POLÍTICA

Câmara aprova projeto que obriga planos de saúde a cobrir tratamentos não listados pela ANS

Projeto que deverá ser votado também no Senado determina exames ou tratamentos de saúde não incluídos no rol da ANS revoga decisão do STJ
Por Gilson Camargo / Publicado em 4 de agosto de 2022

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Foto: Elaine Menke/Câmara do Deputados

PL 2033/22 que estabelece hipóteses de cobertura pelos planos de saúde para exames ou tratamentos foi aprovado sob pressão de familiares de autistas e outros pacientes excluídos pelo STJ

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A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2033/22 que estabelece hipóteses de cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A lista de eventos de saúde, ou seja, de coberturas às quais os planos de saúde são obrigados a atender, era facultativa, passível de questionamento judicial. Mas passou a ser obrigatória por decisão de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, sob a pressão de advogados dos planos de saúde votaram pela taxatividade do rol em julgamento no dia 8 de junho. Essa decisão é questionada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Diante da repercussão negativa e da pressão de entidades que representam as famílias de pacientes submetidos a tratamentos excluídos do rol pelos ministros do STJ, o assuntou entrou na pauta do Legislativo.

O PL 2033/22 foi incluído no regime de urgência e votado na tarde de quarta-feira, 3. A proposta determina a continuidade dos tratamentos que poderiam ser excluídos da cobertura dos planos de saúde.

A votação não é definitiva. O projeto deverá ser submetido ainda ao plenário do Senado, o que deverá ocorrer na terça-feira, 9.

Entre os pontos da regulamentação, a proposta determina que a lista de procedimentos e eventos cobertos por planos de saúde será atualizada pela ANS a cada incorporação. O rol servirá de referência para os planos de saúde contratados desde 1º de janeiro de 1999.

Referência

Arte: Câmara dos Deputados

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Quando o tratamento ou procedimento prescrito pelo médico ou odontólogo assistente não estiver previsto no rol, a cobertura deverá ser autorizada se existir comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; em caso de recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS; e se houver recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

“Com a aprovação deste projeto aqui na Câmara e depois no Senado, a gente vai ter o retorno ao rol exemplificativo e todo o posicionamento do STJ terá que ser alterado”, projetou a advogada Carolina Nadaline, do Instituto Lagarta Vira Pupa, que representa pessoas mães e crianças com autismo.

Carolina, que é autista e mãe de autista, afirma que agora a saúde e até mesmo a vida de pacientes que necessitam atenção especial estão nas mãos dos senadores.

“São 50 milhões de usuários de planos de saúde e todos os usuários do SUS. Portanto, é um assunto de saúde pública e não só das pessoas que necessitam desses tratamentos”. Leia entrevista na edição impressa de agosto do Extra Classe.

Decisão do STJ

Após uma virada de mesa dos ministros do STJ, que mudaram uma posição histórica e votaram pela taxatividade do rol na sessão de 6 de junho, o STF passou a receber centenas de recursos de advogados e entidades que representam os usuários dos planos de saúde.

O rol de procedimentos da ANS lista 3.368 eventos em saúde, incluindo consultas, exames, terapias e cirurgias, além de medicamentos e órteses e próteses vinculados a esses procedimentos. Esses serviços médicos devem ser obrigatoriamente ofertados de acordo com o plano de saúde.

Grupo de Trabalho

Foto: Elaine Menke/Câmara do Deputados

Hiran Gonçalves, relator da matéria

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O PL 2033/22 foi apresentado por grupo de trabalho da Câmara dos Deputados criado para analisar a questão.

O relator, deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), criticou a decisão do STJ, que segundo ele causou grande comoção popular.

“E não era para menos. Milhões de pessoas que dependem dos planos de saúde para se manterem saudáveis e vivas se viram tolhidas do direito de se submeterem a terapias adequadas às suas vicissitudes, indicadas pelos profissionais de saúde responsáveis por seu tratamento”, ressaltou. O parlamentar elogiou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) pela “agilidade” em colocar o projeto em votação e projetou que proposta visa alinhar as ideias de órgãos técnicos e da sociedade civil, “garantindo, sempre, a segurança e a saúde dos milhões de beneficiários de planos de assistência à saúde do país”.

Lobby dos planos

Já o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) defendeu a decisão do STJ e criticou a proposta, por considerar que vai prejudicar a competição e aumentar os preços dos planos de saúde.

“Vai ficar muito mais caro e complexo ter plano de saúde, e os pequenos vão quebrar. Já as grandes farmacêuticas agora podem induzir médicos a receitar tratamentos experimentais sem aprovação pela Anvisa”, desconfiou.

O que o parlamentar omitiu foi o resultado financeiro dos planos de saúde citado pela ministra do STJ, Nanci Andrighi, em seu voto contrário à taxatividade: os planos de saúde atraíram quase 2 milhões de novos usuários na pandemia e tiveram um aumento de R$ 10 bilhões na receita em 2021, totalizando um faturamento de R$ 239,9 bilhões.

Carolina alerta que as operadoras dos planos de saúde têm uma força financeira muito grande e exercem pressão em todas as esferas de poder. “Seus interesses não são representados só no Judiciário, mas também nos executivos, nos legislativos, no plural, porque a gente está falando de um trabalho grande que é feito não só em nível de Congresso Nacional e Poder Executivo Federal, mas em todas as esferas dos entes federados”, alerta.

Vida acima do lucro

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) elogiou a mobilização das mães que buscavam dar continuidade aos tratamentos de seus filhos, que poderiam ser interrompidos com a interpretação do STJ sobre o rol taxativo. “Elas vieram aqui todas essas semanas para batalhar pela aprovação deste projeto. A defesa da vida está acima do lucro dos planos de saúde”, defendeu.

A deputada Soraya Santos (PL-RJ) afirmou que a decisão do STJ sobre o rol taxativo provocaria mortes. “O maior dom que temos é o da vida. O rol tem que ser exemplificativo, na busca do melhor tratamento”, argumentou.

O deputado Gilberto Nascimento (PSC-SP) afirmou que as pessoas estavam desesperadas com a possibilidade de diminuição da cobertura dos planos de saúde. “A doença rara não é uma condição que a pessoa quis. Ela está sacrificando suas finanças para pagar o plano de saúde e deve ter direitos”, afirmou.

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