alerj”. O relatório do MP cita três núcleos, com “clara divisão de tarefas” no que seria um crime de peculato – apropriação, por funcionário público, de bens alheios –, além de lavagem de dinheiro.
O primeiro núcleo nomeava pessoas para ocupar cargos em comissão na Alerj em troca do repasse de parte dos seus salários, prática conhecida como “rachadinha”. Outra célula recolhia e distribuía os recursos públicos desviados do orçamento da Alerj, “cuja destinação original deveria ser a remuneração dos cargos”. Um terceiro grupo seria formado “pelos assessores que concordaram em ser nomeados sob compromisso de repassar mensalmente parte de seus salários”.
QUEIROZ – O ex-assessor e ex-motorista do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), Fabrício Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta de maneira considerada “atípica”, segundo relatou ainda em janeiro deste ano o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf). O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro abriu procedimento investigatório criminal para apurar o caso, mas a investigação foi suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 17 de janeiro, a pedido de Flávio Bolsonaro. No relatório vazado na última quarta-feira pelos procuradores à Veja, o MP afirma que houve uma tentativa de “desvio de foco” por parte de Queiroz, que denotou “nítido objetivo de tentar assumir sozinho a responsabilidade penal e desviar o foco da investigação que também recai sobre o ex-deputado Flávio Bolsonaro”. Em determinado trecho, o MPRJ destaca: “Não parece crível a insinuação da defesa de que a liderança da organização criminosa caberia ao próprio Fabrício Queiroz, um assessor subalterno, que teria agido sem conhecimento de seus superiores hierárquicos durante tantos anos”.
LAVAGEM DE DINHEIRO – O relatório aponta ainda “suspeitas de subfaturamento nas compras e superfaturamento nas vendas”. De acordo com os investigadores, Flávio Bolsonaro investiu R$ 9,4 milhões na compra de 19 salas e apartamentos na Zona Sul e na Barra da Tijuca, no Rio, entre 2010 e 2017, quando ocupava o cargo de deputado estadual. Ele teria lucrado mais de R$ 3 milhões com as negociações. A suposta fraude pode ter ocorrido para “simular ganhos de capital fictícios” que encobririam “o enriquecimento ilícito decorrente dos desvios de recursos” da Alerj.
Especulação imobiliária e paraíso fiscal
De acordo com os promotores, o comprador dos imóveis tem, entre os sócios, uma empresa sediada em um paraíso fiscal, o Panamá. Segundo os promotores e o Coaf se configura em “sérios indícios de lavagem de dinheiro” a realização de operações imobiliárias envolvendo pessoas jurídicas cujos sócios mantenham domicílio em países com tributação favorecida. O corretor responsável pela venda de dois imóveis ao senador Flávio Bolsonaro foi alvo do Coaf sob a suspeita de ter subfaturado uma transação imobiliária. De acordo com a Folha de S. Paulo, trata-se da mesma modalidade de fraude que os promotores suspeitam ter sido praticada pelo senador nas operações com esse próprio corretor, o norte-americano Glenn Dillard. “Essa prática de subfaturamento do registro imobiliário da compra aliada ao superfaturamento da venda possibilita a simulação de ganhos de capital em patamares expressivos, razão pela qual são instrumentos rotineiramente utilizados para lavagem de capitais já catalogados pelo Coaf e principais organismos internacionais”, escreveram os promotores ao pedir a quebra de sigilo de Flávio Bolsonaro e Glenn Dillard. Dillard atuava como procurador de dois investidores norte-americanos, Charles Eldering e o médico Paul Maitino, reais proprietários de dois quitinetes em Copacabana adquiridos por Bolsonaro. A operação ficou suspeita, Eldering acusou Dillard de vender uma das unidades para Flávio sem consentimento, ficar com o dinheiro e esconder a transação. O caso foi parar na Justiça, o que chamou a atenção do MPRJ. Essas e outras 17 operações imobiliárias são alvos do MPRJ.
Queiroz: lista de assessores que dividiam salários
O advogado Paulo Klein, que defende Queiroz, contesta as acusações do MP. “A defesa entende que o ônus da prova é da acusação. A acusação que é que tem que fazer prova daquilo que alega, e não a defesa fazer a prova negativa”. De acordo com o advogado, “no momento processual adequado” será apresentada uma lista dos assessores de quem ele (Queiroz) recolhia dinheiro. Klein contesta a suspeita de que seriam fantasmas. “Isso foi baseado numa afirmação sem nenhuma base, nenhuma prova”, afirma.
Em nota divulgada na noite de quinta-feira, Flávio Bolsonaro afirma: “Não são verdadeiras as informações vazadas na revista Veja acerca de meu patrimônio. Continuo sendo vítima de seguidos e constantes vazamentos de informações contidas em processo que está em segredo de justiça. Os valores informados são absolutamente falsos e não chegam nem perto dos valores reais. Sempre declarei todo meu patrimônio à Receita Federal e tudo é compatível com a minha renda. Tenho meu passado limpo e jamais cometi qualquer irregularidade em minha vida. Tudo será provado em momento oportuno dentro do processo legal. Apenas lamento que algumas autoridades do Rio continuem a vazar ilegalmente à imprensa informações sigilosas querendo conduzir o tema publicamente pela imprensa e não dentro dos autos”.
De acordo com o Ministério Público do Rio, “as centenas de depósitos e saques em espécie realizados de forma fracionada na mesma conta corrente” de Fabrício Queiroz, ex-assessor e motorista do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), “evidenciam” a suspeita de que ele recebia mensalmente parte do salário dos demais assessores, e “distribuía parte do dinheiro a outros integrantes da organização criminosa”, através da prática conhecida no meio político como “rachadinha”. Queiroz admitiu que arrecadava dinheiro de outros servidores do gabinete e alegou que usava os recursos para contratar assessores externos “por fora”, prática vedada pela Alerj e que ele não conseguiu provar. “Não há evidências de que quaisquer pessoas tenham sido remuneradas pelos valores desviados para a conta de Fabrício Queiroz”, afirma o documento do MP. Queiroz sacou R$ 661 mil em dinheiro durante um período de 18 meses, entre janeiro de 2016 e junho de 2018, de acordo com os relatórios do Coaf e documentos relativos à investigação sobre Flávio Bolsonaro. Em um desses documentos aparecem saques e depósitos atípicos de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz ao longo de 2016 e em outro, 48 depósitos fracionados de R$ 2 mil na conta do filho do presidente entre junho e julho de 2017.
As movimentações consideradas atípicas – detectadas originalmente pelo sistema de compliance do Banco Itaú, do qual Queiroz é correntista – foram anexadas pelos promotores ao pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio, do ex-assessor e de outras 93 pessoas e empresas no âmbito do inquérito que investiga o hoje senador por peculato (desvio de dinheiro público por servidor) e lavagem de dinheiro. De acordo com os novos registros mostram que Queiroz “movimentou enormes volumes de créditos e saques em espécie”. Só em retiradas de dinheiro foram R$ 146,4 mil entre janeiro e abril e de outubro a dezembro de 2016; R$ 324,8 mil entre janeiro e março de 2017; e R$ 190 mil entre novembro de 2017 e junho do ano passado. Nos mesmos períodos, de acordo com o MP, a conta de Queiroz recebeu R$ 628,2 mil em créditos ou depósitos. Segundo a investigação, funcionários fantasmas, parentes de Bolsonaro devolviam até 90% dos salários ao clã. A segunda esposa de Jair Bolsonaro, Ana Cristina Valle, teve ao menos 12 parentes da sua família, Siqueira Valle, empregados no suposto esquema nos gabinetes do presidente, quando era deputado federal, e de Flávio Bolsonaro, na Alerj.
Envolvimento com milicianos
Foto: Polícia Civil/ Divulgação
A ampla quebra de sigilo bancário e fiscal pelo Ministério Público do Rio de Janeiro pode atingir todo o entorno do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente e atingir até mesmo a primeira-dama, Michele Bolsonaro. Reportagem de Catia Seabra e Italo Nogueira na Folha de S.Paulo aponta que a investigação poderá ter desdobramentos em outras apurações no entorno de Flávio. As milícias, a atuação do PSL no estado do Rio, liderado pelo hoje senador Flávio Bolsonaro, a primeira-dama e a ex-mulher do presidente podem ser abrangidos pela investigação. Entre os episódios que poderão ser esclarecidos pela quebra dos sigilos estão os dez cheques que Fabrício Queiroz afirmou ter pago à primeira-dama Michelle Bolsonaro, na devolução de um suposto empréstimo de R$ 40 mil que o presidente Jair Bolsonaro teria feito ao assessor do filho. E também esclarecer a intermediação feita por Queiroz da contratação da mãe e da mulher do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, que comandava uma das milícias mais violentas do Rio e o grupo de extermínio Escritório do Crime, para trabalhar no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. O miliciano chegou a ser homenageado em 2005 por Flávio Bolsonaro com a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Assembleia Legislativa. Na época, ele estava preso sob acusação de homicídio. O Escritório do Crime é suspeito de participar das mortes da vereadora Mariele Franco e do motorista Anderson Gomes, executados em 14 de março de 2018 pelos milicianos Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz.